Cartas românticas de Beauvoir geram conflito entre ex-amante e herdeira

Livros reunindo missivas apaixonadas de Camus e Mitterrand viraram best-sellers

Isabel Junqueira

De um ano e meio para cá, a literatura epistolar francesa ganhou duas obras de peso: as correspondências amorosas de François Mitterrand e de Albert Camus a suas respectivas amantes.

Desde a sua publicação em outubro, a longa e ardente troca de cartas entre o autor de "O Estrangeiro" e a atriz Maria Casadès não parou de ser reimpressa —até agora, o calhamaço com mais de mil páginas já passou de 40 mil exemplares.

A coletânea de correspondências do ex-presidente francês à historiadora da arte Anne Pingeot já vendeu 80 mil cópias, algumas delas em luxuosa edição recheada de fac-símiles —além de cartas, Mitterrand costumava enviar desenhos e colagens à amada.

Uma terceira coleção epistolar tinha tudo para virar mais um best-seller do gênero: a de Simone de Beauvoir com o jornalista e cineasta Claude Lanzmann, que foi o único homem a viver sob o mesmo teto da filósofa.

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A escritora francesa Simone de Beauvoir. - Reprodução

Apesar da notoriedade da relação entre os dois, nada se sabia sobre as 112 mensagens que a feminista francesa enviou para o homem 17 anos mais novo —e secretário de Jean-Paul Sartre na época— quando se relacionaram, de 1952 a 1959. Até pouco tempo atrás, Lanzmann dizia que o conteúdo só dizia respeito aos dois, mas a idade avançada o fez mudar de ideia aos 92 anos.

Contudo, uma pedra apareceu em seu caminho: Sylvie Le Bon de Beauvoir, filha adotiva e executora testamentária da autora de "O Segundo Sexo", teria, segundo ele, barrado a publicação. Como na França o destinatário de cartas só possui a propriedade material da obra, ele não poderia tirá-las da esfera privada sem a permissão da herdeira, detentora do direito autoral. Ela nega a acusação e afirma que Lanzmann nunca lhe deu acesso à correspondência.

No mês passado, o diretor vendeu os manuscritos à universidade de Yale, que já possui boa parte dos originais de Beauvoir. Como nos EUA o direito autoral varia de acordo com o Estado, segue a incerteza quanto à chegada dessas correspondências às prateleiras tão cedo.

Mas Lanzmann andou dando palhinhas para a imprensa francesa. "Você, minha criança amada, é meu amor absoluto. Sou tua mulher para todo o sempre", leu, suspirando, num programa de TV. Numa outra carta, Simone confessa que amou Sartre, mas sem reciprocidade.

TRIUNFO CINEMATOGRÁFICO

Obras-primas literárias adaptadas para o cinema sempre são esperadas com ceticismo. Não foi diferente com "A Dor", livro de Marguerite Duras publicado em 1985, logo após o sucesso de "O Amante". Lançado em janeiro, o filme homônimo com direção de Emmanuel Finkiel —que teve seu longa "Viagens" exibido em Cannes em 1999— acabou surpreendendo crítica e público.

Mistura de diário e romance autobiográfico, o texto revisita os cadernos escritos por Duras durante o final da ocupação francesa e o início da liberação, quando esperava notícias do paradeiro do seu então marido, o escritor Robert Antelme, enviado a um campo de concentração em 1944.

A autora revela no preâmbulo o choque que teve ao reler a violência do conteúdo, descrita como uma "desordem fenomenal do pensamento". A câmera sensorial de Finkiel mostra muitas vezes imagens abstratas, que dão vida ao monólogo interior da personagem e à sensação de tempo suspenso da espera dilacerante.

Grande revelação do filme, Mélanie Thierry não lembra em nada a aparência física de Duras, mas encarna com maestria a ambiguidade da protagonista: ao mesmo tempo que não mede esforços para salvar o marido deportado, não enterra a decisão tomada pouco antes da sua prisão, de deixá-lo para viver com Dionys Mascolo, amigo do casal.

ADEUS

O centro Maison Rouge, museu privado de arte contemporânea, vai fechar as portas no final do ano.

Aberto em 2004, o espaço tem uma das programações mais interessantes da cidade, sempre preferindo mostrar o que não se via em outras instituições: de coleções particulares raramente expostas a artistas que fogem das tendências do mercado.

Antoine de Galbert, colecionador e mecenas por trás do museu Maison Rouge, achou melhor fechá-lo enquanto está na crista da onda. É lá que acontece uma das exposições imperdíveis da temporada: "Black Dolls", que reúne a coleção excepcional de Deborah Neff.

A advogada norte-americana reuniu, nas últimas décadas, o maior acervo de bonecas afro-americanas feitas à mão em contexto doméstico entre 1840 e 1940. Janela única para entender, através da brincadeira de criança, assuntos relativos à história da escravidão e da segregação racial nos EUA.


Isabel Junqueira, 33, é jornalista.

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