Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
15/07/2011 - 07h35

Chico Buarque faz música de sua literatura em novo álbum

Publicidade

FERNANDO DE BARROS E SILVA
COLUNISTA DA FOLHA

O narrador de "Querido Diário", música de abertura do CD "Chico", pode ser visto como um desajustado social, um tipo que não se encaixa direito em lugar nenhum.

"Há algo de incômodo nesse personagem, talvez ele pertença mais ao mundo da literatura que ao da música popular, a exemplo do narrador de 'Estorvo'. De certa forma, me identifico com tipos assim", diz Chico Buarque.

Ao mesmo tempo, explica, "a melodia da canção é aparentemente bastante simples, ingênua quase, o que provoca uma estranheza que julgo interessante".

Nada disso é óbvio a quem ouve essa canção pela primeira vez. E a sensação de estranhamento vai acompanhar boa parte das dez canções que compõem o disco. Dificilmente uma delas vai estourar ou tocar no rádio.

Ao aproximar desse "Querido Diário" o personagem remoto e sem nome do romance que publicou em 1991, pela Companhia das Letras, Chico evidencia um dos traços de seu novo trabalho musical: ele está impregnado por sua obra literária.

Daryan Dorneles/Divulgação
Compositor Chico Buarque, que lança disco novo, "Querido Diário"
Compositor Chico Buarque, que lança disco novo, "Querido Diário"

Isso aparece de forma bem mais explícita em "Barafunda", a penúltima das músicas: "É, não é/ Era Zizinho era Pelé/ Aliás, Soraia era Anabela/ Era amarela a saia/ Foi quando a verde-e-rosa saiu campeã/ Cantando Cartola ao romper da manhã".

Essa voz que recorda e confunde tudo (amores, história, futebol) pode evocar "Pelas Tabelas", samba de 1984, mas é sobretudo irmã gêmea da fala de Eulálio, o centenário narrador de "Leite Derramado" (2009), perdido entre lembranças e delírios, realidade e imaginação.

Mas este não é um Eulálio que resmunga e lamenta, e sim que exulta e celebra a vida, o que reforça e reitera a tensão (ou o contraponto) na obra madura de Chico entre o mundo sem escapes da literatura e a promessa de felicidade (ou de reconciliação) inscrita na sua música.

A mesma tensão está presente em "Sinhá", afro-samba em parceria com João Bosco, momento alto do álbum. Amarrado ao tronco, o negro suplica (em tom menor) para não ter os olhos furados pelo senhor de engenho.

Ele jura não ter visto "sinhá" nua no açude. Na última estrofe, a voz muda e um outro narrador, agora em tom maior, revela ser o "cantor atormentado/ Herdeiro sarará/ Do nome e do renome/ De um feroz senhor de engenho/ E das mandingas de um escravo/ Que no engenho enfeitiçou sinhá".

O tema do descendente mestiço da classe dominante, que em "Leite Derramado" recebe tratamento humorístico, aqui aparece numlongo gemido _lamento eeco da herança escravocrata.

VELHICE E AMOR

Mas Chico, 67, também é personagem de suas canções. O romance entre o homem mais velho e a mulher mais nova é o que inspira o blues "Essa Pequena". "Meu tempo é curto, o tempo dela sobra/ Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora."

Desde os primeiros versos, impossível não imaginar que a canção dramatiza, com leveza e ironia, o namoro entre o autor e a cantora Thais Gulin. Ambos dividem ainda a voz em "Se Eu Soubesse".

A mesma brincadeira com o amor tardio ou extemporâneo volta em "Tipo um Baião": "Não sei pra que/ Outra história de amor a essa hora/ Porém você/ Diz que está tipo a fim/ De se jogar de cara num romance assim".

"Chico" é um disco em que o herdeiro e continuador da tradição de Tom Jobim rende homenagem ao escritor que ele também é. E é o testemunho de um homem em estado de graça, apaixonado.

CHICO
ARTISTA Chico Buarque
GRAVADORA Biscoito Fino
QUANTO R$ 29,90, em média

Vídeo

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página