Dalí levou calote ao construir obra para festa tradicional, mostram cartas

O pintor fez uma das chamadas 'fallas' em 1954, retratando uma tourada surrealista

DIOGO BERCITO

Está na língua do povo: a região das Astúrias, no Norte da Espanha, quer oficializar seu próprio idioma, o asturiano —também conhecido como bable, apesar de os puristas torcerem o nariz para esse termo popular.

O governo tem pela primeira vez maioria parlamentar a favor da medida, apoiada pelo PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), que hoje controla o governo. Essa pode ser uma das questões de maior apelo emocional nas eleições regionais de 2019.

A reivindicação pelo asturiano não é exatamente nova, mas foi renovada após a crise separatista na Catalunha. Depois de independentistas terem realizado um plebiscito e declarado sua própria república com capital em Barcelona, o governo central espanhol passou a se preocupar mais com as demandas de outras regiões com forte identidade cultural, como as Astúrias e a Galícia.

Asturianos não estão pedindo, no entanto, a secessão. Tampouco querem que o ensino seja obrigatoriamente em bable. O pedido é só, por enquanto, que seja aceito seu status de língua oficial ao lado do castelhano.

Desde a transição democrática na Espanha, após a ditadura de Franco (1939-1975), há pressão para que o asturiano seja oficializado. Um dos problemas é que há diversas variações da língua, em parte devido à geografia da região, que separou os falantes.

Segundo a Academia da Língua Asturiana, 25% da população de 1 milhão de pessoas hoje fala, entende, lê e escreve nesse idioma. Já o apoio à oficialização do bable é de 53%, de acordo com a instituição.

CALOTE DALÍ

Já na região de Valência, no Sudeste do país, o debate de março foi outro: a festa tradicional das fallas, considerada desde 2016 pela ONU como um patrimônio imaterial da humanidade.

Comunidades espalhadas pela região, organizadas como escolas de samba, recolhem dinheiro durante o ano para construir coloridos monumentos de madeira e isopor. Ao fim da festa —neste ano, foi de 15 a 19/3— as estátuas são queimadas em um ritual chamado de "cremà".

construção de dalí
Detalhe da falla feita por Salvador Dalí em 1954 - Reprodução/YouTube

Salvador Dalí fez sua própria falla em 1954, retratando uma tourada surrealista, com um touro levitando. Mas cartas inéditas, arquivadas na Biblioteca Nacional e mencionadas pelo jornal El País, registram que ele se indispôs com os organizadores do evento naquele ano.

Segundo os escritos do pintor, a tradicional comunidade da praça do Caudilho demorou a pagar pelo trabalho. "Agora tenho que persegui-los como se fossem ratos", Dalí escreveu a seu primo e advogado, Gonzalo Serraclara.

PRÉDIO DOLLY

No Centro da Espanha, na região de Castilla-La Mancha, o tema-chave do momento foi a clonagem. Não de ovelhas, mas de edifícios.

Dois jovens arquitetos produziram um fotolivro de quase mil páginas registrando como um mesmo ginásio poliesportivo foi copiado dezenas de vezes pela administração regional, à revelia de seu criador. As construções —com formato de paralelepípedo e paredes acinzentadas— passaram apenas por poucos ajustes.

O livro "En Castilla-La Mancha Hay Más de 100 Polideportivos Iguales" (em Castilla-La Mancha há mais de cem poliesportivos iguais) é resultado de uma viagem por 80 mil km² (área maior que a da Paraíba) em busca das construções imitadas a partir do original, feito por Francisco Jurado em Yuncos em 1999. A clonagem seguiu até ao menos 2012.

Segundo a imprensa espanhola, os edifícios foram construídos pelo governo sem avisar o arquiteto, que, por contrato, não tinha controle do projeto nem dos direitos autorais.

ASSOMBRADOS

"Aqui estará meu ser, ainda que / A ilusão lhes diga que eu já parti", diz um poema da espanhola Carolina Coronado de 1848 —mote de uma exposição em cartaz até 13 de maio no Museu do Romantismo de Madri.

salao de festas pintado de vermelho
Foto de baile do século 19 pintada para exposição do Museo del Romanticismo - Carlo Ponti Milán

O museu, inaugurado em 1924 em uma casa do século 18, expõe permanentemente móveis e salas dedicados a recriar a vida no período romântico.

Na mostra "Se Va Mi Sombra, pero Yo me Quedo" (minha sombra se vai, mas eu fico), seus curadores decidiram instalar espécies de fantasmas por entre os aposentos: são 17 fotografias tomadas no século 19 e coloridas à mão, retratando cenas cotidianas como jantares e bailes.

Elas estão escondidas dentro de caixinhas e podem ser vistas por um buraco do tamanho de um olho, como quem espia pela fechadura do passado.

foto antiga pintada de crianças
"Niños con disfraz", (c. 1860), foto pintada para exposição no Museo del Romanticismo - Anônimo/Museo del Romanticismo

Diogo Bercito, 29, é correspondente da Folha em Madri.

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