Leia epigramas do poeta romano Marco Valério Marcial
SOBRE O TEXTO
Marco Valério Marcial (aprox. 38-104) foi o mestre do epigrama (escrita sobre), que primeiro designava inscrições em objetos, túmulos, paredes, estátuas e, depois, o verso de circunstância, satírico ou aforístico. As marcas de Marcial são a concisão, o humor ferino, a crítica de costumes e o fecho inesperado. Poeta-cronista de Roma, a cidade mais luxuriosa e corrupta da Antiguidade, por seus 1.561 epigramas desfilam tipos de golpistas a delatores, de aristocratas a prostitutas, de gladiadores a poetas e plagiadores. Estas traduções fazem parte de um livro a ser lançado pela Ateliê Editorial no primeiro semestre de 2016.
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Gemelo quer casar com Maronila
e anseia e insiste e implora e mima.
"Mas é assim tão bela?" "Antes fosse!"
"O que ele vê de belo nela?" "A tosse."
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Que eu adoeça se não quero, Deciano,
passar o dia e a noite toda com você.
É que os três quilômetros que nos separam
Viram seis quando volto pra casa.
Você quase nunca está. Ou, se está,
manda dizer que saiu. Tempo livre,
só tem pras suas causas e coisas.
Não ligo de andar três quilômetros pra te ver
E sim de andar seis só pra não te ver.
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O que produzo de bom, Lino, em minha propriedade?
Produzo isso, Lino: sua invisibilidade.
Thiago Hattnher | ||
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Enterrou no campo, Fíleris, suas sete mulheres.
Isso é o que chamo de terra produtiva.
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São todas suas, Cândido, suas terras, sua grana,
joias caras, todas suas, taças de murano,
os vinhos mais finos, todinhos seus,
sua esperteza é toda sua, o talento, todo seu,
Só você tem tudo isso -não tem como negar!
Menos sua esposa, Cândido: essa é toda nossa.
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Por que a fama é negada aos vivos
e raros leitores amam os contemporâneos?
Isso, Régulo, é bem típico da inveja,
Desprezar os modernos, preferir os antigos.
Buscamos os pórticos de Pompeu, ingratos,
E velhos elogiam o templo tosco de Cátulo.
Ênio foi lido, Roma, com Virgílio bem vivo,
E em seu tempo Homero foi objeto de riso.
Raros aplaudiram Menandro em seu teatro
e só Corina reconhecia seu Ovídio.
Por isso, meus livrinhos, a premissa é essa:
Se a glória vem post mortem, pra que pressa?
*
Pobre hoje, Emiliano, amanhã também.
A riqueza só é dada a quem já tem.
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Por que não mando, Pontiliano, os livros meus?
E o medo, Pontiliano, que você mande um seu?
*
Pra você, Vacerra, poeta bom
é poeta morto ou antigo.
Por favor, Vacerra, continue
ignorando meus livros.
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O que faz a vida mais feliz,
Marcial, são coisas assim:
grana não suada, mas herdada,
terra produtiva, fogo sempre aceso,
longe de leis, livre de toga, mente quieta;
vigor natural, corpo com saúde;
franqueza prudente, amigos afins,
fácil convívio, mesa modesta,
noites sóbrias, sem preocupações,
cama pura sem ser pudica;
um sono bom que abrevie as trevas:
aceitar o que se é e não ter medo
do último dia, nem ficar à sua espera.
*
Fica doente dez vezes por ano, ou mais,
e no fim, Policarmo, nós é que sofremos,
pois, quando fica bom, pede presentes.
Faz o seguinte: fique doente só uma vez.
*
Cina, dizem, escreveu versos contra mim.
Nada escreve um poeta que não é lido.
MARCO VALÉRIO MARCIAL (aprox. 38-104), poeta de região onde hoje é a Espanha, radicado em Roma, escreveu série de epigramas.
RODRIGO GARCIA LOPES, 49, escritor e poeta, é autor do romance policial "O Trovador" (Record) e de "Experiências Extraordinárias" (Kan Editora), entre outros.
THIAGO HATTNHER, 24, é artista plástico e participa até 15/8 de exposição na galeria Transarte.
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