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Livro de Kenzaburo Oe ganha tom premonitório após a morte do Nobel

'Adeus, Meu Livro!', que acaba de sair no Brasil, é sobre o fim de um escritor premiado e convalescente

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Adeus, Meu Livro!

  • Preço R$ 84 (448 págs.)
  • Autoria Kenzaburo Oe
  • Editora Estação Liberdade
  • Tradução Jefferson José Teixeira

"As pessoas que, como você, passaram a vida escrevendo romances devem, em algum momento, colocar um ponto final no trabalho!" —essa frase simples de "Adeus, Meu Livro!", de Kenzaburo Oe, toma um súbito sentido premonitório quando ficamos sabendo da morte do autor na última segunda-feira.

kenzaburo oe em frente a ideogramas japoneses
O escritor japonês Kenzaburo Oe, morto este mês - Yuriko Nakao/Reuters

O seu enredo, contado à maneira autoficcional de Oe, começa quando um velho escritor premiado sofre um acidente e passa seis meses no hospital entre a vida e a morte. Quando se restabelece, tem a sensação de que volta ao mundo carregando dentro de si não apenas o velho que era, mas também o jovem de "atitudes incomuns" que um dia fora.

A mulher do escritor, preocupada com o estado debilitado do marido, convida um amigo de infância dele para lhe fazer companhia. Trata-se de um arquiteto bem-sucedido que, no passado, projetara a casa de férias do escritor, batizada de "Gerontion". O nome era uma referência ao poema homônimo de T.S. Eliot, no qual o poeta afirma não se interessar pela sabedoria dos velhos e sim por seus delírios e medos.

E, de fato, o que se passa na casa entre os velhinhos é vertiginoso, com consequências que poderiam ser terríveis, não apenas para ambos. É que o arquiteto estava ligado a um grupo anarquista radical que pretendia contrapor à "grande violência" dos Estados capitalistas uma sequência ininterrupta de ações de "pequena violência" conduzida por minigrupos terroristas a atacar em todos os lugares.

A forma geral dessa ação destrutiva seria dada pelos projetos do arquiteto em torno do conceito de "unbuild", ou de "destruição", cujo protótipo universal buscava tornar o 11 de Setembro uma obra em expansão. Assim, com base em estudos estruturais de arranha-céus, ele pretendia ensinar pela internet a explodi-los.

Para dar partida ao projeto, o arquiteto leva para morar com o escritor o grupo de pessoas designadas para produzir a primeira grande explosão num edifício de Tóquio. E não se trata de um plano no qual o escritor convalescente não tomará parte: conforme é informado do "unbuild", ele se compromete com duas tarefas condizentes com o seu status.

A primeira é a de escrever um romance sobre a destruição em curso —a chamar-se "Romance de Robinson", em referência à enigmática personagem de "Viagem ao Fim da Noite", de Céline, que encontra o protagonista em vários locais degenerados e destruídos do pós-Primeira Guerra.

A segunda tarefa é "humanista": na iminência da explosão, ele deveria avisar os meios de comunicação bem a tempo, a fim que os habitantes pudessem ser evacuados antes de serem mortos.

A atitude do escritor convalescente —como um símile da "terra devastada", de que "Gerontion" seria uma espécie de prólogo— é bastante ambígua: de um lado, assiste a tudo com espírito galhofeiro, como quem deixa as coisas como estão; de outro, devido sobretudo ao jovem com quem divide o espaço interior, interessa-se vivamente pelos planos subversivos.

Mais não conto, para não dar spoiler, embora os acontecimentos importem menos do que as ruminações e leituras debatidas pelos velhos, que formam um "pseudocouple", uma dupla difícil, mas complementar.

Aliás, desse ponto de vista, "Adeus, Meu Livro!" também pode ser entendido como um romance sobre a literatura e seu poder disruptivo e transcendental, tão atraído pela graça libertária como pelo crime e o pecado.

É bem aí, no pórtico da literatura, que o velho criador ainda busca o novo, e é capaz de enunciar o paradoxo que Eliot explora em "Quatro Quartetos": "Em meu princípio está meu fim", para depois completar "Em meu fim está meu princípio". A julgar por esse trajeto cambiável, o caminho desolado de levantar evidências da destruição contemporânea está também em busca de uma peripécia improvável.

Sem dúvida, trata-se de um livro sobre o fim, mas como diz um velho ao outro: "Você tenta buscar nessas anotações um sinal para algum tipo de reviravolta".

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