Exposição alimenta debate sobre relevância da ópera na atualidade

Especialistas afirmam que é preciso modernizar o gênero

Resumo Exposição em Londres alimenta debate sobre a importância histórica da ópera e sua relevância artística hoje. Especialistas apontam a necessidade de atualização do gênero, abordando temas políticos atuais e se valendo de tecnologia e plataformas modernas, especialmente para atrair o público mais jovem.


paulo szot com dedo em riste no palco
O barítono brasileiro Paulo Szot durante ensaio da ópera 'Candide' na Sala São Paulo. - Adriano Vizoni - 25.jun.2014/Folhapress

Ao visitar a exposição "Opera: Passion, Power and Politics" (ópera: paixão, poder e política), em cartaz no museu Victoria & Albert, em Londres, o professor Nicholas Till teve sentimentos paradoxais.

A mostra conta a história da expressão artística tida como "a obra de arte total", desde seus primórdios até os dias de hoje. Till, que é diretor de pesquisa sobre ópera na Universidade de Sussex, no sul da Inglaterra, pensou no percurso que acabara de fazer na exposição e ficou preocupado quanto ao futuro dessa forma artística.

"Ao mostrar o quanto a ópera foi central no passado, a exposição me fez pensar no quanto ela não é hoje", disse em entrevista à Folha.

A avaliação do acadêmico encontra forte eco no debate entre pesquisadores da área. Ao longo das últimas décadas, têm sido frequentes os questionamentos e discussões sobre a relevância da ópera em nossos dias, a forma como deveria absorver novas tecnologias e qual é o seu futuro.

A contenda ganhou força no Reino Unido desde o fim de setembro do ano passado com a abertura da exposição em Londres. Nela, o visitante faz uma jornada pela história da ópera munido de um audioguia com sensores que mudam a música de acordo com os locais, as épocas e os temas de cada seção.

É possível acompanhar os quatro séculos de evolução dessa forma artística por meio de sete óperas que marcaram seu tempo. A narrativa começa em Veneza, em 1642, com "A Coroação de Popeia", de Monteverdi; segue para Londres, em 1711, com "Rinaldo", de Handel; vai, então, a Viena, em 1786, com "As Bodas de Fígaro", de Mozart; a Milão, em 1842, com "Nabucco", de Verdi; a Paris, em 1861, com "Tannhäuser", de Wagner; a Dresden, em 1905, com "Salomé", de Strauss; e termina em São Petersburgo, em 1934, com "Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk", de Shostakovich.

MODERNIDADE

A mostra foi aplaudida pelos principais críticos do país por sua abordagem multimídia, atraente e aprofundada do tema. Ao mesmo tempo, ela reforçou o debate sobre a relevância dessa forma artística ao se encerrar em uma sala sobre uma composição russa feita há mais de 80 anos.

Para Till, outras formas de arte, como o cinema, assumiram alguns dos atributos da ópera e a tornaram "redundante": "Cada vez mais, nos últimos 50 a 60 anos, a ópera se tornou uma forma de arte de museu. Ela se mantém viva pela reinterpretação de obras antigas. Composições velhas em empolgantes novas leituras. A ópera ainda é poderosa e emocionante, mas não é mais contemporânea".

Kasper Holten, ex-diretor da Royal Opera House de Londres e um dos idealizadores da exposição, admite que há um problema no "modelo de negócios" da ópera nos dias de hoje, mas defende que ela continua sendo relevante. "Novas obras-primas como 'The Tempest' (a tempestade) [de Thomas Adès, 2004] ou 'Written on Skin' (escrito na pele) [de George Benjamin, 2012] estão sendo montadas. Há um grande apetite pelas novas interpretações, e a ópera se expressa em formas mais diversas do que nunca", diz.

A exposição de Londres até apresenta trechos de composições mais recentes, como "Einstein on the Beach" (Einstein na praia) [de Philip Glass, 1976], mas que não recebem o mesmo peso das montagens mais antigas.

