O uniforme do Brasil para a cerimônia de abertura das Olimpíadas desperdiça a oportunidade de projetar a grandeza da moda nacional e mostrar que a cultura brasileira não consiste apenas em fauna e flora —muitas vezes usados por estrangeiros para estereotipar o país. Mas associar os trajes a evangélicos, ainda que conservadores, demonstra a intolerância do brasileiro com um grupo religioso cada vez maior e plural —inclusive na hora de se vestir.
As saias abaixo do joelho, outrora obrigatórias a mulheres assembleianas, há mais de dez anos tomaram as ruas e compõem as coleções de lojas, das grife ao fast fashion. Nos anos 2000, as igrejas tradicionais tinham como uma das doutrinas a ideia de que mulheres deveriam se abster dos excessos da vaidade, evitando usar maquiagem, esmalte, calças e roupas curtas, além de não cortar os cabelos.
Evangélicas eram reconhecidas de longe nas ruas, com suas saias jeans até o joelho ou o tornozelo, cabelo longo ou o famoso coque. Hoje, diariamente, influenciadoras de moda fazem vídeos mostrando as mesmas saias em composições tidas como estilosas, modernas e atuais.
Essa tendência tem tido, inclusive, grande aderência da geração Z, que faz composições com tops, camisetas, tênis e botas. O preconceito, então, não era com a saia, mas com as mulheres que expressam sua fé por meio da vestimenta.
Voltando ao uniforme do Brasil, um retrospecto dos trajes usados para as aberturas desde 2000 mostra que o país sempre se mostrou conservador. Camisas ou camisetas de gola próxima ao pescoço fizeram base para conjuntos de blazer e saia reta, no caso das mulheres, e calça para os homens.
A troca dos tecidos e modelagens formais usados nos anos anteriores pelo jeans e o casual gerou mal-estar. Pode-se concordar que faltou sal, borogodó e brasilidade nos uniformes do Brasil, mas associar as peças aos evangélicos é admitir desconhecimento.
Portanto, o problema do look do Brasil não é remeter a uma estética tida como evangélica. Em uma cerimônia de abertura transmitida globalmente e que pressupõe um "dress code" sofisticado, o uniforme brasileiro decepciona por sua falta de apelo visual, com zero atenção aos detalhes, acessórios, texturas e volumes. Sim, não é a Semana de Moda de Paris, mas talvez seja um evento com relevância ainda maior, do ponto de vista de audiência e alcance mundial.
Enquanto países como França, Cuba, Mongólia e Estados Unidos optaram por designers renomados e marcas de prestígio, o Brasil deixou de lado grifes que são o retrato do país, como Misci, Lenny Niemeyer —que em 2016 desenhou as peças produzidas pela C&A—, Dendezeiro, Colcci e Farm.
Neste sentido, a escolha de uma saia com elástico no cós e um chinelo Havaianas — embora seja um símbolo do país— são escolhas inadequadas e informais demais para a grandiosidade do evento.
Segundo a Riachuelo, há referências nacionais e internacionais em sua concepção, como a linha "New Look" da Dior, coleção icônica da grife dos anos 1940, conhecida por seus blazers e saias plissadas com cintura marcada.
Contudo, a execução ficou muito aquém do esperado. E a referência "New Look" foi diluída em uma versão comercial do que é ser brasileiro. A jaqueta jeans, por exemplo, destaca-se mais pelo seu preço elevado do que pelo design inovador, sendo vendida a R$ 599 nas lojas da varejista.
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