Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
22/05/2012 - 17h17

Por que nenhuma diretora concorre à Palma de Ouro?

Publicidade

VANESSA THORPE
DO "OBSERVER"

A lendária Croisette, na orla de Cannes, estava pontilhada na tarde de sábado (19) com as habituais estrelas do festival de cinema, todas de salto alto e vestidos glamourosos.

Mas, logo atrás delas, uma espécie de rebelião feminista estava a todo vapor. Dentro de um conhecido hotel à beira-mar, apelos por discriminação positiva em favor dos filmes de mulheres eram emitidos em alto e bom som. O impacto da indignação pública da cineasta britânica Andrea Arnold pela falta de uma cineasta mulher na disputa pela prestigiosa Palma de Ouro continua a alimentar polêmicas na celebração anual do cinema mundial.

Os oradores em um simpósio sobre diversidade da ONG Beyond Borders ecoaram a queixa de Arnold pelo fato de que, enquanto filmes vindos do mundo todo chegaram à lista de indicados para o prêmio anual, cineastas que representam metade da população mundial foram ignoradas.

Na abertura do festival, dia 16, a aclamada diretora de "Fish Tank" e "O Morro dos Ventos Uivantes", que neste ano participa do júri da Palma de Ouro ao lado de Ewan McGregor, disse que a falta de mulheres na seleção foi "uma grande pena e uma grande decepção", e acrescentou que isso se reflete de forma negativa na indústria cinematográfica.

François Mori - 20.mai.12/Associated Press
O grupo feminista "La Barbe" (a barba) protesta no domingo (20) no tapete vermelho do 65º Festival de Cannes
O grupo feminista "La Barbe" (a barba) protesta no domingo (20) no tapete vermelho do 65º Festival de Cannes

Descansando na praia no primeiro fim de semana do festival, após a estreia do filme britânico "Broken", Arnold não se mostrava arrependida, embora ainda estivesse limitada pelo "véu" que tradicionalmente recai sobre o júri de Cannes.

"Eu quis colocar isso para fora", disse ela. "Mas não quero ver uma discriminação positiva em Cannes. Não acho que nenhum diretor deva ser incluído por ser quem é."

O argumento de que filmes sem valor, feitos por diretores de países em desenvolvimento ou de zonas de conflito, são incluídos na seleção do júri de Cannes apesar da sua baixa qualidade foi rejeitado por Arnold.

"Essa é apenas uma leitura do que acontece. Eu diria em vez disso que o júri inclui filmes que são políticos e têm algo a dizer", disse ela.

A falta de um filme dirigido por uma mulher na lista dos 22 em disputa neste ano provocou um acirrado debate em toda a França. Na abertura do festival, o jornal francês "Le Monde" publicou uma carta de protesto do coletivo feminista La Barbe, assinada por importantes cineastas francesas, como Virginie Despentes, Coline Serreau e Fanny Cottençon. "Os homens adoram que suas mulheres tenham profundidade, mas só quando se trata do seu decote", argumentava a carta.

A polêmica ocorre num momento em que o sucesso comercial de filmes destinados às mulheres é evidente. O apelo de bilheteria de Kristen Wiig na comédia "Missão Madrinha de Casamento" e da cinebiografia "A Dama de Ferro", sobre Margaret Thatcher, descrita recentemente por seu produtor britânico Damian Jones como "um filme de mãe e filha que atraiu a família toda", chega a plateias enormemente negligenciadas.

Mas, embora haja poucas cineastas mulheres, há uma crescente presença feminina atrás das câmeras na Grã-Bretanha. A BBC Films e a Film4 são comandadas por mulheres, e pelo menos três dos produtores que conseguiram levar produções britânicas para estrearem em Cannes neste ano são mulheres.

Nira Park, produtora de sucessos como "Todo Mundo Quase Morto", trouxe o filme "Sightseers", ao passo que Rebecca O'Brien levou a Cannes "The Angels' Share", de Ken Loach, na disputa pela Palma de Ouro, e Dixie Linder emplacou "Broken", primeiro filme do diretor britânico de teatro Rufus Norris.

