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21/05/2012 - 17h30

A nova "primeira-família" da França

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ANGELIQUE CHRISAFIS
DO "GUARDIAN"

No palco da praça de uma cidade do interior, a banda de acordeões começou a tocar a canção de amor "La Vie en Rose", de Edith Piaf. François Hollande, que acabava de ser eleito o primeiro presidente socialista da França em 17 anos, ensaiou alguns passos de valsa com sua companheira, Valérie Trierweiler, que em seguida recuou, possivelmente percebendo que eles poderiam parecer um pouco ridículos na televisão.

"Beija, beija!" exigiu a multidão reunida em Tulle, na região de Corrèze, a base de poder de Hollande na zona rural. Foi Trierweiler quem tinha escolhido a canção de Piaf, a trilha sonora padrão da França, e pedira ao prefeito que a tocasse.

A música assinalou o retorno do acordeão à política francesa, algo que não era visto desde que o falso rústico ex-presidente Valéry Giscard d'Estaing o tocou na década de 1970; trata-se de uma mensagem importante sobre a imagem rural de Hollande, de "sr. Normal". Mas ela também demonstrou a importância sutil de Trierweiler nos bastidores.

Joshua Roberts/Reuters
O presidente francês Francois Hollande e sua companheira Valérie Trierweiler desembarcam nos EUA
O presidente francês Francois Hollande e sua companheira Valérie Trierweiler desembarcam nos EUA

Momentos antes, a jornalista política --cujo relacionamento com Hollande começou depois de passar anos cobrindo o Partido Socialista para a revista "Paris Match"-- tinha se sentado com o presidente eleito enquanto ele dava os retoques finais a seu discurso de vitória.

Hollande pode ter ganho a eleição ao apresentar-se como o Homem Comum, gente como a gente, num exercício poderoso de criação de uma marca política, mas foi Trierweiler quem parece ter cunhado o termo, tendo descrito Hollande como "o Homem Normal" num perfil dele que escreveu em 2004.

Trierweiler, que protege sua vida privada e não é avessa a telefonar a jornalistas para repreendê-los pelo que afirma serem erros --como terem noticiado que Hollande tingiu o cabelo--, foi apelidado de "Tweetweiler" por tuitar sua desaprovação sempre que se sente injustiçada pela mídia.

Agora, como nova primeira-dama da França, ela está sob intenso escrutínio da mídia. A posição de primeira-dama não existe oficialmente na França ou no protocolo francês, mas Sarkozy, que teve duas mulheres enquanto esteve na Presidência --Cécilia Attias e depois a ex-supermodelo Carla Bruni-- parece ter lançado a tendência de as parceiras dos presidentes também ganharem a atenção da mídia.

Se ela continuar com seu emprego, Trierweiler pode ser revolucionária: a primeira companheira de um presidente a exercer um cargo assalariado. Mas ela também terá que percorrer o campo minado de ser jornalista e ao mesmo tempo mulher do presidente. Pesquisas de opinião já mostraram que a maioria avassaladora dos franceses quer que ela continue a trabalhar e aprova sua independência.

Mas Trierweiler também vem sendo alvo de ataques que revelam que, mesmo na era pós-Dominique Strauss-Kahn, a vida política francesa está saturada de sexismo. Quando Lionnel Luca, um deputado direitista do partido de Sarkozy, a descreveu como "Rottweiler" e acrescentou que a descrição "faz uma injustiça com o cão", Trierweiler disse que ele deveria ter sido punido pelo presidente do Parlamento.

Um comentarista esportivo foi demitido de sua rádio esta semana por enviar um tuíte dizendo: "A todas as colegas jornalistas: escolha bem com quem você transa --você pode virar a próxima primeira-dama da França".

Hollande, que tem 57 anos e é um homem de tipo comum, bem-humorado e que costuma andar de bicicleta motorizada, é um personagem tão oposto a Sarkozy, tão distante do ex-presidente agitado e chamativo, que Carla Bruni avisou recentemente que ele pode provocar a morte do jornalismo francês: "Se meu marido for derrotado, sobre o que vocês vão escrever?", Carla perguntou a um repórter.

