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13/07/2012 - 16h50

A morte de Eva Rausing e o declínio da dinastia Tetra Pak

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STUART JEFFRIES
DO "GUARDIAN"

Meses atrás, visitei uma das mais suntuosas residências de Londres, para entrevistar o grande escritor sueco Sven Lindqvist. Tomando meu chá em uma caneca Moomin, eu contemplava as tapeçarias e quadros que decoram a sucessão interminável de aposentos de uma casa que custou 20 milhões de libras ao ser adquirida 20 anos atrás.

Supostamente, ela conta com o segundo maior jardim privado da capital britânica, perdendo apenas para o palácio de Buckingham, e não conseguia deixar de pensar se o império mundial que tornava todo aquele luxo possível era mesmo bancado por embalagens de leite.

A Aubrey House, no Holland Park, casa de Sigrid Rausing, serve como elegante posto avançado da Suécia no Reino Unido. Sigrid é neta de Ruben e Elisabeth Rausing, que desenvolveram uma embalagem de papelão capaz de armazenar leite, sucos, iogurte e sorvete sem derramamento e começou a ser produzida em 1953.

Alan Davidson/Associated Press
Foto de arquivo, de novembro de 1996, mostra Eva Rausing ao lado do marido Hans Kristian Rausing em Londres
Foto de arquivo, de novembro de 1996, mostra Eva Rausing ao lado do marido Hans Kristian Rausing em Londres

Reza a lenda que, certo dia, durante um almoço da família na Suécia, Elisabeth sugeriu a Ruben que ele inventasse uma alternativa mais leve às garrafas de leite. Ele começou a trabalhar em um protótipo na mesma tarde, e posteriormente patenteou a invenção. Hans e Gad, os filhos do casal, cuidaram de comercializar o produto, e hoje 137 bilhões de embalagens Tetra Pak patenteadas são vendidas a cada ano. Uma pessoa utiliza, em média, 23 embalagens Tetra Pak por ano.

Mas é o Reino Unido e não a Suécia que serve de sede ao bilionário império Tetra Pak e de lar aos discretos Rausing. Em 1982, Hans e Gad se mudaram para a Inglaterra a fim de evitar os pesados impostos suecos.

Em 1993, os irmãos estavam no topo da lista dos britânicos mais ricos do "Sunday Times", eclipsando a fortuna da rainha Elizabeth 2ª. Hans vendeu sua metade do negócio ao irmão mais velho em 1995, por valor estimado em 3,5 bilhões de libras. Gad morreu em 2000.

Sigrid, Lisi e Hans, os filhos de Hans, tiveram de decidir como gastariam o dinheiro da família. Sigrid seguiu o caminho filantrópico do pai, e se tornou uma das figuras mais queridas da literatura londrina ao destinar parte de seu dinheiro à revista literária "Granta" e às editoras Granta Books e Portobello Books, duas das casas independentes mais interessantes do mercado editorial inglês (era esse o motivo para que minha entrevista com Lindqist acontecesse na casa dos Rausing: a Granta estava lançando uma série de seus livros, alguns dos quais pela primeira vez em inglês).

Ela também criou o Sigrid Rausing Trust, que de 1995 para cá doou 177,4 milhões de libras a refugiados birmaneses, mulheres vítimas de tráfico sexual na Albânia, moradores de cortiços no Quênia e vítimas de violência doméstica em Dorset, entre outras causas.

FILANTROPO ESPECIAL

Seu irmão criou o Eva and Hans K Rausing Trust, em parceria com a mulher Eva, que doa dinheiro para organizações de combate às drogas como a Mentor, fundada pela rainha da Suécia. Sua generosidade levou o príncipe Charles, amigo do casal, a definir Hans como "um filantropo muito especial". Eva, a mulher de Hans, codirigia a organização de assistência a usuários de drogas Action on Addiction, em companhia da duquesa de Cambridge.

Mas o nome Rausig não serve como sinônimo apenas para a filantropia. Na terça-feira (10), Hans Kristian, 49, o irmão de Sigrid, foi detido por suspeita de posse de drogas, e sua mulher Eva, 48, foi encontrada morta na mansão georgiana de cinco andares em que o casal vivia em Cadogan Place, Chelsea. A polícia afirma que as causas da morte de Eva são "desconhecidas", mas corre o boato de que ela teria morrido de overdose.

