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02/11/2010 - 11h03

Diretora artística da Documenta 13 explica título "performático" da mostra

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FABIO CYPRIANO
DE SÃO PAULO

Carolyn Christov-Bakargiev, a diretora artística da Documenta 13, é uma curadora performática até mesmo no título provisório que escolheu para a mostra: "A dança era muito frenética, viva, de chocalhar, tinir, rolar, contorcer e durar muito tempo". (Der Tanz war sehr frenetisch, rege, rasselnd, klingend, rollend, verdreht und dauerte eine lange Zeit).

Na entrevista que deu à Folha, durante cerca de uma hora, por conta do barulho do restaurante em seu hotel, preferiu falar em pé, embaixo de uma bananeira no jardim do local, o que tem tudo a ver com o que disse.

Leia a íntegra do bate-papo abaixo.

Eduardo Knapp/Folhapress
Carolyn Christov-Bakargiev, diretora artística da mostra Documenta 13, em São Paulo
Carolyn Christov-Bakargiev, diretora artística da mostra Documenta 13, em São Paulo

Folha - Qual é mesmo o título provisório da Documenta?
Carolyn Christov-Bakargiev - Eu não consigo me lembrar. É verdade. Eu escrevi ele para não me lembrar, mas experimentar um título performativo. Uma das formas de se criar um título é construindo-o, como Gertrude Stein, por meio de inversões e repetições de palavras, assim como ela escrevia seus textos.
Eu estava lendo textos dela quando fui selecionada para Documenta e no projeto que escrevi eu usei as palavras dela, mas alterando a ordem, o que é um segredo que estou contando. A complexidade dos gestos que compõem a narrativa não pode ser resumida no final, ou seja, é uma forma de resistência à era digital, à Wikipédia, ao rápido encapsulamento do conhecimento que marca nosso tempo, onde tudo deve ser muito claro.
Na verdade, isso não é dividir conhecimento, mas ter conhecimento. O título é um fluxo, é uma espécie de dança, e não que dança seja um tema específico, mas é a dança entre as obras, entre o visitante e a arquitetura, a dança da mente tentando entender uma frase que se refere ao movimento do corpo no espaço. O título, que originalmente é em alemão e é impossível traduzi-lo, os próprios alemães acham ele estranho, aponta para as sutilezas das dificuldades da tradução.

Você quer discutir o excesso de comunicação que gera a falta de comunicação na Documenta?
Em verdade, não quero nada. Eu venho de uma perspectiva feminista e essa perspectiva não quer! Querer é um verbo que não uso. Essa realidade é a que vivemos e essa é a realidade com a qual os artistas se confrontam, porque eles são pessoas reais. Isso não é um conceito e eu não quero criar um conceito para a Documenta. Em um ano eu vou ter que divulgar um conceito, mas agora eu quero atuar como um conceito. Ou seja, isso é a Documenta.

Por quê evitar o conceito agora?
Porque a estrutura conceitual das práticas curatoriais se transformou num clichê e se tornou parte da produção de uma ideia, o que é muito superficial. É pela colagem das pessoas que estou divulgando que se chega ao conceito da Documenta.

E o que a preocupa?
Umas das questões para mim é como conectar o macro e o micro. O macro representa um cenário mais amplo, como o Universo [risos], e o micro quer dizer o subatômico, no nível da física quântica. Entre ambos, há o inorgânico e o orgânico, as moléculas, as células. Há um momento particular nessa escala que surgem os humanos e eles fazem coisas chamadas cultura e então produzem fazem arte. Mas, olhando-se por um cenário mais amplo, até mesmo os tomates produzem cultura, porque eles são vermelhos por uma certa razão, mas antes eram verdes, e crescem numa época específica, sobrevivem de certa forma. São muito imaginativos. E eles também amam! No microscópio isso é muito claro. É amor ou desejo, eu não sei.

