Com 'atletas' profissionais, videogame lota estádios, invade TV e gira bilhões

MARIANA LAJOLO
ilustração LEANDRO N LIMA

RESUMO O mercado de videogames está em franca expansão. O que antes era lazer ou simples (e até perigosa) distração hoje rende bolsas de estudo, emprego, salários milionários e prêmios em dinheiro. Jogadores profissionais são considerados atletas e já se discute se os e-esportes poderiam integrar o programa olímpico.

Crédito: Leandro N Lima

A fila dava a volta no quarteirão daquele galpão na rua da Mooca, zona leste de São Paulo. Numa rara manhã de calor do inverno paulistano, centenas de crianças, adolescentes e jovens esperavam por horas debaixo de sol. Alguns haviam chegado ainda de madrugada. Vinham de diversas partes da capital, do interior e de outros Estados. Os primeiros da fila não se cansavam de se exibir para as câmeras que registravam a aglomeração.

Quando os portões foram abertos, por volta do meio-dia, os garotos já não controlavam a ansiedade. Muitos mostravam as mãos, tremendo, diante da iminência de conseguir um autógrafo ou uma foto de seus ídolos. Os mais sortudos poderiam até trocar umas palavras com eles. Todos, porém, queriam sobretudo uma coisa: ver de perto seus heróis jogando videogame.

O evento, realizado no fim de julho, tinha nome pomposo: Encontro das Lendas. Reunia fãs e pessoas que ganham a vida com algo que seus pais sempre viram como brincadeira. A brincadeira, porém, virou trabalho.

Hoje, há legiões de profissionais de games –jogados muito mais em computadores do que nos consoles mais tradicionais–, com rotina semelhante à de qualquer esportista de alto nível. Como aqueles que sobem ao pódio olímpico ou desfilam pelos campos de futebol, os ciberatletas podem receber salários de seis dígitos e encantam multidões.

Uma das lendas do encontro na Mooca tem 26 anos e atende pelo nome de Gabriel "Fallen" Toledo (gamers costumam usar um apelido entre o nome e o sobrenome, como os boxeadores). Capitão do SK Gaming, um dos melhores times de "Counter Strike Global Offensive" do mundo, foi eleito em 2016 pela revista "Forbes" uma das 30 personalidades com menos de 30 anos mais influentes de sua área.

Em tempo: "Counter Strike" integra o chamado e-esporte, ou esporte eletrônico. Nesse jogo específico, os participantes assumem o papel de terroristas ou contraterroristas e atuam em grupo com o objetivo de plantar ou desarmar bombas, sequestrar ou salvar pessoas e atirar nos adversários até que uma das equipes vença.

Naquela manhã de julho, Fallen não parecia um ídolo inatingível. Posava para fotos, conversava com todos e se emocionava ao saber que alguns vinham de longe para vê-lo.

NEGÓCIOS

O sucesso do Encontro das Lendas, que reuniu 4.000 pessoas em três dias, mostra o potencial desse setor. Não por acaso, a federação internacional de e-esporte foi fundada por um grupo de investidores –como a SK Telecom e a Alibaba Sports Group– e organiza competições em mais de 40 países. Gigantes como Coca-Cola e American Express patrocinam eventos. A Amazon comprou o Twitch, plataforma on-line especializada em vídeos sobre games, por US$ 970 milhões (R$ 3 bilhões).

Crédito: Jeff Pachoud - 3.mar.2017/AFP Final do campeonato francês de "League of Legends" em Lyon
Final do campeonato francês de "League of Legends" em Lyon

Segundo projeção da Newzoo, uma das principais condutoras de pesquisas sobre a indústria de games, o mercado global de jogos deve fechar 2017 com faturamento de US$ 108 bilhões (R$ 342 bilhões).

Os e-esportes ainda representam fatia pequena: US$ 696 milhões (R$ 2,2 bilhões), menos de 1% do total. A cifra, contudo, é 41% maior do que a de 2016 e foi atingida dois anos antes do esperado. Calcula-se que chegue a US$ 1,5 bilhão (R$ 4,7 bilhões) em 2020.