Não é a primeira vez que Hans K (como ele é conhecido, para distinguir seu nome do nome paterno, o que confere a ele um aura kafkiana certamente imerecida) e Eva atraíram a atenção da polícia.

Em 2008, a norte-americana Eva, socialite filha do executivo da Pepsi e incorporador imobiliário Tom Kemeny, compareceu a um evento de gala na embaixada norte-americana em Londres, e seguranças encontraram diversos pacotinhos de crack e heroína em sua bolsa. A descoberta resultou em uma revista policial da mansão de 12 milhões de libras do casal, e na apreensão de cerca de duas mil libras em drogas. Os dois foram detidos.

"Lamento o incômodo que causei", disse Eva Rausing a jornalistas diante de sua casa, horas depois de ser presa. "Considero que tomei um caminho errado em minha vida". Hans K, em contraste, não se pronunciou, o que reforçou sua reputação de reticência ou até mesmo excentricidade social.

A detenção do casal em 2008 sem dúvida causou grandes embaraços à família. Surgiu pouco depois que Hans pai e sua mulher Marit celebraram as bodas de ouro em sua casa de campo localizada em um terreno de 360 hectares no Surrey, em Wadhurst Park. Hans pai, 86, um homenzarrão de 2,03 metros de altura, vive lá desde que se aposentou, criando cervos e javalis e colecionando carros antigos.

A situação resultou em artigos moralistas dos jornais londrinos. O "Sunday Times" recorreu a paralelos clássicos: "Quando o rei Midas se livrou do toque que transformava tudo em ouro, uma segunda maldição o transformou em asno. Hans Rausing, o bilionário da Tetra Pak, deve ter sentido que sofreu maldição semelhante esta semana ao descobrir que seu filho Hans Kristian e Eva, sua nora norte-americana, haviam sido detidos portando drogas em uma festa na embaixada dos Estados Unidos em Londres".

William Langley, do "Sunday Telegraph", optou por traçar paralelos contemporâneos: "A história parece familiar, e nos lembra de que riqueza e uma boa educação oferecem pouca defesa contra as fraquezas humanas. As histórias dos Getty, dos Rothschild, dos Kennedy e, aliás, dos Hilton --dinastias fabulosas que caíram vítimas de infortúnios-- sugere que nenhuma família é forte o suficiente para sustentar os prejuízos causados por seus membros mais fracos".

Como se para provar que todas as dinastias fabulosas sofrem infortúnios, o casamento da herdeira Kate Rotshchild com Ben Goldsmith recentemente terminou com um escândalo, e os jornais sensacionalistas se divertiram publicando fotos que a mostravam com o rapper norte-americano Jay Electronica.

O regozijo da mídia diante do sofrimento das dinastias é inevitável: "Como integrantes de uma das mais eminentes dinastias bancárias, os dois enfrentarão um dispendioso divórcio e terão de dividir suas posses", apontou o "Telegraph", acrescentando que "o caso deve causar ainda mais atrito porque Alice, irmã de Kate Rothschild, namora com Zac Goldsmith, que é irmão de Ben e parlamentar pelo Partido Conservador".

Quanto a Hans K Rausing, os jornais alegam que ele sofreu traumas psíquicos quando criança porque se sentia intimidado pelo pai, grandalhão, bilionário e dotado de um talento para os negócios que ele jamais conseguiria igualar. Foi esse senso de inadequação que o levou a fugir para a Índia na juventude, onde viveu em condições precárias, praticando, nas palavras dos jornais sensacionalistas, o "hedonismo hippie", em geral na cidade de Katmandu, que servia de ímã aos filhinhos perdulários da contracultura.

SINGRAR OS MARES

Hans K conheceu Eva Kemeny em uma clínica norte-americana de desintoxicação, 25 anos atras, depois que sua tentativa de estabelecer uma companhia de serviços financeiros no Reino Unido fracassou e seus problemas com as drogas o derrubaram.

A família esperava que Eva o ajudasse a encontrar estabilidade. O casal tem quatro filhos. Eva era descrita como o oposto do marido --bonita, magra como um passarinho, desinibida e amiga das festas e de dançar (muitas vezes em cima da mesa). Eva é irmã de Bo Kemeny, que em 2000 se casou com Jack Kidd, jogador de polo e irmão da modelo Jodie Kidd.

