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Filme "Deserto Azul" retrata vazio existencial em Brasília futurista
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SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
É madrugada no Planalto Central. Uma equipe de filmagem aproveita o azul radiante do céu noturno para gravar as cenas de um filme que transforma Brasília num deserto estranho e futurista.
Os atores, fotógrafos e contrarregras, eletrizados pela cafeína, consultam versões do roteiro no iPad do diretor Eder Santos.
Na cena daquela noite, os atores Odilon Esteves e Ângelo Antônio contracenam nus, em camas lado a lado, amarrados a emaranhados de fios. Eles vivem o mesmo personagem --jovem e velho. Falam de dobras no espaço e no tempo que tornam possível a convivência etérea na Brasília pós-tudo.
Divulgação | ||
O ator Odilon Esteves em cena de "Deserto Azul", filme do artista plástico e cineasta Eder Santos |
"É um futuro reduzido de gente", afirma o artista plástico e cineasta Santos. "Brasília ainda dá essa visão um pouco vazia, que não é algo comum nas cidades de hoje."
No mês que passaram gravando na capital federal, o diretor e sua equipe ficaram no hotel Nacional, símbolo agora decadente da era de ouro que seguiu a inauguração de Brasília, há 50 anos.
Quase toda a filmagem se concentrou na caixa de vidro do lado de fora do Centro Cultural Banco do Brasil, espécie de QG da produção, onde armou-se um estúdio, com os figurinos e todos os cenários.
No trajeto de ida e volta, cruzavam o amplo horizonte do cerrado, o céu que roça o chão num contraste entre vermelho e azul profundos.
E mesmo numa cidade onde tudo é um marco, monumento pensado por Oscar Niemeyer e Lucio Costa, Santos saiu em busca de pontos, ângulos e becos anônimos.
FUTURO ÁRIDO
"Penso um pouco nessa coisa do futuro, nessa aridez", diz o diretor. "Isso está presente na arquitetura daqui, acho que é possível tornar Brasília anônima, o clima desértico, sem árvores."
Na trama algo confusa de "Deserto Azul", um garoto recebe estranho convite para uma festa. Lá, encontra uma mulher que passa a perseguir por ambientes que lembram Brasília --horizontes esgarçados, despovoados, com poucos carros e máquinas.
Seu desejo é transcender, como repete em monólogos extensos no filme. Não há indicação clara do que seja tal transcendência, mas isso se ilustra com a travessia de um deserto azulado e voltas pela cidade em táxis com telas de plasma no lugar das janelas.
"Vemos algumas paisagens, avenidas com prédios futuristas, cheios de letreiros luminosos", diz uma indicação no roteiro. "Ele observa a paisagem. Olha prédios passarem, reflexos coloridos."
São ecos de certo vazio existencial que Santos também enxerga no urbanismo ralo de Brasília, com vastos descampados e gente que não se entrosa, extensão coletiva dos traços meio ensimesmados do protagonista de seu filme, ainda sem data definida para estrear.
"Essa ideia só existe ali até hoje, essa coisa de colocar as pessoas na cidade de maneira diferente", diz Santos. "É outra escala, não sei se utópica, porque existe e funciona, mas é muito estranho, frio."
Essa frieza também aparece nas obras de artistas que Santos escalou para compor seus cenários.
Uma sauna de Adriana Varejão opõe certo minimalismo ortogonal à intimidade dos relatos. Carlito Carvalhosa empresta uma árvore flutuante ao quarto em que o jovem protagonista conversa com sua versão envelhecida.
Todos parecem sublinhar esse modernismo estranho que se quer futuro.
O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da produção de "Deserto Azul"
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