No entanto, a vida pessoal de Hollande tem sido quase tão complicada quanto a do ex-presidente, além de dar assunto a matérias de capa há anos. O desafio agora é que tratamento dar a ela.

Trierweiler, dez anos mais nova que Hollande, é repórter política da "Paris Match" há décadas, cobrindo os socialistas --não apenas François Hollande, que liderou o partido por 11 anos, mas também sua ex-companheira e mãe de seus quatro filhos, a política Ségolène Royal.

Hollande e Royal eram o grande casal político da França; eram descritos como sendo mais competitivos que os Clinton, embora nunca tivessem se casado porque viam o casamento como sendo "burguês" demais. Ainda nos anos 1980 eles começaram a confundir as divisões entre vida privada e pública, convidando jornalistas a fazer fotos em seu apartamento enquanto seus filhos pequenos brincavam ou tomavam o café da manhã.

Philippe Wojazer/Efe
Sarkozy e Hollande se cumprimentam enquanto Velérie Trierweiler e Carla Bruni fazem o mesmo em cerimônia
Sarkozy e Hollande se cumprimentam enquanto Velérie Trierweiler e Carla Bruni fazem o mesmo em cerimônia

Em 1992, Royal, na época ministra do governo, concedeu uma entrevista controversa numa maternidade de hospital, onde acabava de dar à luz sua filha menor. Trierweiler foi a jornalista que fez a entrevista.

SEPARAÇÕES

Se a eleição presidencial francesa deste ano foi definida por cenas de carinho dos candidatos --Hollande e Trierweiler beijando-se e dando risinhos, Sarkozy e Bruni fazendo o mesmo--, a última corrida presidencial, em 2007, foi dominada por separações.

Quando Sarkozy foi eleito, naquele ano, seu casamento com Cécilia ia muito mal, apesar de suas tentativas de sugerir o contrário diante das câmeras. Ela pediria o divórcio pouco depois, e recentemente Sarkozy a culpou pelos piores de seus excessos exibicionistas. Sua festa de noite eleitoral em 2007 aconteceu num restaurante elegante da Champs Elysées, na companhia das pessoas mais ricas da França, e foi seguido por um cruzeiro de comemoração no iate de um bilionário. Cécilia negou ter sido responsável por isso.

Ségolène Royal, que disputou a Presidência com Sarkozy, também vivia uma agonia emocional. Hollande a tinha deixado para unir-se a Trierweiler, um relacionamento que começara em 2005 e levara Trierweiler a deixar seu marido, também. Mas a união deles ainda era oficialmente um segredo. Foi apenas após a eleição que Royal anunciou que eles tinham se separado e ela tinha pedido a Hollande que deixasse sua casa. Mas a ruptura em seu relacionamento acabou dominando a campanha de Royal e sendo vista como metáfora das divisões tóxicas no interior do Partido Socialista.

Esses conflitos ameaçaram vir à tona novamente no ano passado, quando Royal decidiu disputar a candidatura socialista com Hollande. Mas, ao invés disso, o antigo casal fez todo o possível para evitar confrontos nos comícios.

Quando Hollande ganhou a candidatura, Royal tornou-se uma aliada chave dele na campanha e em talk-shows na televisão. Para pôr fim à ruptura de maneira pública, ela apareceu ao lado de Hollande num comício em Rennes. Antes do comício, Trierweiler a procurou para um aperto de mãos diante das câmeras. Antes disso, ela tinha confessado que não fora às urnas votar em Royal na eleição de 2007.

Dois anos atrás o escritor Serge Raffy procurou François Hollande, interessado em escrever sua biografia. Era uma época em que Hollande estava no deserto político e era visto como tendo pouquíssimas chances de algum dia chegar à Presidência. ´

Raffy diz que seu interesse por Hollande foi movido em parte por curiosidade em torno da confusão entre vida política e vida privada de Hollande, mas que o próprio Hollande não fazia ideia disso. "Acho que ele não tinha consciência de que sua história era como um romance. Ele não tem essa abordagem. Eu o chamo de 'o geométrico': ele enxerga a vida política como uma série de equações."

