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09/07/2012 - 20h02

O fracasso da "guerra às drogas" deixa o México na encruzilhada

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ED VULLIAMY
JO TUCKMAN
DO "GUARDIAN"

Um após o outro, os candidatos presidenciais mexicanos ficaram sentados em silêncio no ambiente grandioso do castelo Chapultepec enquanto, do outro lado da sala, eram criticados pelo líder do movimento das vítimas da violência da guerra contra as drogas --um poeta.

"Os 60 mil mortos, os mais de 20 mil desaparecidos, as centenas de milhares de pessoas deslocadas, feridas e perseguidas, as dezenas de milhares de viúvas e órfãos que esta estúpida guerra às drogas nos está custando --para os senhores e seus partidos, eles não existem", acusou Javier Sicilia.

"Para os senhores, a emergência nacional não existe." Um após o outro, os candidatos prometeram ação e manifestaram preocupação, depois foram embora. Era hora de voltar ao trabalho real da candidatura à Presidência.

O encontro com Sicilia, no mês passado, foi inevitável, em vista do peso moral do movimento que ele representa, mas foi também a única vez em toda a campanha, que foi travada mais de três meses, em que a questão em pauta foi indiscutivelmente a guerra das drogas que devasta o México.

Marco Ugarte/Associated Press
Presidente eleito no México, Peña Nieto, ao lado da mulher, Angélica Rivera
Presidente eleito no México, Peña Nieto, ao lado da mulher, Angélica Rivera

Pesquisas de opinião mostram que a maioria dos mexicanos considera a segurança e a economia os dois maiores problemas do país, mas nenhuma dessas questões ganhou atenção especial na campanha. "Todos me perguntam por onde anda a questão da segurança. Por que os candidatos não falam da economia. O elefante oculto na sala é o histórico do presidente Felipe Calderón, e praticamente não se fala disso", falou Jorge Buendía, de um instituto de pesquisas.

Em Ciudad Juárez, que perdeu o título de cidade mais perigosa do mundo --caiu para o segundo lugar no ranking--, o jornalista Julián Cardona, cronista da violência, comenta: "Quem ouve os candidatos pode imaginar que estão falando de outro país."

Mas, independentemente dos discursos dos políticos, os mexicanos sabem que o país precisa tomar medidas urgentes agora para tentar pôr fim à violência assustadora, se quiser ocupar o lugar no mundo que sua economia lhe faz merecer.

Embora o México tenha uma ligação umbilical à guerra dos EUA contra as drogas, combatendo na linha de frente dessa guerra, importantes autoridades diplomáticas mexicanas sugeriram ao "Observer", falando reservadamente, que isso precisará mudar --que é preciso repensar fundamentalmente o problema e aproximar-se de iniciativas lançadas na América Latina que contestam a "guerra às drogas" ainda defendida pelos EUA.

Eduardo Medina Mora, embaixador do México em Londres e ex-secretário nacional de Justiça, disse ao "Observer": "Não gosto do termo 'guerra às drogas': é uma simplificação excessiva de um problema extremamente complexo. Precisamos intensificar nossos esforços, aprofundar nossa compreensão do problema, examinar o que já fizemos e corrigi-lo. Precisamos nos perguntar: 'Será que pode haver uma maneira melhor?'. Precisamos avaliar todos os aspectos: os aspectos de saúde e econômicos, além do judicial. Nossa prioridade deve ser assegurar a paz para nossos cidadãos."

Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México por sete décadas, até 2000, venceu as eleições. Seu principal slogan de campanha -- "Mudar"-- refletia seus esforços para criar uma imagem de eficácia e confiabilidade, contrastando com a impressão generalizada de que sob o partido rival, Ação Nacional (PAN), o México perdeu seu rumo, entre outras razões devido às guerras das drogas.

"Essa é minha promessa, e você sabe que vou cumpri-la", diz Peña Nieto, olhando diretamente para a câmera.

O esquerdista Andrés Manuel López Obrador, que perdeu a eleição passada por muito pouco, perdeu novamente. Líder do Partido da Revolução Democrática (PRD), ele prometia "mudanças reais" e afirmou ser o único candidato honesto e que se importava realmente com os problemas do país e de sua população, especialmente os pobres. Ficou em segundo nesta eleição.

FORÇA MANUFATUREIRA

As guerras do tráfico acontecem contra o pano de fundo de uma economia que vem reagindo com robustez à crise global. O México está se tornando uma força manufatureira numa época que está trazendo recompensas para os países que mantiveram ou desenvolveram suas bases industriais, diferentemente de seu vizinho gigante ao norte, devastado pela crise.

Seus setores de aeronáutica e automotivo vêm ajudando a animar o crescimento desde a crise de 2008 e a recessão de 2009; os bens manufaturados são responsáveis por 84% das exportações. Até 2017 o México quer que o comércio responda por 85% de seu PIB.