Apesar do crescimento acelerado, o e-esporte ainda vive realidade distante daquela dos maiores campeonatos esportivos . O faturamento da NFL (futebol americano dos EUA), a liga mais rentável do planeta, deve alcançar US$ 14 bilhões (R$ 44 bilhões) na próxima temporada, e a Premier League (campeonato inglês de futebol), US$ 5 bilhões (R$ 16 bilhões).

Pelas contas de Manny Anekal, fundador do "The Next Level", publicação especializada nessa área, em dez anos os e-esportes poderão ser maiores do que a NHL, liga de hóquei dos EUA, que faturou US$ 4 bilhões na última temporada.

A NBA (basquete dos EUA), que espera faturar US$ 8 bilhões (R$ 25 bilhões) na próxima temporada, anunciou a criação de sua e-liga. Equipes como Philadelphia 76ers e Miami Heat, de basquete, e o Schalke 04, do futebol alemão, contrataram seus próprios ciberatletas para disputar campeonatos.

"O que faz com que esses gigantes dos esportes convencionais se interessem por e-esportes são três palavras: marketing, monetização e merchandising", afirma Anekal.

"O Schalke viu seus seguidores nas mídias sociais aumentarem com o anúncio da equipe. É marketing. Eles terão várias formas de monetizar isso, com venda de ingressos para os jogos e organização de eventos no estádio. O Miami Heat tem um bom exemplo de merchandising: fechou acordo com uma empresa que faz bonés, e você pode apostar que verá as peças da equipe de e-esporte sendo vendidas na arena de basquete", completa.

PÚBLICO

Para quem se dedica à prática de forma profissional, os valores começam a ficar atraentes. O campeonato de "Dota 2" (jogo em que cada atleta controla um personagem, chamado herói, e tem de percorrer caminhos e enfrentar adversários com o objetivo de destruir o ancião, que fica no quartel-general do time rival), o maior do mundo, distribuiu mais de US$ 20 milhões (R$ 63 milhões) em prêmios em 2016.

A audiência de vídeos e transmissões relacionadas aos games em 2016 chegou a 517 milhões de espectadores no YouTube e a 185 milhões no Twitch. No mesmo período, a HBO atingiu 134 milhões de pessoas, o Spotify, 100 milhões, e a Netflix, 93 milhões.

O sucesso chamou a atenção das mídias convencionais. No Brasil, os canais por assinatura ESPN, Esporte Interativo e SporTV têm programas voltados para e-esportes, e a TV Globo também tem o seu.

Crédito: Leandro N Lima

"Existe público. Consequentemente, os e-esportes se tornam plataforma de mídia para anunciantes. Mostra-se o potencial do público gamer não só como consumidor de jogos, mas como alguém que vai ao supermercado, compra tênis, assiste a filmes, viaja, fugindo do estereótipo criança/adolescente antissocial", diz Guilherme Camargo, professor de game marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

O público dos e-esportes não fica só na TV ou na internet. Na Coreia do Sul, encher os estádios utilizados na Copa do Mundo de futebol de 2002 tem sido um desafio nos últimos 15 anos. Mas, se a atração é um torneio de videogame, com um telão no gramado ladeado por uma dezena de computadores, a arquibancada lota.

Em 2014, na final do Campeonato Mundial de "League of Legends" (LOL), o jogo mais popular do mundo, 40 mil torcedores foram ao estádio (a lógica de "League of Legends" é semelhante à de "Dota": jogadores controlam "campeões" com habilidades únicas, que são aprimoradas no decorrer do jogo; o objetivo de cada time é destruir o "nexus" da equipe adversária, uma construção protegida por outras estruturas).

Cenas como essa têm se repetido com mais frequência a cada ano, principalmente na Ásia. A Coreia do Sul está para os e-esportes como o Brasil para o futebol.