Você disse numa palestra que busca deantropocentralizar, que não são só os humanos que são criativos.
Sim. De fato se diz agricultura: a cultura do agrícola... Não significa que não estou interessada em arte, estou fazendo a Documenta! Mas é um ponto de vista, observando ela em relação com o que todos os elementos do universo estão fazendo. Eu não acredito que seja importante dizer porque os humanos são diferentes dos outros animais ou das plantas. Acho que é mais importante as diferentes forma de troca e co-evolução.

Isso aponta para um visão mais ampla da arte...
Realmente eu tenho uma ideia bastante ampla do que pode ou não ser incluído na Documenta. Muito ampla! Arte é um campo aberto para tudo e os artistas redefinem o campo da arte o tempo todo. Algo que não é considerado arte, pode passar a ser definido como arte. Então, acho que estou sendo bastante normal.
Outras áreas é que estão se transformando. Se você observar física quântica e o que seus especialistas debatem, isso está perto da ficção científica ou da filosofia e eles sabem disso.
Assim, estou sendo bastante normal, mas me pergunto se arte contemporânea não é apenas um movimento do século 21. Giotto dizia que estava fazendo arte contemporânea. Através das nossas lentes modernas do século 17, lemos todo o passado. Na Idade Média, quem projetava uma igreja não se definia como arquiteto. Um dos erros do pós-modernismo foi apontar para um eurocentrismo da arte, como se os gregos sabiam que produziam arte. Arte contemporânea não é uma definição dada.

O momento atual tem, aliás, definições difíceis.
O mundo está num constante estado de colapso e um dos temas sobre os quais reflito muito é o colapso e a recuperação e seus ciclos. Antes achava-se que o colapso vinha primeiro e a convalescença vinha depois, mas, hoje, isso ocorre em instantes. Vivemos num estado permanente de falência econômica. Após a crise financeira, nós não estamos na crise financeira, mas estamos na crise financeira.
Ou no Afeganistão, estamos no pós-guerra, porque ela acabou, mas ao mesmo tempo a guerra ainda continua. As ONG possuem lá ações de recuperação, mas a guerra acabou? Parece que ninguém está levantando estas questões.
No imaginário coletivo parece comum admitir que estamos no desastre e na recuperação e isso é aceito.

O Brasil parece estar sempre nessa condição.
Por isso o Brasil é tão interessante, assim como Taiwan. Por conta da emergência da economia chinesa, Taiwan entrou num estado de falência econômica. Antes tudo era feito em Taiwan e agora tudo é feito na China, o que criou uma condição especial no pais, com fábricas abandonadas, como ocorreu na Europa e EUA nos anos 1970 e 1980.
Eu me interesso por situações desse tipo, com economias em falência constante, porque elas são como laboratórios para o futuro, de como se vai lidar com crises permanentes.
Eu entendo que estamos num momento muito muito muito (sic) problemático no mundo: com a crise ecológica, as tragédias provocadas por modificações genéticas, ou o crescente número de suicídio em lugares como a Índia ou a Itália, onde ele é o maior causador de mortes entre adolescentes, maior ainda que acidentes de carro.
Passamos por desarticulações da sensibilidade, da mente, na era da hiperatividade da internet, onde tudo mundo está atuando, o tempo todo, como no Facebook. Ou seja, as pessoas não estão de fato dividindo algo com as outras, mas elas precisam ser diferentes de todas as outras. Isso causa um monte de problemas, ataques de pânico, como têm diagnosticado os psiquiatras. Há pânico porque há muita informação e não se é capaz de processar tudo.
Assim, eu entendo que, no nível macro --social e econômico-- vivemos num período catastrófico. Mas ao mesmo tempo, a mídia quer refletir a catástrofe. O que faz parte da cultura é não apenas revelar e documentar os problemas, mas imaginar formas de emancipação através da imaginação. Felicidade e amor são agora um programa político radical. Por isso me interesso pelo surrealismo. Se você olha uma foto do Man Ray com um grande lábio ela pode não parecer política, mas é.
Eu não quero destruir a arte, eu quero ter a possibilidade de jogar mais, questionar os campos. Vivemos num momento onde o incentivo à produção material é tamanha, onde se espera tanta criatividade, que talvez seja melhor que a arte seja não-criativa.