Assim, a violência é um peso tremendo que está dificultando o avanço de um país que possui potencial considerável. A esperança de boa parte dos eleitores, exaustos da violência, era que o PRI, vencendo a eleição, mude de marcha com relação à "guerra às drogas" travada pelos Estados Unidos, possivelmente até mesmo fazendo a força declarada dividir espaço com outras formas de coerção e de incentivo.

É significativo o fato de que Peña Nieto cooptou como seu assessor principal de segurança Oscar Naranjo, o recém-aposentado chefe de polícia colombiano que exerceu papel importante no confronto e na desativação de cartéis da cocaína.

O especialista em política antidrogas Alejandro Hope argumenta que o arranjo muito antigo entre o PRI e os cartéis cria "um modelo possível, mas que não é muito bom". Ele aponta, ao invés disso, para a "chamada desmobilização, o desarmamento e a reintegração na Colômbia", concebidos inicialmente como mecanismo para a reintegração de grupos guerrilheiros e usados para pacificar grupos criminosos.

É inegável que, durante seu reino de sete décadas no país, o PRI criou um "modus operandi" de convivência com os cartéis. A lógica era que políticos e policiais individuais se beneficiariam, é claro, mas havia um motivo maior: aquilo que, na Itália, é conhecido como "pax mafiosa" (a paz mafiosa).

Em linhas gerais, isso significa que um mínimo de entendimento entre os cartéis e o governo --nacional, regional e local-- garante que as autoridades ignorem os produtos que atravessam a fronteira dos EUA, enquanto os cartéis, em troca, conservam o equilíbrio de poder entre eles, respeitando o território uns dos outros e assim assegurando a paz geral.

Henry Romero/Reuters
Andrés Manuel López Obrador, em discurso, durante a campanha eleitoral em fins de maio
Andrés Manuel López Obrador, em discurso, durante a campanha eleitoral em fins de maio

Foi isso o que prevaleceu nos anos 1970 e 1980, quando os cartéis mexicanos eram, de modo geral, organizados em uma estrutura piramidal, sob a égide do "grande chefão" do tráfico, Félix Gallardo, e seu poderoso cartel de Guadalajara.

Mas em 1989, sob pressão dos Estados Unidos, o governo mexicano prendeu Gallardo, desencadeando uma guerra por sua sucessão e pelo controle das seções da fronteira antes sob seu comando. A selvageria atual deslanchou em dezembro de 1986, quando Calderón enviou o Exército para tentar pacificar a batalha que estava ao cerne do comércio --legal e ilegal-- na fronteira em Nuevo Laredo, entre o cartel de Sinaloa, herdeiro do de Gallardo, e a ala paramilitar do cartel do Golfo, Los Zetas, que hoje se transformou ela própria num cartel temível.

Ao longo da guerra que se seguiu, o México vem fervilhando de rumores de que Calderón seria favorável ao cartel de Sinaloa e protegeria seu líder foragido, Joaquín Guzmán, o maior e mais rico mafioso do mundo.

De acordo com estimativas da inteligência dos EUA, apenas 12% dos traficantes presos desde 2006 fazem parte do cartel de Sinaloa. Na fase que antecedeu a eleição foram presos dois líderes do Sinaloa. Assim, a política nas áreas atingidas pela guerra das drogas --os Estados que fazem fronteira com os Estados Unidos, Veracruz, Michoacán, Zacatecas e outros-- foi contaminada pelo fato de os cartéis terem se posicionado politicamente.

"FRANQUIAS"

Nas palavras da ativista de direitos humanos Rebecca Rodríguez, de Reynosa, no Estado fronteiriço de Tamaulipas: "Há eleições entre o PRI e o PAN, mas apenas Calderón e o Exército apoiam o PAN, então os 'narcos' apóiam o PRI. Temos o exército de um lado, os narcos e a polícia, de outro, e, no meio, a economia, a educação e a vida política desabando, as comunicações normais em colapso."

Desde os anos 1980 os cartéis das drogas mudaram muito. Eles são pioneiros do capitalismo moderno; operam um mercado livre fragmentado, terceirizando suas operações a uma teia confusa de agentes e gangues de rua sobre as quais seria impossível, mesmo para líderes dos cartéis, impor a "pax mafiosa".

O repórter Ignacio Alvarez Alvarado, de Ciudad Juarez, explica: os cartéis substituíram a antiga cadeia de comando piramidal por um sistema de concessões ou franquias, como qualquer outra corporação. "Como um bom capitalista moderno, o cartel terceiriza suas operações, contrata operadores, para dar a outras pessoas a chance de competir. Eles são negócios, como quaisquer outros, e os cartéis são muito mais democráticos no sentido capitalista moderno: terceirizados, oportunistas, baseados na meritocracia."

