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04/11/2012 - 08h00

Jardinzinho e outros poemas, por Ana Martins Marques

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ANA MARTINS MARQUES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dente-
de-leão
língua-
de-vaca
mão-
de-onça
saia-
branca
coração-
negro
pé-
de-gato
orelha-
de-rato
unha-
de-cavalo
brinco-
de-princesa
cu-
de-cachorro
boca-
de-lobo
cabeça-
de-boi
umbigo-
de-vênus
chapéu-
de-sol
cabelo-
de-anjo
olho-
de-dragão
comigo-
ninguém-
pode

*

MUSEU

Se houvesse
um museu
de momentos

um inventário
de instantes

um monumento
para eventos
que nunca aconteceram

se houvesse
um arquivo
de agoras
um catálogo
de acasos

que guardasse por exemplo
o dia em que te vi atravessar a rua
com teu vestido mais veloz

se houvesse
um acervo
de acidentes

um herbário
de esperas

um zoológico
de ferozes alegrias

se houvesse
um depósito
de detalhes

um álbum
de fotografias
nunca tiradas

*

APARADOR

Sonho que estou de volta
ao primeiro apartamento
quando éramos jovens e tínhamos
muito menos coisas
e nem sabíamos que já éramos
felizes como pensávamos que seríamos
estás na minha memória
jovem e alegre como numa fotografia
talvez ainda mais jovem e mais alegre
mais jovem do que jamais foste
e mais alegre
usas uma presilha
no cabelo castanho e comprido
invejo a presilha
que está tão mais próxima do que eu
do teu pensamento
e dos teus cabelos
da tua cabeça de cabelo e pensamento
e invejo a fotografia
que se parece tanto contigo
talvez mais ainda do que tu mesma
ouço as juntas que estalam
como portas batendo
sou hoje uma chaleira, uma pá, uns óculos
esquecidos sobre o aparador
sou o aparador
esquecido de mim mesmo
sobre o aparador está tua fotografia
que nos sobreviverá

ANA MARTINS MARQUES, 35, é autora de "Da Arte das Armadilhas" (Companhia das Letras), finalista Prêmio Portugal Telecom de Literatura deste ano na categoria poesia.

 

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