Ser inútil?
Aparentemente inútil, porque é a coisa mais urgente a se fazer.

É o que torna humanos os humanos?
Eu não tenho interesse no que torna humano os humanos. Eu não quero separar os humanos das outras espécies, dos peixes, dos animais, e mesmo da vida inorgânica, das rochas. Eu acho que as rochas também têm imaginação. O que quero dizer é que existe uma jornada política a ser feita, que tem a ver com libertar cada um da obrigação de ser criativo, libertar cada um da obrigação do lazer, libertar cada um do trabalho imaterial pós-fordista. Talvez seja mais interessante apenas colecionar pedras, é por isso que não crio um conceito.

Muitos curadores, após uma certa idade, também chegam a uma noção de arte mais ampla, como o Mário Pedrosa que, já em 1961, apresentava na Bienal a produção dos aborígenes e caligrafia japonesa...
Você acha que é porque são mais velhos?

Talvez mais maduros e passem a ampliar a ideia de arte e poder até colecionar pedras...
Acho que você tem razão, Harald Szeemann (1933 2005) estava velho ele também era bastante aberto. Talvez eu esteja velha. (risos) Mas quando se é muito jovem, a gente não tempo para pensar. Mas há muitos jovens curadores bastante abertos. Por exemplo, a prática do Raimundas Malasauskas: acho que ele não está nem ai se o que faz é arte ou não é arte.
Ele organizou uma exposição de hipnose com trabalhos de artistas feitos para o cérebro dos visitantes e a mostra ocorria apenas em quem era hipnotizado. Isso é uma exposição fantástica. Ou então ele organizou uma mostra no Museu Tamayo, no México, onde ele selecionou obras do próprio acervo, mas construiu dentro do museu uma nova estrutura arquitetônica idêntica, mas menor, mudando a proporção da relação das pessoas com os trabalhos daquela instituição, como "Alice no país das Maravilhas".
Ele é bem jovem, da Lituânia, e aprendo muito com jovens. Minha Documenta não é apenas minha Documenta. É um momento num percurso e nesse percurso há muitas vozes. Trabalho com um grupo de agentes, e escolhi esse termo porque não gosto do termo curador. Quando se fala agente pode-se pensar em espiões, ou também num agente de um experimento científico. O Raimundas é um dos agentes.
Vou editar também "100 notas, 100 pensamentos", que começarão a ser publicados em 2011 e vão até a mostra, em 2012. Serão 100 cadernos escritos por todo tipo de gente: artistas, filósofos, antropólogos, escritores. E nenhum vai ser no formato A4.

Por quê?
É um formato alienador, de material que se imprime em escritório... Blargh! Vai ser em A5.
Agora cada agente terá um tipo distinto de trabalho. Alguns vão trabalhar muito, outro pouco. E eu não estou nem ai, eu sigo o impulso deles mesmos. Quem gostar de trabalhar 24 horas por dia vai estar sempre comigo.

Você realmente parece que trabalha 24 horas por dia!
Eu acredito que a gente trabalha até quando está dormindo. Mas eu também gosto de brincar 24 horas por dia, é a mesma coisa.
Alguns agentes vão trabalhar comigo apenas uma vez por ano e será intenso. Eu não pergunto. É como um experimento radical de trabalho. Quando organizei "Greater New York", no P.S.1, na cidade de Nova York, em 2000, foi assim, sem obrigações. E o fato de fazer não tem implicações financeiras, tudo depende do quanto cada um se apaixonar. Alguns vão se apaixonar mais, outros menos, e tudo bem.

 

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