RUMO OLÍMPICO

Faturamento em alta, audiência crescente, apelo entre jovens e investidores. Esses fatores suscitaram especulações sobre a relação entre os jogos eletrônicos e outro universo esportivo: o olímpico.

Pôr os games ao lado de modalidades convencionais poderia resultar em mais público e mais dinheiro para a Olimpíada. Os Jogos Asiáticos de 2018, na Indonésia, serão a primeira experiência. A disputa de e-esportes acontecerá apenas a título de exibição. Em 2022, em Hangzhou, na China, poderá valer medalha.

Tony Estanguet, presidente do comitê da candidatura de Paris, afirmou que irá estudar a possibilidade de incluir os games no programa da Olimpíada de 2024.

Crédito: Jean Chung - 4.out.2014/"The New York Times" Torcida no campeonato mundial de "League of Legends", em Busan, na Coreia do Sul, em 2014
Torcida no campeonato mundial de "League of Legends", em Busan, na Coreia do Sul, em 2014

Ao longo das últimas décadas, o cardápio de esportes oferecido nos Jogos Olímpicos tem sido ampliado para incluir modalidades de maior apelo para jovens. Skate, escalada e surfe, por exemplo, estarão em Tóquio-2020.

Mas, enquanto essas modalidades veem no evento a chance de ganhar visibilidade e crescer, os e-esportes parecem não se interessar tanto pela força olímpica.

Desenvolvedora do "League of Legends", a Riot Games organiza campeonatos em diversos países e promove um Mundial anualmente. Em 2016, a final desse torneio teve 43 milhões de espectadores. A decisão da NBA naquele ano atraiu cerca de 31 milhões de pessoas.

São números ainda pequenos se comparados à audiência de 2,5 bilhões da cerimônia de abertura dos Jogos do Rio, mas, para Whalen Rozelle, diretor de e-esportes da Riot, o desempenho de seu game ao redor do mundo torna desnecessária eventual validação pelo Comitê Olímpico Internacional (COI).

Segundo o executivo, a possibilidade de os e-esportes se tornarem olímpicos não reverberou entre os quase 70 milhões de usuários mensais de "League of Legends". O objetivo da Riot, afirmou Rozelle em entrevista ao jornal "Los Angeles Times", é criar experiências novas e interessantes, não necessariamente fundar um esporte.

Os entraves no rumo do panteão olímpico ainda são grandes, e especialistas sugerem que talvez levem décadas para serem superados.

Um deles é o licenciamento. O COI não paga a ninguém para ter partidas de vôlei ou torneios de natação em seu evento. Essas modalidades não são patenteadas. No universo dos games, a situação muda. Vale a pena para um desenvolvedor como a Riot ceder seus direitos para o comitê olímpico? Ou o COI deve pagar por isso?

Além disso, o comitê teria de escolher um entre vários jogos ("League of Legends", "Dota" e "Counter Strike" são alguns dos mais conhecidos). Que critério usar?

Há ainda a questão do controle de doping. O COI exige que as federações das modalidades que compõem o programa olímpico conduzam testes periodicamente.

No caso dos e-esportes, as ligas são organizadas por uma série de empresas, e a federação internacional ainda não é reconhecida pelo comitê nem tem sob sua jurisdição alguns dos principais torneios.

Os esportes eletrônicos também estão longe de ter representatividade competitiva num grande número de países e não apresentam equilíbrio de gêneros, uma das principais bandeiras do COI hoje em dia. "As mulheres são jogadoras casuais. Por isso, quando se fala em e-esportes, em que a experiência com o jogo é mais intensa, os homens ainda são maioria", diz Guilherme Camargo, da ESPM.

É ESPORTE?

Em entrevista recente à revista "Sports Illustrated", o presidente do COI, Thomas Bach, enunciou o que pode ser um fator decisivo para manter os games afastados das Olimpíadas. "Não temos 100% de certeza de que e-esportes sejam de fato esportes, com atividade física e outros requisitos necessários para serem assim considerados", disse o ex-esgrimista alemão.

