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11/05/2012 - 14h00

A guerra de Bangladesh contra a mudança climática

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JOHN VIDAL
DO "GUARDIAN", EM GAZIPARA (BANGLADESH)

A vida de Rebecca Sultan foi duas vezes estraçalhada em poucos anos. Primeiro, os ventos de 230 km/h do ciclone Sidr assolaram sua aldeia, Gazipara, destruindo casas, matando 6.000 pessoas e devastando as vidas de milhões na sua passagem pelo sul de Bangladesh, em 2007.

Então 18 meses depois, quando Sultan estava se recuperando, o ciclone Aila chegou da baía de Bengala com chuvas torrenciais, arrasando diques costeiros e inundando seus campos com água salgada.

Tempestades dessa intensidade historicamente acontecem em Bangladesh em intervalos de 20 a 30 anos. Mas os dois "superciclones", seguidos por mais um que passou raspando, o Nargis, que matou 100 mil pessoas na vizinha Mianmar um ano depois, convenceram Sultan e sua aldeia, além de muitos céticos no governo, de que a mudança climática está acontecendo, e que a própria sobrevivência de Bangladesh está em jogo.

Gazipara, como milhares de outras aldeias no litoral de Bangladesh, agora corre contra o tempo para se adaptar à intensificação das inundações, da erosão e da intrusão da água salgada.

Sultan e 30 outras mulheres ergueram seus casebres e banheiros sobre pedestais de terra com alguns metros de altura. Outros estão cultivando plantas e árvores frutíferas mais tolerantes ao sal, e a maioria das famílias está buscando formas diferentes de produzir legumes e verduras. "Sabemos que precisamos conviver com a mudança climática, e estamos tentando nos adaptar", disse Sultan.

Em outros lugares de Bangladesh, centenas de comunidades estão reforçando diques, plantando faixas de proteção, cavando novos lagos e poços e recolhendo água doce. Alguns querem construir fortalezas para guardar seu patrimônio, outros querem abrigos anticiclone.

"Acho incrível como as pessoas estão encarando a mudança climática e se adaptando", disse o cientista bengalês Saleemul Huq, que comanda o grupo de mudança climática do Instituto Internacional para o Ambiente e o Desenvolvimento, em Londres, e dá consultoria sobre o assunto ao governo do seu país.

"É, sem dúvida, a sociedade mais conscientizada do mundo a respeito da mudança climática", afirmou Huq. "Ela viu o inimigo e está se armando para lidar com ele. O país está agora em pé de guerra contra a mudança climática. Eles estão lutando por soluções. Ainda não têm todas elas, mas terão. Vejo Bangladesh como um pioneiro. Ele se adaptou mais do que qualquer outro país aos extremos meteorológicos que a mudança climática deve trazer."

Novas pesquisas mostram que haverá mais secas no norte do país, e elevação do nível do mar. Por isso, 30 milhões de bengaleses estão suscetíveis a perder tudo por causa da mudança climática nos próximos 30 a 50 anos, segundo Atiq Rahman, diretor do Centro para Estudos Avançados de Bangladesh e um dos coordenadores do quarto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática, da ONU.

"São eventos extremos, como superciclones e secas, que irão dominar no futuro, não os medianos", disse Rahman. "São os dias adicionais de calor ou frio ou a intensidade dos ciclones que mais irão afetar a vida. Os pobres não podem esperar a liderança global acerca da mudança climática --eles estão agindo agora. Eles estão pagando com suas próprias vidas, com seus próprios recursos, com seus próprios esforços. Eles não podem esperar. Não é uma questão de escolha."

O problema, disse Rahman recentemente a uma conferência sobre adaptação comunitária na capital Dacca, é que o conhecimento tradicional sobre quando plantar quais cultivos, ou quando colhê-los, talvez não baste.

"O governo reconhece que é uma ameaça muito real. Mas o que acontece no futuro não será indicado pelo que aconteceu no passado. Há um novo desafio de conhecimento."

"Muitos sabem plantar cultivos mais tolerantes em anos difíceis, mas carecem das sementes tolerantes à seca ou resistentes ao sal que são atualmente necessárias para lidar com o agravamento das condições. Precisamos de novas tecnologias, verbas e conhecimento."

PROMESSAS

Mas, segundo a chanceler Dipu Moni, os países ricos não deram até agora o dinheiro que prometeram para ajudar Bangladesh e outros países vulneráveis a se adaptarem. "A mudança climática é real e está acontecendo", disse Moni. "Uma elevação de 1ºC nas temperaturas para Bangladesh equivale a uma perda de 10% do PIB. A recuperação de um fato como o Sidr pode levar 10 a 20 anos, e nos custar bilhões de dólares. Mas não vemos o dinheiro vindo."

"As pessoas que estão sendo afetadas não são os grandes bancos, mas os pobres", acrescentou ela. "Nosso drama passa bastante despercebido. Ele não faz os países ricos apresentarem trilhões de dólares da noite para o dia. É uma vergonha, mas continuamos tentando."

Segundo a chancelaria, Bangladesh recebeu até agora US$ 125 milhões, incluindo US$ 75 milhões do Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DfID, na sigla em inglês), do governo britânico. "Mas [os países] têm se recusado [a dizer] se o dinheiro da mudança climática é tirado da [atual] cesta de ajuda", afirmou um funcionário público de alto escalão. "Queremos garantias claras de que esse dinheiro vai se somar ao dinheiro da assistência oficial ao desenvolvimento [AOD]. O DfID não esclareceu se isso é adicional à AOD."

No litoral, Sultan refletia sobre as mudanças. "A diferença que todos nós temos visto no clima em apenas poucos anos é grande. Agora estamos tendo chuvas repentinas, não sabemos quando esperar por elas; os níveis da água sobem rápido, a erosão é maior, e estamos tendo mais salinidade. Costumávamos saber quando as estações iriam mudar; agora elas estão temperamentais. Somos resistentes e determinados a nos adaptar a qualquer coisa que acontecer, mas está difícil."

Tradução de RODRIGO LEITE.

 

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