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15/02/2011 - 07h28

Meio século após morrer, Oswaldo Goeldi segue como influência

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SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Quando chegou ao Rio em 1919, Oswaldo Goeldi não olhou para as amplas avenidas da cidade que tentava imitar Paris. Nem se deslumbrou com o sol dos trópicos que não via desde a infância.

Veja galeria de imagens de de Goeldi

Suas obras anularam a luz. Maior gravurista do país, Goeldi olhou com desconfiança para a ideia de progresso que tentava se firmar e retalhava em suas matrizes de madeira tipos marginais, sombras e desequilíbrios que políticos e artistas do momento ignoravam sem medo.

Faz 50 anos que Goeldi foi encontrado morto no quarto em que vivia de favor nos fundos de uma casa no Leblon, no Rio, hoje demolida.

Nenhuma grande exposição ou publicação está sendo planejada para relembrar a data, mas a atitude do artista que recusou a euforia vazia do período entre guerras é mais atual do que nunca.

Nascido no Rio em 1895, Goeldi passou infância e juventude na capital suíça. Trouxe de lá seus contornos angulosos, a fatura fibrosa da estética expressionista.

Eram contrastes de alta voltagem, quase sempre pendendo para o negro, que não encontraram acolhida fácil no Brasil e até hoje causam estranhamento no plano internacional, já que críticos estrangeiros não esperam esse peso do país do Carnaval.

"Ele alerta que as coisas são mais complicadas do que essa euforia nos faz crer", diz Moacir dos Anjos, curador que levou obras de Goeldi à última Bienal de São Paulo. "Nas gravuras dele, as pessoas são sempre solitárias, apressadas, criam uma tensão com o espaço público."

Nuno Ramos, artista que estava na mesma Bienal e construiu uma alusão à herança de Goeldi com urubus enjaulados sobre torres de areia socada no vão central do pavilhão, vê nas obras do artista uma "vedação noturna para um sol excessivo".

"Goeldi tem um foco poético nítido, uma compreensão da vida como algo mais pesado, mais puro", diz Ramos. "É uma visão noturna, antitrópicos, algo de ordem alucinada, difícil, que está um pouco de costas para o país."

Divulgação/ProjetoGoeldi
Autorretrato de Oswaldo Goeldi
Autorretrato em xilogravura de Oswaldo Goeldi, que morreu há 50 anos no Rio, mas segue influenciando artistas

VISÃO NOTURNA

Essa recusa à alegria, que no plano formal se deu pela recusa à onda construtiva que Goeldi viu surgir, é hoje reenquadrada à luz de um país míope para as próprias mazelas, perdido na festa do pré-sal, trem-bala, Copa do Mundo, Olimpíada e afins.

Em cartas que escreveu a amigos na Europa, Goeldi dizia não ser capaz de "pegar um pouquinho do ardor deste sol lá fora". Em vez da orla cintilante, descrevia os subúrbios, com seus "portos abandonados, com navios encalhados, apodrecendo".

"Ele tem uma tristeza, uma melancolia", resume Noemi Ribeiro, pesquisadora que reuniu toda a correspondência de Goeldi. "É uma imagem de denúncia, de confronto com o progresso, a eletricidade, os carros, o rádio. Ele achava que não adiantava todo esse progresso."

E, na construção de suas imagens, Goeldi refreava essa mesma noção de avanço vertiginoso. É lenta a fatura dos traços, a dinâmica dos sulcos precisos na madeira.

Cada paisagem, vizinhança desarranjada tomava forma num ritmo alternativo à realidade, um descompasso já entranhando nas linhas arestadas de suas gravuras.

"Aquilo que a gravura demanda em termos de esforço, de tempo, media os embates intelectuais que ele tinha naquele momento", observa Dos Anjos. "Há um rigor ético e formal, como se ele tivesse tempo de meditar sobre o que estava vivendo na hora."

Dessa forma, Goeldi entrou para a história e se valoriza agora, por sugerir outro caminho. Foi o artista que soube começar pelo avesso, cavando formas a partir de uma "intuição muito forte".

 

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