A exposição carnavalesca que deslumbrou Beatriz Milhazes

Artista plástica lembra mostra que trouxe alegorias de escola de samba para dentro da galeria

Beatriz Milhazes

Não sei se por estar escrevendo este texto durante o Carnaval, ou se este período sempre me traz certa melancolia, mas me lembrei imediatamente da mostra "Como Era Verde o Meu Xingu", 1983, galeria Cesar Aché, Ipanema. Era uma exposição individual do inesquecível carnavalesco Fernando Pinto.

beatriz em frente a quadro colorido
A artista plástica Beatriz Milhazes na abertura da exposição "O Círculo e Seus Amigos", em 2013 - Greg Salibian/Folhapress

Como a galeria Cesar Aché era de arte contemporânea, foi bastante ousado convidar um carnavalesco para, como artista, expor suas esculturas –as alegorias que havia criado para o desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel daquele ano. "Como Era Verde o Meu Xingu" foi o tema do desfile.

A galeria estava inacreditavelmente linda. Fernando Pinto era um artista; desenvolveu uma linguagem única para a Império Serrano e a escola de Padre Miguel. Suas esculturas eram conhecidas pelo acabamento impecável. Ele não as fazia para durar o tempo do desfile.

A mostra, na verdade, era uma instalação: ocupando quase todo o espaço útil disponível, as peças ficavam próximas umas das outras e formavam uma floresta –a floresta imaginária de Fernando Pinto.

Exuberância, luxo, liberdade, selvageria plástica, imaginário popular, beleza, contrastes fortes de cor e temas, loucura: uma energia inigualável de uma força que seduz qualquer um, nem que seja por pouco tempo.

Suas obras, mesmo longe daquele momento mágico do desfile, mantiveram-se sólidas e importantes, indo além da artesania e ingressando no mundo da arte.

Cesar Aché tinha uma visão muito contemporânea e acreditava, como os modernistas, que a arte popular é uma arte, e o que diferenciava seus artistas seria a intenção ou, eu diria, a consciência sobre o que se está fazendo.

O fato é que ter ou não a intenção, no caso da arte, não diminui sua qualidade e sua importância.

Naquele 1983, tinha acabado de concluir meus estudos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e estava alugando meu primeiro ateliê, no Horto, em conjunto com mais sete jovens artistas, também egressos da EAV.

Foi Charles Watson que nos levou para ver aquela mostra. Ele havia trabalhado no barracão da Mocidade com Fernando logo que chegou ao Brasil. Para mim, foi impressionante poder ver em outro contexto aqueles trabalhos idealizados para a avenida.

obra em lamê de ouro e florais
Obra feita por Beatriz Milhazes em 1981; segundo a artista, revela sua proximidade com os temas de "Como Era Verde o Meu Xingu" - Manuel Águas e Pepe Schettino

Ao iniciar o desenvolvimento de minha própria linguagem em pintura, eu utilizava os tecidos de Carnaval em conjunto com a tinta.

A Casa Turuna, na rua da Alfândega, era também a minha loja de "materiais de pintura". Minhas composições eram construídas com lamê dourado, tecidos florais e acetinados geométricos (1981-1982).

Queria poder unir o poder cromático, a exuberância, os elementos que convivem no meu ambiente carioca com as questões conceituais da pintura. Charles foi meu principal professor de pintura e pôde compreender minha área de investigação, pois entendia que havia algo novo que eu queria desenvolver.

O Carnaval sempre me fascinou, seja em bailes infantis na companhia de meus pais e irmã, seja assistindo aos desfiles na avenida Presidente Vargas. Em casa, também crescemos escutando de Carmen Miranda a Cartola, vendo os shows do Rosa de Ouro, Pixinguinha, os mestres do samba.

Todo um universo trazido por meus pais em meio à ditadura militar que ocupava o país e esvaziava as atividades culturais.

Era tudo muito ingênuo e feliz. Chegava o Carnaval e havia uma preparação de compra de fantasias, escolha dos bailes e verificação dos horários dos desfiles na avenida. Muitas vezes, meus avós paternos, baianos, e minha avó materna, de origem italiana, nos acompanhavam.

Era sem dúvida um programa de família. Meus pais nunca foram foliões, mas apaixonados pela cultura brasileira –e o Carnaval fazia parte desse espectro. Assim como eles, também não sou foliona, mas me considero uma carnavalesca conceitual, uma artista brasileira que acredita que existe arte séria nos trópicos!


Beatriz Milhazes, 57, é uma das artistas plásticas brasileiras de maior projeção internacional.

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