Se François Hollande quiser conservar sua imagem de sr. Normal, um homem confiável, ele precisa manter a imagem de sua família e seus relacionamentos totalmente distantes dos excessos da era de Sarkozy. O prego final martelado no caixão da popularidade inicial de Sarkozy foi quando ele divulgou o fato de ter levado Bruni para Disneyland e para miniférias em Petra assim que a conheceu, casando-se com ela em terceiro matrimônio apenas alguns meses depois de eles se conheceram.

Seu anúncio, feito numa entrevista coletiva presidencial formal em 2008, de que "como vocês adivinharam, é sério" com Bruni, foi tão mal recebido que Sarkozy nunca fez outro semelhante.

Carla Bruni, cuja fortuna é estimada em € 18 milhões (R$ 46 milhões) e cujos presentes a Sarkozy incluíram um relógio de £ 45 mil (R$ 142 mil), tentou minimizar o glamour durante a campanha presidencial recente, dizendo que ela e o então presidente eram pessoas "modestas" e revelando que ela anda em Paris de metrô, usando uma peruca como disfarce.

Ela se descreveu certa vez como "o animal mais apolítico possível"; no entanto, consta que ela teria influenciado seu marido em algumas áreas, incluindo a draconiana lei Hadopi sobre a pirataria de música e filmes e a nomeação de seu amigo Frédéric Mitterrand para ministro da Cultura.

Trierweiler, que afirma sentir-se como se tivesse atravessado o espelho para virar tema de um de seus próprios artigos, afirma estar mais bem posicionada que Bruni para lidar com o poder. "Eu sou e continuo a ser apaixonada pelo noticiário. Conheço a política, conheço a mídia. Bruni veio de um mundo totalmente diferente do mundo da política. Ela não necessariamente conhecia os códigos", comentou Trierweiler recentemente.

A DUQUESA

Isso significa que uma crítica da qual Trierweiler já vem tendo que se desviar é a de que ela influencia Hollande, mexendo pauzinhos. Jornalistas ficaram surpresos ao descobrir que ela tinha uma sala com seu nome na porta na sede da campanha de Hollande. Comparações inevitáveis foram traçadas com a primeira mulher de Sarkozy, Cécilia, que assessorou a carreira política de seu marido e influenciava nomeações.

Alguns começaram a descrever Trierweiler como "a Duquesa", sempre de olho nas manobras da corte. Ela já admitiu que tem personalidade forte e se nega a deixar de expressar-se no Twitter. "Agradeço meus colegas por respeitar nossa vida privada e a de nossos vizinhos. Por favor não acampem diante de nossa casa", ela tuitou na semana passada.

Ela também usou seu feed, @valtrier, para criticar seus empregadores por sexismo quando se viu na capa da "Paris Match", descrita como "o trunfo encantador" de François Hollande. Durante a campanha a revista percorreu uma linha divisória delicada, dizendo que Trierweiler ainda trabalhava para a publicação, mas não em conferências editoriais ou tomada de decisões.

Olivier Douliery/Efe
Valérie Trierweiler prova doce em evento beneficente em Chicago, durante encontro de países da Otan
Valérie Trierweiler prova doce em evento beneficente em Chicago, durante encontro de países da Otan

Tendo anteriormente apresentado um programa de bate-papo político, durante a campanha Trierweiler passou disso para entrevistar personalidades das artes e dos esportes. A "Paris Match" diz que vai discutir a vida profissional de Trierweiler depois de Hollande tomar posse. Trierweiler já escreveu suas primeiras linhas sobre a campanha, criando legendas de fotos para um livro a ser lançado em junho.

Constance Vergara, ex-colega dela na "Paris Match", é a única jornalista com quem Trierweiler colaborou para um livro sobre ela intitulado "Valérie, Carla, Cécilia, Bernadette e as outras na trilha da campanha".

Vergara diz que Trierweiler rejeita o rótulo de duquesa. "Ela é muito reservada, modesta, tímida, e, como muitas pessoas tímidas, é capaz de ostentar um ar de distância e frieza. É assim que ela se protege. As pessoas pensam que ela é fria ou arrogante. Na realidade, eu diria que é o contrário: ela é alguém que ri muito. Durante 20 anos ela exerceu o papel de observadora, e agora virou objeto de observação. Não é fácil mudar de status desse jeito. Valérie já cobriu o G20, foi para a Casa Branca, apertou a mão de Nelson Mandela. O poder não é algo que vá virar a cabeça dela."