O dicionário "Houaiss" define esporte "como prática metódica, individual ou coletiva, de jogo ou qualquer atividade que demande exercício físico e destreza, com fins de recreação, manutenção do condicionamento corporal e da saúde e/ou competição".

A Gaisf (antiga SportAccord), união de federações olímpicas e não olímpicas, é mais específica: "Esporte pode ser essencialmente físico, mental, motorizado ou com suporte de animais, deve ter um elemento de competição e não deve prever um elemento 'sorte', nem representar risco indevido à saúde e à segurança dos participantes".

O leque de entidades ligadas à Gaisf inclui até a Associação Internacional de Esportes da Mente, que engloba xadrez, damas e bridge (jogo de cartas), entre outros.

O COI não trabalha com uma definição, mas mantém uma lista de entidades reconhecidas por ele. Os e-esportes não estão contemplados; tampouco são reconhecidos pela associação de esportes da mente ou pela Gaisf.

A assessoria de imprensa do COI afirmou à Folha que a entidade "monitora de perto o desenvolvimento dos e-esportes" e está ciente do apelo dos games entre os jovens, mas que qualquer modalidade com pretensões olímpicas precisa antes ter uma federação internacional reconhecida.

No Brasil, o e-esporte responde às regras das loterias da Caixa.

Na Câmara dos Deputados, tramita um projeto de lei (5.840/2016) que visa a incluir os esportes da mente no artigo da Lei Pelé que define modalidades esportivas. Pretende-se incluir nesse guarda-chuva pôquer, xadrez, damas, go (jogo de tabuleiro chinês) e bridge. Embora a proposta não contemple os jogos eletrônicos, ela poderia facilitar novos pleitos.

Outro projeto, o PL 3.450/2015, tenta alterar a Lei Pelé para o desporto virtual ser reconhecido como prática esportiva.

Em outras nações, isso já aconteceu. Nos EUA, por exemplo, jogadores de games são reconhecidos como atletas. Em 2014, a Robert Morris Universidade de Chicago se tornou a primeira do país a oferecer bolsa de estudos para ciberatletas, uma prática corriqueira nos esportes convencionais. Estrangeiros que vão competir em solo americano recebem o mesmo tipo de visto de corredores e nadadores.

Afinal, e-esporte é esporte?

TEORIA E PRÁTICA

Para quem conhece o mundo dos games, não há dúvida de que sim, trata-se de esporte, sem diferenças que justifiquem a separação dos conceitos.

O primeiro argumento busca sustentação na rotina do jogador. Gamers treinam, e muito: mais de sete horas por dia, carga semelhante à de atletas profissionais. Apesar de passarem o tempo todo sentados e usando basicamente as mãos, preocupam-se com preparo físico e nutricional. Muitos têm acompanhamento psicológico.

O trabalho da psicóloga Ariane Melo mostra quão complexa tem sido a preparação dos ciberatletas de alto nível. Ela é uma das pioneiras brasileiras no uso da psicologia do esporte aplicada aos e-esportes e é sócia da Fábrica de Lendas. A empresa cria dinâmicas para melhorar a comunicação e a sinergia da equipe, desenvolve exercícios de relaxamento para diminuir a tensão e conduz treinamento para conseguir um controle rápido das emoções no meio do jogo.

"Os e-esportes não diferem de nenhuma atividade desportiva de alto rendimento. O que varia é a necessidade de cada modalidade, que irá intensificar um ou outro tipo de treino. Dizer que não há atividade física no esporte eletrônico é total desconhecimento", diz Melo.

"Podemos comparar o e-esporte ao xadrez, por causa de atributos como atenção, concentração e inteligência lógica, ou ao tênis, por convocar habilidades como destreza e rapidez", afirma.

PRIMÓRDIOS

A influência dos jogos eletrônicos em nossa cultura começou nos anos 1970, com "Pong", em que duas raquetes (ou pauzinhos) disputavam um pingue-pongue virtual com uma bolinha (quadrada). O sucesso foi tão grande que levou à fundação da Atari.