Ocorreu uma evolução geracional, além de econômica: os Zetas são o exemplo do novo "estilo" de traficante, que é de classe trabalhadora e não está interessado no apadrinhamento e na "honra" da máfia clássica representada por Gallardo ou a figura do "chefão" ao estilo siciliano.

Eles são uma forma de insurgência, e a violência extrema é sua marca registrada; eles operam na internet, com humor negro doentio. Estão menos interessados em fazer política do que em conseguir que a política faça o jogo deles. "No passado, os políticos diziam aos 'narcos' o que fazer", ponderou o ativista Mario Trevino, de Tamaulipas. "Hoje, são os narcos que mandam nos políticos."

Katie Orlinsky/The New York Times
Com roupa de anjo e cartaz dirigido a narcotraficantes, jovem religioso vai a locais de crimes em Ciudad Juárez
Com roupa de anjo e cartaz dirigido a narcotraficantes, jovem religioso vai a locais de crimes em Ciudad Juárez

É claro que existe um caminho de longo prazo e genuinamente radical que um novo governo mexicano poderia empreender: mudar a marcha de sua luta contra os cartéis, aproximando-se das iniciativas sensatas que estão emergindo na América Latina, especialmente na Colômbia, onde o presidente Juan Santos lançou um chamado para que a política global antidrogas seja repensada por completo, de modo a incorporar problemas sociais e um ataque à lavagem de lucros enormes das drogas por bancos dos EUA e Europa.

É uma iniciativa extremamente delicada para um país tão dependente dos EUA e receptor de uma assistência militar enorme. Crucialmente, porém, há sinais de que, apesar da relação de dependência que o México tem com os EUA, muitos dos responsáveis pelas orientações políticas do próximo governo, seja ele qual for, estão ansiosos por aproximar-se da posição colombiana.

Medina Mora fala com um misto de cuidado e franqueza. "Se quisermos enfrentar o problema, teremos que ter uma compreensão completa de qual é o problema e uma liderança comprometida com isso. Este não é apenas um problema de tráfico de drogas, é um problema de instituições de segurança que são estruturalmente fracas e não conseguem garantir paz e segurança aos mexicanos nas áreas afetadas", diz.

"É esse o rumo que queremos tomar: trabalhar com a polícia, com o sistema judicial, em busca de coesão social e de gerar oportunidades e empregos para os jovens que são vulneráveis aos criminosos --isso já está muito claro. Precisamos reexaminar o que já fizemos. Teremos que aprender com os avanços da Colômbia e com os erros dela".

Ex-secretário da Justiça, Mora acrescenta: "O consumo e a posse de drogas não são crimes no México, e isso é o correto, mas a coisa não se limita a isso, e acho que é errado falar em legalização de tudo --novamente, isso seria simplificar demais um problema muito, muito complexo."

Numa referência clara aos EUA, o embaixador disse ainda: "É preciso haver uma aceitação de responsabilidade dos países consumidores, que têm alto índice de consumo de drogas, e dos que não conseguem controlar seu fluxo de armas, dos países no final da cadeia de valor adicionado, que sempre está mais próxima do consumidor, em qualquer negócio."

Sobre a questão da lavagem de dinheiro, porém, ele acrescentou: "É claro que o dinheiro flui para os bancos americanos, mas não basta ficar sempre pondo a culpa em Wall Street -- todos nós precisamos fazer algo sobre a ponta de valor adicionado da cadeia, outra questão muito complexa que é preciso avaliar. O debate deve ser em torno de quais são as opções de políticas. É preciso aceitar que não é questão de bom ou ruim, mas de ruim ou pior ou pior ainda."

Um funcionário diplomático sênior mexicano admitiu ao "Observer": "O que fizemos foi implementar apenas o lado do policiamento da crise de drogas. Não implementamos uma estratégia para punir a lavagem de dinheiro. Não implementamos uma estratégia para restaurar a tessitura social. Agora nossas prioridades precisam ser: 1) trazer paz aos mexicanos em suas comunidades; 2) romper o modelo do crime organizado, e 3) converter esta questão de ameaça à segurança nacional em problema de segurança pública."

E outro funcionário governamental de alto escalão propôs: "Façamos um debate global pleno sobre a política de drogas. Não sobre a legalização delas --isso apenas polarizaria todo o mundo outra vez. Façamos um debate que não seja ideológico, moral ou emocional, mas científico e baseado em dados de especialistas. Precisamos nos munir dos dados e nos sentars com os americanos para discutir com eles. E, se os americanos fecharem as cabeças, vamos tentar abri-las."

Tradução de CLARA ALLAIN.

 

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