Autor sugere que é hora de turbinar a máquina de guerra dos EUA

ISABEL FLECK

RESUMO A partir do diagnóstico de que os grandes focos de preocupação dos EUA na política externa são China, Rússia, Irã e Coreia do Norte, ex-conselheiro do Departamento de Estado defende o incremento do poderio militar americano, o que passa pelo robustecimento orçamentário. Em livro, fala também dos limites do "soft power".

"Fale suavemente e carregue um grande porrete; assim você irá longe." O provérbio africano que guiou a política externa do presidente Theodore Roosevelt (1901-09) há mais de um século não poderia vir mais a calhar para os Estados Unidos de hoje, na visão de Eliot Cohen, ex-conselheiro de Condoleezza Rice, secretária de Estado no segundo governo George W. Bush.

O atual diretor do Programa de Estudos Estratégicos da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Johns Hopkins defende a retomada do entendimento de que o poderio militar constitui um "apoio essencial" à política externa americana –ainda que a melhor ideia seja sempre evitar a guerra.

"A forma mais benéfica de força militar é aquela tão impressionante que nem precisa ser usada", escreve Cohen em seu novo livro, "The Big Stick - The Limits of Soft Power & The Necessity of Military Force" [Basic Books, 304 págs., R$ 84,38] (o grande porrete - os limites do "soft power" e a necessidade da força militar).

A demonstração de vigor ancorada na simples presença militar, é, para o autor, a chave para lidar com alguns dos principais desafios americanos, a saber, a China e os três Estados que ele chama de "perigosos": Rússia, Irã e Coreia do Norte. Mas, para isso, o país precisa ter o que mostrar.

"As Forças Armadas americanas necessitam desesperadamente de dinheiro para operações, treinamento e novos equipamentos", diz Cohen à Folha. Para ele, a proposta do presidente Donald Trump de aumentar em quase 10% os gastos militares –o equivalente a US$ 54 bilhões– no próximo ano fiscal ainda é insuficiente.

O autor defende que os EUA gastem 4% de seu PIB com defesa –o dispêndio hoje é de cerca de 3% (percentual que não aumentaria significativamente com o orçamento proposto por Trump).

Os 4% advogados por ele colocariam o investimento na rubrica em um patamar semelhante ao do início da década de 1990, após a Guerra Fria, período em que os gastos militares chegaram a representar 10% do PIB. Na década seguinte, quando os EUA estavam envolvidos nas guerras do Iraque e do Afeganistão, as despesas do Pentágono somavam pouco menos que 6% da economia americana.

Para Cohen, a "grande falácia" do argumento de quem é contrário ao incremento do orçamento da defesa é que há uma "tensão" excludente entre a guerra e o desenvolvimento interno do país.

"A história não mostra isso. Durante o maior conflito dos EUA, a Guerra Civil, o governo deu início a projetos grandes, como a ferrovia transcontinental. Foi durante a Guerra do Vietnã que a épica Lei dos Direitos Civis passou e que foram lançados programas como o Medicare e o Medicaid", escreve.

Para que a elevação proposta por Trump ocorra, no entanto, está prevista uma redução de 37% no orçamento do Departamento de Estado e da Usaid (agência para o desenvolvimento internacional), hoje na casa dos US$ 50 bilhões.

O autor, um dos redatores da carta na qual 50 especialistas republicanos declaravam que o então candidato Trump não servia para liderar as Forças Armadas –e que diz ainda considerá-lo inapto para o posto por seu "caráter e temperamento"–, avalia como "muito ruim" a decisão de diminuir a fatia de verba da chancelaria americana, apesar de não sugerir outra fonte de recursos para turbinar o borderô militar.

"Os nossos diplomatas têm um excelente custo-benefício, até pelo simples fato de manter o nosso governo informado. A boa notícia é que o Congresso não vai permitir isso", prevê.

Em seu livro, Cohen reconhece como importante o papel do "soft power", mas aponta suas limitações, como no caso de sanções à Rússia, ao Irã e à Coreia do Norte, que não frearam a ação de Moscou no leste da Ucrânia nem os programas nucleares de Teerã e Pyongyang.

"O maior problema das sanções como ferramenta política é que elas presumem que os líderes de determinado país se preocupam profundamente com o estado da economia ou que eles podem ser pessoalmente afetados por restrições impostas, por exemplo, ao seu sistema bancário. Com vontade, frieza e, se necessário, brutalidade, os líderes podem conduzir seus países em meio às sanções mais rigorosas", diz em "The Big Stick".

