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'Tudo o que Respira', no Oscar, vê laços entre homens e aves no caos de Nova Déli

Documentário filosófico parte do trabalho de irmãos que cuidam de centenas de aves de rapina em clínica improvisada

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Los Angeles

Nova Déli é como uma grande ferida aberta, descreve um dos protagonistas do documentário "Tudo o Que Respira". "E nós somos apenas um minúsculo curativo", continua Nadeem Shehzad, que cuida de centenas de aves de rapina numa clínica improvisada na capital indiana, a Wildlife Rescue Center.

O diretor Shaunak Sen, indicado ao Oscar, filmou por mais de dois anos Nadeem e seu irmão Saud no hospital que a dupla montou nos porões de suas casas 13 anos atrás. O longa captura as dificuldades do dia a dia, o caos de uma das cidades mais poluídas do mundo e a relação de seus habitantes com os animais em geral.

Cena do documentário 'Tudo o que Respira', de Shaunak Sen
Cena do documentário 'Tudo o que Respira', de Shaunak Sen - Divulgação

O filme está disponível na HBO Max e ganhou prêmios em Cannes e Sundance. Se vitorioso no Oscar, será o primeiro documentário sobre pássaros desde "A Marcha dos Pinguins", de 2005.

A ideia do documentário não veio diretamente do encontro com os irmãos, mas de uma vontade de olhar para os céus de Nova Déli, sempre pontuados por milhafres-pretos, uma ave diurna da mesma família que os gaviões e abutres, habitué dos grandes lixões da região.

"Quando você mora em Déli, o ar tem uma espécie de presença assustadora, de preponderância pesada. Todo mundo está sempre um pouco preocupado com isso", diz Sen. "Estava interessado em fazer algo sobre o ar e também me interessava filosoficamente pelas relações humanas não humanas, na vida aviária."

"Uma vez que vi o trabalho singular dos irmãos, e uma vez que fui parar naquele porão… É inerentemente cinematográfico e fascinante. Foi assim que começou", afirma.

No filme, Nadeem e Saud contam que alimentar os milhafres-pretos é uma tradição muçulmana que rende créditos religiosos. Quando pequenos, a família costumava levá-los para alimentar os pássaros. Quando um aparece machucado e é levado a um veterinário, os irmãos ficam chateados que o médico não o aceita por se tratar de um animal não vegetariano. A dupla resolve então aprender sozinha a tratar dos animais descriminados.

Nadeem e Saud também lidam com sua própria dose de preconceito. Em meio à situação precária da moradia e falta de dinheiro para manter a clínica, as famílias precisam navegar protestos violentos entre hindus e muçulmanos que estouraram na cidade em 2020 por conta de uma polêmica lei de cidadania.

Para o diretor, não se trata de um filme de natureza, gênero do qual ninguém tinha experiência na equipe. "As ambições do filme eram muito mais filosóficas", afirma o diretor indiano. "A ideia principal era mostrar uma espécie de simultaneidade, mostrar o emaranhado entre a vida humana e a não humana na cidade."

Ratos, insetos, gado, porcos aparecem em esgotos, lixões e ruas alagadas da cidade em longas tomadas sem corte. "Decidimos que a linguagem do filme seriam essas longas e lânguidas panorâmicas. Para conseguir captar essas afinidades, uma única tomada diz muito mais do que qualquer palavra dita ou escrita."

Para ganhar a confiança dos irmãos, filmando dentro de suas casas, o diretor conta que a passagem do tempo, aliada à monotonia, ajudou no processo. "Nos primeiros meses, a presença das câmeras é muito intrusiva. Mas, quando você consegue o primeiro bocejo, é o tipo de comportamento inconsciente que está buscando", diz o diretor.

O filme tem sido celebrado nas comunidades de observadores de pássaros, apesar de uma crítica frequente. Com tanto papo sobre os céus grotescos de Déli, o filme dá a entender que os milhafres estão literalmente caindo dos céus por conta da poluição, o que não é verdade.

O documentário omite a principal razão, mesmo tendo cientistas citados nos créditos. Como os próprios irmãos falam em outras entrevistas, 90% da causa são as pipas que colorem os céus amarronzados de Déli, principalmente as que usam linhas revestidas de vidro moído, consideradas ilegais.

"É um cenário complicado, uma variedade de fatores ecológicos", afirma o diretor ao ser perguntado sobre o motivo das aves machucadas. "Não sabemos exatamente o que são as toxinas no ar e como isso as afeta. A opacidade do ar é um fator."

Ao ser questionado sobre as pipas, ele aponta que este é um dos fatores, mas sem esclarecer porque deixou a informação de fora do filme. "As pipas são uma prática cultural, um fênomeno enorme no país. Nem todas são ilegais."

Polêmicas à parte, o diretor conta que Nadeem e Saud estão animados com a temporada de prêmios. Nadeem, o mais mal-humorado dos irmãos, viajou para a mesma quantidade de festivais que o diretor no último ano, de Cannes a Polônia, Austrália e Nova York. A dupla, assim como o assistente da clínica Salik, deve vir para a cerimônia do Oscar.

A produção do filme também doou um ano de orçamento para a clínica, um valor que o diretor preferiu não revelar. Também há doações vindo de outros lugares, mas poucas. "Espero que as doações aumentem à medida que o filme vai chegando ao público", disse Sen.

"Os produtores estão ajudando, mas não podemos simplificar e dizer que um documentário está transformando suas vidas. Acho que aliviará algumas das dificuldades persistentes."

Tudo o que Respira

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