Hans K, em contraste, era descrito como monossilábico e vago, desajeitado socialmente e viciado em TV. As fotos o mostravam barbudo e corpulento, parecido com Joaquin Phoenix no final do filme "I'm Still Here". Ele não tinha vocação clara e tampouco hobbies, exceto, talvez, a aquisição de imóveis em todo o mundo usando dinheiro de sua herança.

Ele e Eva construíram uma casa cercada por muros altos em Barbados, em um terreno com cinco hectares diante do mar. Em 2002, ele comprou um apartamento no navio de cruzeiro "The World", cuja construção custou 182 milhões de libras. O "Sunday Times" afirmou que isso permitiria que "ele singrasse os mares constantemente, como Mary Celeste".

A imprensa se divertia com o aparente tédio do casal em sua vida de viagens constantes. "Viver assim entediado requer bilhões", uma manchete afirmava. "Drogas e um casal tão rico que não sabe o que fazer da vida", outra publicação propunha. O casal era retratado como aprisionado em um triângulo nada agradável que os levava de Chelsea a Barbados e a clínicas de reabilitação. Os ataques da mídia sem dúvida reforçaram a determinação da família Rausing de evitar publicidade.

Em contraste com Hans K, suas irmãs Sigrid e Lisbet são retratadas como mulheres com dinheiro, cérebro e propósito. Lisbet é historiadora, formada na Universidade da Califórnia e em Harvard, onde lecionou por oito anos. Ela escreveu um livro sobre o naturalista Carl Linnaeus, e vive em uma propriedade de 19 mil hectares nas montanhas da Escócia.

Já doou milhões de libras ao Hans Rausing Endangered Languages Project, um projeto criado por seu pai para a preservação de idiomas ameaçados de extinção, que funciona na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres.

O site do projeto, incidentalmente, postou o seguinte comunicado, depois dos acontecimentos: "Desejamos deixar claro que os recentes eventos trágicos em Londres não têm conexão com nosso programa, cujas verbas provém de Lisbet Rausing e do Arcadia Fund, de Peter Baldwin. O projeto leva o nome de Hans Rausing pai, e não tem relação com Hans Rausing filho".

Sigrid também se dedica à vida acadêmica. Doutorou-se em antropologia social pela Universidade de York e escreveu um estudo sobre antropologia social e cultural da Estônia. Como a irmã, ela tem uma propriedade nos montes Monadhliath, Escócia. Seu marido, Eric Abraham, é produtor de cinema, de TV e de teatro nascido na África do Sul, entre cujos trabalhos está "Kolya", filme de Jan Sverák, que conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro.

A discreta família Rausing tem outro ramo. Gad Rausing teve três filhos --Kirsten, Jorn e Finn. Kirsten é uma conhecida criadora de cavalos e membro do Jockey Club britânico desde 1990, operando haras na Suécia, Irlanda e Newmarket. É solteira, e ao que se sabe é a principal responsável por dirigir os negócios da família desde a morte de Gad.

Jorn, ao que se sabe, vive discretamente em Londres e é um dos principais investidores na Ocado, uma empresa de compras on-line. Finn se mantém ainda mais distante das atenções da mídia do que os demais Rausing.

Os membros da dinastia Rausing se esforçam a um só tempo para escapar à atenção da mídia e manter a tradição filantrópica da família. Mas a imagem dos Rausing terminou maculada pelos detalhes espalhafatosos da tragédia em Cadogan Place.

Hans Kristian Rausing continua hospitalizado, três dos empregados da casa estão sendo interrogados e há informações de que o corpo de sua mulher pode ter ficado no quarto por uma semana. As fotos do casal publicadas nas últimas semanas mostram duas pessoas emaciadas, desoladas, desconfortáveis em seus corpos e no mundo.

Talvez não haja nada de especialmente edificante na tragédia dos Rausing, mas haverá quem insista em que devemos aprender com ela que dinheiro demais gera problemas, ou que drogas não funcionam se você acha que elas lhe trarão felicidade.

Ou ainda que os beneficiários de fortunas feitas por outras pessoas podem ser facilmente destruídos por uma herança que supostamente os libertaria. Não faltam opiniões para ocupar o vácuo deixado pela reticência da família Rausing, a maioria delas baratas; deveríamos resistir a expressá-las.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

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