Leia poema inédito de Régis Bonvicino sobre a nova utopia

Obra integrará livro a ser lançado este ano pela editora Hedra

Régis Bonvicino

SOBRE O TEXTO O poema inédito nesta página integrará um livro do autor, ainda sem título, com previsão de lançamento para este ano pela editora Hedra.

 

pintura
Ilustração - Marcos Garuti

A nova utopia (3)

A nova utopia, se for preciso, mostra os dentes a esmo. Adota táticas de ação de baixo custo. Cria músculos ad hoc para qualquer ato, a qualquer tempo. É - no bom sentido-  histérica. A nova utopia reprova os pensadores em causa própria do Brasil. Um sem-teto, para ela, é sempre uma sucursal imposta por Wall Street. É contra o jogo de palavras meio nazista dolce stil criollo e tropical opacity. Para a nova utopia, tempo é militância e as ervas medicinais brotam das pedras. A nova utopia rejeita versos superfaturados. Art, para ela, é o diminutivo de Arthur, em inglês sórdido. Para ela, diversidade é igualdade e vice-versa. Para a nova utopia, arara preta é araraúna e ave preta é araúna. No fundo, duvida que museus sejam úteis. Quem não está com ela, é - com razão - um chupa pija del Duce. A nova utopia condena, por um lado, a ex-roqueira que se tornou jihadista, mas se assume como o let's rock the future. Dança sob um dah-dum-dah-da. Dedilha, sem guitarra, algumas notas. A nova utopia condena a sedução escatológica mirífica de anjos. Condena, também, um lance de Sodoma & Gomorra high ​tech. No máximo, tolera que seja feito só intramuros. Admite uma aliança com a indiburguesia. Concorda com o provérbio: "A mosCA COme quem se faz de mel". Protesta de pronto online, quando lê a notícia de um cooler, boiando no mar, cheio de cabeças humanas, achado no Cabo San Lucas. Não se arrepende de nenhum post. Não é heroísmo prêt-à-porter. É uma épica do proscrito. É massa de acosso organizada contra o poder. Para ela, todo dia é um dia histórico. É, em termos absolutos, contra o Machiavelli Parking. É, de modo fervoroso, a favor da ocupação legítima da Terra de Marlboro. Defende o exílio-instagram, quando inevitável. Se vê, por outro lado, como um Terceiro Comando Puro. Aceita, em parte, por várias razões, o bandido geek que faz selfie antes e depois do assalto. Releva o rato que só conhece um buraco. Para ela, o mundo é já apenas sombra de si mesmo, sem ponto final. Um epiteto, uma despedida. A nova utopia opta por um túmulo sob o sol. Não mastiga vidas passadas. Protesta, ao vivo, contra a máfia dos papa-defuntos. Não dá voltas em torno de uma única ideia. Não cava sua própria tumba. A nova utopia é, ao FIM, a liberação do homem, do homem agora simples, finalmente verdadeiro, o homem déjà vu.

pintura
Ilustração - Marcos Garuti

Régis Bonvicino, 63, poeta, tradutor e editor da revista Sibila, é autor de "Estado Crítico" (Hedra) e "Página Órfã" (Martins). 

Marcos Garuti, 48, é ilustrador e pintor.

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