Vergara a descreve como alguém para quem "algo da luta de classes" sempre esteve presente. Trierweiler passou sua infância entre cinco irmãos numa casa subsidiada, para famílias de baixa renda, em Angers, no oeste da França. Sua mãe era caixa de um rinque de patinação, e seu pai perdeu uma perna aos 12 anos quando brincava com um morteiro não explodido na Segunda Guerra Mundial.

Ela rejeita o rótulo de "Cinderela", observando que seu avô foi banqueiro, mas, mesmo assim, é vista como rebelde, outsider. Trierweiler nunca deixou de trabalhar como repórter: "Ela sempre recusou promoções. Queria conservar sua liberdade", diz Vergara.

Apesar de descrevê-la como tímida, Vergara admite que, como Sarkozy e Bruni, Hollande e Trierweiler tendem a demonstrar seu afeto em público. Ele a chama publicamente de "amor de minha vida", e, quando ela telefona, o nome que aparece na tela de seu telefone é "meu amor".

"Os beijos na boca são uma novidade", diz Vergara. "Mas esses dois casais são casais recentes, segundos relacionamentos que floresceram depois dos 50. Eles estão muito apaixonados, e isso é mostrado. Quando Hollande ganhou a primária socialista, em outubro, foi a primeira vez que beijou Valérie na boca em público. Ela ficou realmente surpresa. Para ela, aquilo realmente oficializou o relacionamento."

Depois do exibicionismo de Sarkozy e da direita no poder, François Hollande está sendo observado de perto para ver se ele de fato vive uma vida normal, especialmente porque é provável que seja obrigado a pedir sacrifícios financeiros dos franceses.

Ele já indicou que prefere viver com Trierweiler no apartamento modesto do casal no 15º arrondissement (ou divisão administrativa da comuna ) de Paris, com seus móveis baratos da loja Ikea, ao invés do Palácio do Eliseu, com 370 cômodos, cinema particular e 900 funcionários, incluindo mordomos de luvas brancas que acertam os pêndulos das dezenas de relógios.

Hollande precisa evitar os gastos pessoais desenfreados que marcaram as duas décadas da direita no poder, especialmente no governo de Jacques Chirac. Quando era prefeito de Paris, as contas pessoais de alimentação de Chirac e sua mulher chegaram a £ 1,4 milhão em oito anos, incluindo £ 40 por dia com chás de ervas. Sarkozy reduziu o orçamento do Eliseu em alguns aspectos, mas foi acusado de elevá-lo em outro --no que dizia respeito a viagens aéreas, segurança e o fato de ter mais que dobrado seu próprio salário.

Sarkozy quebrou tabus em alguns quesitos, por exemplo a questão de o que constitui uma família moderna. A posse de Hollande será a segunda vez em que uma "família recomposta" ocupa o Eliseu. Em 2007, Sarkozy colocou sua segunda mulher, suas duas enteadas e seus três filhos de diferentes casamentos no centro do palco de sua posse. Ele deixa a Presidência com uma terceira mulher, uma nova filhinha, outro enteado e dois netos.

Hollande e Trierweiler não são casados. Hollande tem quatro filhos adultos com Ségolène Royal; Trierweiler é duas vezes divorciada e tem três filhos adolescentes. Royal declarou que nenhum de seus filhos estaria presente à posse. "É François Hollande quem foi eleito presidente, não uma família, nem seus amigos ou colegas", diz ela.

O filho mais velho de Hollande, Thomas, advogado que trabalhou na campanha de seu pai (como fizera antes na campanha de sua mãe), é o único filho do presidente a ter chamado a atenção pública. Na noite da eleição, o jovem barbudo e geek de 28 anos enxugou lágrimas de alegria e recebeu um telefonema de seu pai, ao vivo na TV, logo após sua vitória; a chamada apareceu em seu iPhone como "Papai". Mas, envergonhado pela atenção, ele agora se afastou das câmeras.

"Ele não gosta de falar dele mesmo", Thomas já disse, aludindo a seu pai. "Não é muito narcisista." É mais um sinal de que a operação da família Hollande provavelmente será muito diferente daquela dos Sarkozy.

Tradução de CLARA ALLAIN.

 

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