Segundo Holten, existe um foco histórico na mostra, mas sua ambição é mostrar que a ópera sempre foi e continua sendo relevante. "Em um momento em que estamos todos on-line e temos cada vez mais nossas experiências feitas sob medida e individualizadas, a ópera nos dá a chance de nos juntarmos, ao vivo e desplugados, em um espaço onde humanos dedicados e talentosos expressam coisas pelo uso de todos os tipos de expressão artística."

Para Roger Parker, professor do King's College de Londres e autor do livro "A History of Opera: The Last 400 Years" (uma história da ópera: os últimos 400 anos), o grande paradoxo da exposição foi ter jogado luz sobre a relevância e a popularidade que a ópera ainda tem.

"Mesmo que seja cada vez mais uma cultura de museu, com poucas novas obras se estabelecendo no repertório principal, a ópera é uma área de crescimento. Isso deve ter algo a ver com o fato de que a ópera, no seu melhor, é um evento incomparável", disse à Folha.

Quem também defende a atualidade de óperas contemporâneas é Mitchell Cohen, autor do livro "The Politics of Opera - A History from Monteverdi to Mozart" (a política da ópera - uma história de Monteverdi a Mozart). Segundo ele, a composição de obras dramáticas e musicais com temas da política mais contemporânea continua tornando forte a ligação entre ópera e o contexto social dos dias de hoje.

"Desde o século 19, muitos compositores têm usado a política como tema e alcançado grande impacto. 'Nixon in China' (Nixon na China) [de 1987] e 'Doctor Atomic' (Doutor Atômico) [de 2005], ambas de John Adams, por exemplo, tratam de temas muito atuais com histórias inteligentes", disse à Folha.

Para Cohen, entretanto, é difícil prever como o contexto político atual, com aumento da polarização e do populismo, pode influenciar óperas contemporâneas: "Ainda é muito cedo para falar sobre algum possível impacto da política atual em novas composições. Seria muito difícil assistir a uma ópera sobre Trump, por exemplo".

TECNOLOGIA

Enquanto a ópera sofre com problemas ligados a financiamento e renovação de repertório, surgem, em várias partes do mundo, iniciativas que tentam criar uma ponte entre a obra de arte total e novos públicos, buscando especialmente espectadores jovens.

Esse tipo renovação é uma das propostas centrais da Opera North, de Leeds, no norte da Inglaterra. Com apresentações em espaços abertos, em cinemas e transmissões pela internet, a ópera tem sido levada a novos públicos. Em uma dessas iniciativas, um vídeo divulgado on-line mostra o tenor Rafael Rojas cantando "Nessun Dorma", da ópera "Turandot", de Puccini, em um shopping da cidade.

Para o professor Parker, essas inovações tecnológicas talvez sejam a grande contribuição que se pode fazer à ópera hoje pensando no futuro: "Vivemos uma verdadeira idade de ouro. Qualquer pessoa com uma conexão à internet tem disponíveis mais performances operísticas (e informações sobre a ópera) do que em qualquer época do passado".

Ele também defende as transmissões de ópera em cinemas e apresentações de menor porte em casas de show ou até mesmo em bares: "Daqui a cem anos, vamos olhar para trás e ver este como um momento positivo: uma sociedade global, em que alguns segmentos parecem precisar da ópera".

Till concorda com a importância das novas tecnologias para a disseminação da ópera, mas alega que é preciso ir além da simples propagação do formato convencional, passando a "estimular formas apropriadas para as novas plataformas tecnológicas e maneiras pelas quais as pessoas se envolvam com a arte como resultado".

A incorporação de inovações à forma operística não é algo recente, relembra o curador Holten: "A ópera sempre adotou novas ideias e diferentes formas de arte, e continuará a incorporar ferramentas e tecnologias à medida que elas se desenvolvem".

Contudo, ele diz, tudo isso serve a um único propósito: "Treinar a empatia das pessoas ao ser capaz de contar histórias sobre a existência humana de uma maneira única, pela combinação de todas as formas de arte que suportam a voz humana crua e não amplificada".


Daniel Buarque, 36, doutorando em relações internacionais pelo King's College de Londres, é jornalista e autor de "Brazil, um País do Presente" (Alameda).

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