Naquela época, quando também teve início o hábito juvenil de sentar-se à frente da TV com consoles na mão, afirmava-se que crianças e adolescentes perdiam tempo ] ao jogar videogame.

Hoje, há motivos para afirmar algo parecido em relação a adultos. De acordo com estudo da Agência Nacional de Pesquisas Econômicas dos EUA, os games são responsáveis pela redução do tempo dedicado ao trabalho. O levantamento mostrou que, em 2015, homens de 31 a 55 anos trabalharam 163 horas a menos do que antes dos anos 2000. Na faixa de 21 a 30 anos, a queda foi de 203 horas. De 2004 a 2015, o tempo reservado pelos mais jovens ao lazer aumentou 2,3 horas. O videogame respondeu por 60% desse incremento.

A pesquisa, porém, aponta ainda outro fenômeno: o uso recreativo dos computadores passou de 3,3 horas diárias para 5,2 horas. Esse dado lança dúvidas sobre quanto da ociosidade é culpa dos games.

"Celulares são distração bem maior. Por outro lado, há mais de 40 instituições nos EUA dando mais de US$ 4,4 milhões [cerca de R$ 13,8 milhões] em bolsas de estudo e é possível ter uma carreira. Você pode não ser o melhor jogador de futebol em São Paulo, mas pode ser o melhor atleta de Fifa [jogo de futebol de videogame]", diz Manny Anekal, do "The Next Level".

Desde o Atari, sete gerações de videogames já foram desenvolvidas. "Mario Bros", lançado em 1981 pela Nintendo, é famoso até hoje. Na década seguinte, "Pokémon" (desenvolvido pela japonesa Game Freak e licenciado pela Nintendo) tornou-se um dos brinquedos mais populares do mundo. As novas versões dos jogos permitem interações on-line e comportam realidade virtual.

A evolução desse segmento e seus ecos na cultura são temas da exposição "A Era dos Games", em cartaz no Pavilhão da Bienal, em São Paulo, até 12 de novembro. A mostra já passou por 25 países, acumulando público de 4 milhões de pessoas. Mas, quando foi concebida pelo Barbican, renomado centro de artes de Londres, há 15 anos, despertou desconfiança.

"Foi um risco. Naquela época, apresentar os videogames como produtos culturais não era usual", lembra Neil McConnon, diretor da instituição. "Mas sentimos que deveríamos abordar as possibilidades criativas e a popularidade sem precedentes desse gênero."

"Como games incorporam aspectos de arte, design, cinema, música e têm uma narrativa, eles certamente podem ser considerados parte da cultura contemporânea", afirma McConnon.

RAIO-X NACIONAL

O Brasil é o 12º mercado de games do mundo em termos de faturamento e o quarto em número de usuários, com 3,4 milhões de pessoas, atrás dos EUA, do Japão e da China.

Segundo a pesquisa Game Brasil de 2017 (com 2.947 entrevistados), só 2% desses jogadores já participaram de algum tipo de competição com organização oficial e prêmio. Nessa fatia, 20% são profissionais. Por outro lado, o número de pessoas que assistiram a algum evento de videogames no último ano saltou de 26% para 36,4%.

Essa audiência é composta majoritariamente por jovens de 16 a 24 anos. Trata-se de um dos principais públicos-alvos de eventos como o Encontro das Lendas. Mas os organizadores miram também uma faixa etária que ainda tem pouco peso nas estatísticas: apenas 0,8% das pessoas com menos de 15 anos jogam games.

Na fila do evento na Mooca, a maioria desses adolescentes chegou acompanhada de adultos. Pais, mães e avós que pareciam meio deslocados e ainda alheios à dimensão que um jogo pode ter na vida dos mais novos.

