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Documentário sobre Pornhub tem muito falatório e pouco sexo

'Pornhub: Sexo Bilionário', da Netflix , conta história do site pornô mais famoso do mundo com pouco entretenimento

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Pornhub: Sexo Bilionário

  • Quando Disponível na Netflix
  • Classificação 18 anos
  • Produção EUA, 2023
  • Direção Suzanne Hillinger

Um pouco de honestidade não faz mal para ninguém (com moderação, sempre com moderação). Isso dito, vamos lá —por que a gente, coletivamente, está tão obcecada por "true crime"? Por que a minissérie "Dahmer: Um Canibal Americano", da Netflix, mesmo canal que lançou agora o documentário sobre o Pornhub, fez tanto sucesso?

O que a gente quer quando decide assistir a um programa que promete —ou ameaça?— mostrar todos os detalhes dos piores crimes praticados por um assassino canibal, dois adjetivos que costumam causar horror e repulsa?

É por sede de justiça? Para ver as instituições funcionando? Ou porque lembrar que um ser da mesma espécie que a nossa, um contemporâneo, é capaz de atos que a gente julga impossíveis de cometer, mas no fundo, no fundo, não tem 100% de certeza?

Arte de 'Pornhub: Sexo Bilionário'
Detalhe da arte do documentário 'Pornhub: Sexo Bilionário' - Divulgação

Não tenho essa resposta. Mas a dúvida ficou martelando durante os 94 minutos que levam para assistir ao documentário "Pornhub: Sexo Bilionário", lançado com imensa expectativa no mundo inteiro, e que a Netflix impediu que os jornalistas assistissem antes (como é de praxe quando um produto está sendo muito esperado, para que possam escrever suas resenhas com tempo hábil para serem publicadas no dia da estreia).

O documentário é proibido para menores de 18 anos, portanto tirem as crianças da sala que o bicho vai pegar. É essa a promessa-ameaça, não? Mas não é isso que entrega.

Há várias entrevistas com atrizes, atores e influenciadores pornôs, ou como quer que eles são chamados esses dias, e até uma ou outra cena ilustrando como é o trabalho deles na internet. Mas o grosso do filme (e agora todas as palavras parecem que tem duplo sentido) é uma falação sem fim.

São acusadores, defensores, advogados, leituras de trechos de processos e reproduções de audiências online, que aconteceram durante a pandemia. Honestamente, e aqui sem nenhuma moderação, nada mais brochante.

A história é ótima, mas complicada para ser contada em uma hora e meia. Vou tentar em uma ou duas frases —o Pornhub é um site canadense, braço da empresa MindGeek, criado em 2007 para compartilhamento de vídeos pornográficos, com uma abordagem pop.

Em vez de se ancorar na discrição, como acontece com quase tudo que tem a ver com sexualidade, o Pornhub comprava anúncios em telões gigantes e iluminados na Times Square, em Nova York. Convidava celebridades para dirigir vídeos, fazia campanhas pela proteção dos pandas, espécie ameaçada de extinção. Era o blockbuster da putaria.

Em 2020, no entanto, uma matéria do jornal New York Times que relatava inúmeros incidentes envolvendo menores de idade e cenas de sexo gravadas —e feitas— sem consentimento fez com que as principais operadoras de cartões de créditos cortassem seus serviços para o site.

O Pornhub removeu quase 10 milhões de vídeos considerados problemáticos. No ano seguinte, a casa de um dos três proprietários do site, o empresário Feras Antoon, avaliada em R$ 86 milhões, que estava quase pronta em um bairro sofisticado de Montreal, no Canadá, foi destruída em um incêndio considerado criminoso.

No documentário, os operários da indústria pornô, ou seja, os performers que ganham a vida atuando em filmes, vídeos ou fotos pornográficas, declaram que essa confusão toda só serviu para tirar o ganha pão seguro que eles tinham quando se libertaram da indústria de filmes adultos e viraram seus próprios empresários, produtores e marqueteiros.

E que os criminosos mesmo, pessoas envolvidas em tráfico de menores de idade, facilitadores de prostituição infantil, estupradores continuam existindo, mas agora estão muito mais difíceis de ser encontrados.

Do lado dos que acusam o Pornhub, a crítica mais contundente é que os donos do negócio enriqueceram sem dar a mínima importância para as diversas reclamações que receberam de pessoas que tiveram sua intimidade, ou crimes cometidos enquanto estavam inconscientes, divulgadas de graça.

É complexo mesmo. Enquanto cenas amadoras, e muitas vezes criminosas, eram acessáveis de graça e à revelia de participantes, o trabalho de profissionais do sexo, adultos que sabiam e gostavam do que estavam fazendo, era bem remunerado e suas vidas muito menos inseguras do que quando trabalhavam para produtores de vídeos.

Para ir a fundo mesmo no assunto, destrinchar a dependência recíproca e as relações de causa e consequência entre a internet e a sexualidade humana, seria preciso examinar filosoficamente as entranhas da nossa natureza.

Ainda que a intenção da documentarista Suzanne Hillinger fosse bem mais singela, contar a história de um site que dominou o seu ramo no mercado mas sofreu um baque no meio do caminho, o sexo entra no meio e atrapalha —ou melhora— tudo. Seja como for, é uma distração poderosa demais para ser tratada apenas como tal.

E não é que o futuro de todas as espécies animais não dependa disso.

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