É por causa de insuficiências do "soft power" como essas que Cohen sustenta que os americanos vão precisar de "mais e de uma melhor" força militar nos próximos anos. "As chances são crescentes de que os EUA se vejam obrigados a usar o poder militar de forma crônica e com vários níveis de intensidade nas primeiras décadas do século 21", conjectura na obra.

Ele sublinha que se trata de uma previsão, e não de um desejo seu. Mas acrescenta: se o uso da força sempre preocupa, a passividade também. "É sempre uma escolha. Entre 2012 e 2016, os países ocidentais se recusaram a intervir de forma substancial na guerra civil síria, que então se tornou um conflito muito maior no Oriente Médio [com o fortalecimento do Estado Islâmico]", escreve.

REINO DO MEIO

Na avaliação de Cohen, o desafio mais urgente para os Estados Unidos reside na relação com a China, o "agora próspero, nacionalista e algumas vezes beligerante Reino do Meio [tradução de Zhongguó, nome do país em mandarim]". Aqui, acredita ele, o emprego de uma força militar mais robusta se faz necessário.

Para o ex-conselheiro, é imprescindível equilibrar o peso da China na região do Pacífico e evitar que ela estabeleça uma hegemonia sobre os vizinhos na tentativa de "redesenhar a ordem internacional a partir de sua imagem".

O primeiro passo para isso seria entender a estratégia militar chinesa, que mudou desde a Guerra da Coreia, nos anos 1950, e atualmente pode ser "sutil, ameaçadora e brutal, de uma forma que os EUA desconhecem". Em seguida, Cohen preconiza o reconhecimento público do problema estratégico encarnado pelo gigante asiático.

Em termos concretos, ele defende um incremento do poderio naval e aéreo no Pacífico, para "dar garantias, fortalecer e proteger seus aliados –e aleijar a China, bloqueando seus portos e quebrando seu comércio".

"Obviamente, a melhor coisa é evitar a guerra. Mas a postura dissuasiva [dos EUA] é necessária para convencer uma crescente, assertiva e ainda vulnerável China de que ataques a seus vizinhos não só fracassariam como seriam um risco para o regime que os lançou", sugere no livro, destacando que a principal fraqueza do Reino do Meio é a dependência da prosperidade econômica.

Outra tarefa "prescrita" por Cohen para os americanos é continuar a estreitar laços com os aliados na região: Japão, Índia, Austrália, Filipinas, Vietnã e Taiwan, além de Malásia, Tailândia, Indonésia e Cingapura –estes últimos mais "apreensivos" com a proeminência chinesa em virtude de seus orçamentos militares módicos. "Junta, essa coalizão é mais do que suficiente para contrabalançar o poder crescente de Pequim."

No que se refere aos Estados que o autor chama de "perigosos" (Rússia, Irã e Coreia do Norte), a solução também passa por uma maior presença militar nos respectivos perímetros. A intimidação de Moscou seria feita pelo posicionamento de forças permanentes dos EUA em países do antigo Leste Europeu, em especial Polônia, Estônia, Letônia e Lituânia.

"No caso do Irã, a ideia é ter menos forças em terra e mais uma presença poderosa aérea e naval no golfo Pérsico, além de uma ação dura contra tentativas de acossar navios americanos", afirma Cohen em seu ensaio.

Para tentar frear Pyongyang, o governo Trump anunciou no último dia 6 ter começado a montar um escudo antimísseis na Coreia do Sul, após o regime norte-coreano disparar quatro mísseis balísticos contra o mar do Japão. Para o ex-conselheiro, o que realmente pode funcionar no trato com a Coreia do Norte é a parceria com Seul.

ESTADO ISLÂMICO

Se há um tema em que Cohen e Trump convergem, é na crítica à retirada das tropas americanas do Iraque. Na avaliação do primeiro, o governo Obama tirou as forças do país muito cedo (em 2011). Entre 10 mil e 20 mil militares deveriam ter ficado por lá, acredita ele.

O autor vai além e diz que Trump pode ter razão em acusar Barack Obama de contribuir para o surgimento do Estado Islâmico ao determinar a saída das tropas naquele momento. A pressa que complicou o cenário no Iraque não pode ditar o compasso do combate aos terroristas do EI.

"Militares e agentes de inteligência vão precisar pensar no sucesso a longo prazo, e líderes políticos terão de aceitar a ideia de que não haverá feito notável ou duradouro durante seus mandatos", escreve Cohen.

Ele julga ser improvável, no processo de enfrentamento da milícia terrorista, que se recicle o formato da intervenção americana no Iraque: "Futuras ações terão de levar em conta as lições iraquianas, incluindo no que diz respeito aos limites da habilidade dos EUA de moldar outras sociedades".

ISABEL FLECK, 34, é correspondente da Folha em Washington.

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