Mara Pereira, 45, deixou o trabalho de lado para acompanhar o filho Diogo, 12. Em casa, a empresária controla o tempo que o garoto passa no computador e o obriga a sair para jogar bola ou brincar de outras coisas. "Na minha época, a gente brincava na rua. Videogame era só de vez em quando e para quem tinha dinheiro. Agora, eles querem jogar sem parar, acompanhar youtubers, vir a eventos como este", diz.

Nada deixa Diogo mais feliz do que a interação (mesmo que on-line) com profissionais famosos. Os e-esportes possibilitam uma ligação entre ídolos e fãs que nenhum esporte convencional permite. Os atletas transmitem ao vivo suas sessões de treino na internet. Também falam diretamente com o público e podem aparecer na rede para jogar com um anônimo a qualquer momento. É como se Neymar surgisse na pelada de fim de semana do condomínio.

"Hoje, meu filho fala que quer ser um jogador profissional. Mas é como no futebol: a chance é de uma em um milhão", afirma Pereira, que já viu Diogo gastar R$ 700 em um mouse e R$ 380 em um fone de ouvido.

EFEITOS NOCIVOS

A exposição cada vez maior de crianças e adolescentes a jogos e aparelhos eletrônicos levou a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) a definir parâmetros para o uso desses meios pelos pequenos.

"Para a indústria de entretenimento e de consumo de mídias e jogos on-line, quanto mais vender, melhor. Mas ela não leva em consideração os efeitos imediatos e a longo prazo nos comportamentos de crianças e adolescentes", diz Evelyn Eisenstein, secretária do Departamento Científico de Adolescência da SBP. De acordo com ela, "existem evidências científicas de danos causados por horas prolongadas de uso, principalmente de jogos violentos".

Por isso, a entidade recomenda que crianças de seis a dez anos não usem aparelhos eletrônicos por mais de uma hora diária. A cota para adolescentes dobra. Ainda assim, alerta a SBP, é preciso intercalar os videogames com atividades ao ar livre.

Esse limite parece impensável para Pedro Henrique Facundes, 11, que pode passar até sete horas por dia –só nas férias– em frente ao computador. É fanático por jogos e saiu de São Luís (MA) para encontrar os ídolos em São Paulo. Seu pai, Enésio da Silva, 49, não vê problema em tamanha dedicação aos jogos eletrônicos, "desde que as notas continuem boas".

De acordo com a SBP, o excesso de exposição aos meios eletrônicos pode gerar transtornos de sono e causar aumento de ansiedade, depressão, problemas comportamentais e angústia.

"Pode haver uma dissociação entre as realidades real e virtual dos jogos", diz Eisenstein. "Crianças precisam desenvolver atividades psicomotoras e habilidades cognitivas ativas, de preferência ao ar livre e em contato com a natureza. Precisam se socializar, conversar e se relacionar com os colegas."

Para Ariane Melo, psicóloga que trabalha com gamers, o uso dos jogos não afeta a capacidade de relações pessoais, mas elas acontecem de outra forma.

"As habilidades sociais não são prejudicadas. Pelo contrário, os jogadores demonstram maior capacidade de iniciar conversas e mais criatividade para mantê-las. A maioria dos jogos on-line estimula a interação entre equipes e outros jogadores. O que muda é o meio pelo qual essa interação ocorre", diz.

Talvez tenha ficado no passado a associação de videogames com comportamentos antissociais, falta de habilidades atléticas e perda de tempo. Os games já não são mais apenas brincadeira. Jogos e personagens se tornaram influenciadores culturais, seu universo invade museus, e os praticantes começam a derrubar estereótipos, enquanto a indústria do setor movimenta cifras crescentes.

É esporte? Tanto faz. O e-esporte não parece precisar de nenhuma chancela para continuar sua expansão.

MARIANA LAJOLO, 39, é jornalista e cobriu três edições de Jogos Olímpicos.

LEANDRO N LIMA, 40, artista plástico, expõe na coletiva "O Estado da Arte", no Instituto Figueiredo Ferraz, em Ribeirão Preto.

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