"O gênero não é parte de como eu vejo as coisas quando olho para um diretor", disse Linder em Cannes após a estreia do filme na Semana da Crítica, que é parte do festival. "Na verdade, sinto que a discriminação positiva poderia ser nociva. Certamente, se eles tivessem escolhido meu filme para Cannes simplesmente por eu ser uma produtora mulher, eu não gostaria."

Linder, cujo filme tem no elenco Tim Roth e a estreante Eloise Laurence, 12, acrescentou que, pela sua experiência, encontrar financiamento para um filme dirigido por um novato como Norris, apesar do seu histórico teatral, é mais difícil do que para uma diretora estabelecida, com Sam Taylor Wood.

Christine Langan, diretora de criação da BBC Films, disse que a Grã-Bretanha tem sorte por ter várias diretoras fortes, mas que é injusto esperar que elas concorram todos os anos à Palma de Ouro.

"Embora pessoas como Andrea Arnold e Lynne Ramsay sejam modelos fantásticos, seu índice de produção cinematográfica precisaria aumentar consideravelmente para que se criasse um fluxo constante de competidoras em Cannes", afirmou ela.

ALGO POSSÍVEL

"Eu adoraria sentir que nenhuma garota que cresça hoje deveria achar que [dirigir filmes] é algo que ela não possa fazer, mas não abordo isso do ponto de vista do gênero. Você se envolve muito em cada projeto de filme, e, embora a BBC Films goste de estimular o talento feminino, estou realmente focada na qualidade da produção, e então me torno bastante cega ao gênero."

Até este ano, parecia que tudo se encaminhava para um maior equilíbrio, tanto em Cannes quanto na indústria cinematográfica como um todo. Não só Kathryn Bigelow se tornou em 2010 a primeira mulher a ganhar o Oscar de direção, com "Guerra ao Terror", como também houve quatro cineastas mulheres entre os 18 filmes que concorreram ao principal prêmio de Cannes no ano passado: a australiana Julia Leigh, a diretora japonesa Naomi Kawase, a atriz e roteirista francesa Maïwenn Le Besco, e a escocesa Ramsay, indicada por "Precisamos Falar Sobre o Kevin".

E no entanto a única mulher a receber o prêmio em 65 anos continua sendo Jane Campion, que levou a Palma de Ouro em 1993 por "O Piano". Em 2009, "Brilho de Uma Paixão", primeiro filme de Campion em nove anos, sobre o poeta John Keats, foi incluído na competição principal, e a diretora usou a plataforma para criticar a contínua escassez de diretoras. "O sistema de estúdio é meio que uma panelinha, e é difícil para os seus membros confiarem que as mulheres são capazes", disse ela na época.

Mas Campion também sugeriu que havia razões ligadas mais estritamente ao gênero. "Acho que as mulheres não crescem convivendo com o mundo áspero das críticas como os homens --somos tratadas com mais delicadeza--, e quando você experimenta pela primeira vez o mundo da realização cinematográfica, você precisa desenvolver uma pele bem grossa."

Para outro cineasta neozelandês, Regan Hall, seu próprio gênero não atrapalhou a abordagem escolhida para o seu primeiro longa, "Fast Girls", uma trama com foco feminino sobre atletas britânicas de revezamento, a ser lançado no mês que vem, antes da Olimpíada de Londres. "Eu nunca senti que não estivesse qualificado", disse ele. "Já filmei muito com mulheres porque trabalhei com moda, e nunca passou pela minha cabeça que uma mulher deveria fazer esse filme." Ele acrescentou que historicamente as mulheres se firmaram em outras áreas da realização cinematográfica, como montagem, continuidade e figurino.

"Há algo em ser diretor que me leva a entender por que mais homens fazem isso", disse ele. "Há diferentes tipos de personalidade envolvidos. Mas acho que a melhor forma de incentivar as mulheres é provavelmente olhando para uma figura modelo, e na Nova Zelândia certamente temos uma boa, que é Jane Campion."

Tradução de RODRIGO LEITE.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página