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Vencedor do Pulitzer 'Confiança' desmonta figura do gênio das finanças

Hernan Diaz rejeita comparação feita com 'O Grande Gatsby' e diz que F. Scott Fitzgerald se enamorou da riqueza

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São Paulo

"Um épico americano, ‘Confiança’ é páreo duro para ‘O Grande Gatsby’", segundo um elogio destacado na contracapa do novo romance de Hernan Diaz. Quando o autor ouve essa comparação com F. Scott Fitzgerald, diz que ela o "deixa triste".

"Não quero ter nada a ver com essa pessoa", diz o escritor, esboçando um sorriso melancólico. Dá para entender, contudo, de onde vem o paralelo. "Confiança" é sobre um magnata das finanças dos anos 1920, navegando a opulência das fortunas infindáveis e destrinchando os habitantes de mansões.

"Fitzgerald ocupa o posto de um escritor incisivo contra o status de classe nos Estados Unidos, alguém que dissecou o capitalismo americano, e não acho que nada disso seja verdade. Em sua vida e sua obra, ele se enamorou da coisa que supostamente criticava. Ele foi arrebatado por esse mundo. Fez exatamente o que eu não queria fazer."

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O escritor argentino Hernan Diaz, radicado em Nova York e autor de 'Confiança' - Jason Fulford

A proposta do romance de Diaz, nascido na Argentina, morador de Nova York há 24 anos e tido como um dos escritores em franca ascensão na literatura anglófona —seu livro anterior, "In the Distance", foi finalista do Pulitzer e ainda não ganhou tradução brasileira—, é de notável sofisticação.

O cenário de luxo da Wall Street pré-crise de 1929, quando o dinheiro se multiplicava tanto que escapava à razão, é o pano de fundo para uma discussão fina sobre verdades e narrativas.

O protagonista é Andrew Bevel, financista com talento assombroso para investimentos, capaz de sempre fazer a aposta certa na hora certa, direcionando mercados inteiros e se firmando como um exemplar bem tolhido do self-made man. Mas esse é um resumo de superfície —que o livro se dedica a desconstruir.

Ou seriam "os livros"? "Confiança" traz quatro narrativas separadas com começo, meio e fim. A primeira é uma ficção escrita por um romancista chamado Harold Vanner sobre o tal financista, que na trama vira Benjamin Rask. A segunda é o rascunho de uma autobiografia do próprio Bevel. A terceira, uma história contada pela ghostwriter de Bevel, a descendente de imigrantes Ida Partenza. E a última é da pena de Mildred Bevel, mulher do magnata.

Todas elas contam a mesma história. Todas elas contam histórias radicalmente diferentes.

"Um dos meus principais objetivos com esse livro era explorar como a verdade é algo instável, resultado de uma negociação", diz o autor. A questão central da obra, segundo ele, é a maneira como estamos dispostos a aceitar o valor de certos discursos contra outros. E isso depende de fatores biográficos —se quem está falando é poderoso, se é homem, se alcançou uma boa posição social— e de habilidades retóricas.

Não fica claro no livro qual das narrativas é a mais correta, mais fiel à realidade. Algumas têm distorções que ficam óbvias na comparação com as outras, mas o intuito de Diaz não é que os leitores busquem o diamante bruto de verdade escondido em meio às narrativas.

"Mais que estabelecer qual a verdade dos fatos, eu quis explorar como uma coleção de fatores discursivos produzem efeito de veracidade. Como todas essas vozes flutuam em torno de um lugar de verdade —que talvez esteja vazio."

Esse exercício ganha camadas quando pensamos na primeira narrativa de "Confiança", escrita por um romancista a partir dos personagens supostamente reais que tomarão a palavra depois.

O leitor espera que a história contada por esse ficcionista ficcional, Harold Vanner, seja a mais distorcida de todas, uma falsidade a ser corrigida nas outras seções do livro. E o divertido é perceber, na leitura, o quanto a versão de Vanner tem inegável validade, captando nuances que escapam aos outros narradores.

"A ficção é vista com alto grau de suspeição, como uma coleção de mentiras, um faz-de-conta feito para enganar você ou para ser um gracejo inócuo. Obviamente não acredito que esse seja seu papel", diz o autor. "A ficção tem sua própria maneira de se relacionar com a verdade, não a mesma do jornalismo ou da ciência, mas que talvez esteja ligada a verdades emocionais."

Diaz se diverte lembrando que há inúmeros casos de supostos fatos históricos que depois foram derrubados ou repensados como construções ideológicas. "A literatura, por sua vez, tem oferecido há milhares de anos um registro bem confiável sobre o que é ser uma pessoa neste planeta."

Confiança

  • Preço R$ 89,90 (416 págs.); R$ 62,90 (ebook)
  • Autoria Hernan Diaz
  • Editora Intrínseca
  • Tradução Marcello Lino
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