Descrição de chapéu Perspectivas

Essenciais para elevar fotografia a arte, clubes têm futuro incerto

Reunião de amantes da arte fotográfica não pode ser simplesmente transposta para uma mídia social, afirma autor

Iatã Cannabrava

Fotoclubista ou fotógrafo amador não passam de diferentes nomenclaturas para a mesma figura: o diletante que se dedica à arte da fotografia por puro prazer, não por ofício. 

Em sua maioria, são profissionais liberais que buscam no fazer artístico uma distração ou mesmo uma forma de reflexão sobre o cotidiano. E foram eles, amadores na fotografia, os responsáveis pela disseminação em massa do fazer fotográfico, muitas vezes seguindo os passos de seus mestres profissionais.

Pelo desejo de fazer parte de um grupo com as mesmas expectativas, eles passam, a partir do início do século 20, a se reunir em fotoclubes. De alguns desses grupos surgiram grandes nomes da arte; mas a maioria de seus membros produziu centenas de imagens cujo paradeiro desconhecemos. 

Foram, contudo, esses diletantes que fizeram o pleito inicial para que a fotografia fosse considerada arte e exibida em museus e galerias. 

Parede do Foto Cine Clube Bandeirante
Parede do Foto Cine Clube Bandeirante - Divulgação

Fundado na cidade de São Paulo, em 1939, o Foto Cine Clube Bandeirante foi responsável pela participação inaugural da fotografia na Bienal de Arte, em 1953. Do Bandeirante saíram fotógrafos brasileiros fundamentais, entre os quais estão Geraldo de Barros, German Lorca e Thomaz Farkas —que realizou suas primeiras séries de fotos autorais depois de ingressar no clube, em 1942, aos 18 anos. 

Num tempo em que se fala de vício em selfies e no Instagram, é importante lembrar que essa mania de registrar tudo e circular essas imagens mundo afora não é coisa do mundo digital.

Ela surge exatamente nos fotoclubes, com seus salões e competições, que possibilitavam que uma mesma fotografia circulasse por mais de dez países. Isso é comprovado pelos boletins publicados periodicamente pelo clube, mas também pelo verso de cada foto —cada exibição representava um selo. 

Por mais de 30 anos, a Kodak divulgou a propaganda “você aperta o botão e fazemos o resto”. Ao promover a popularização da fotografia, a empresa gerou nos fotoclubes uma preocupação em preservar o espaço criativo da fotografia.

É nesse contexto que surge o pictorialismo, movimento que desenvolve um híbrido da fotografia e da pintura por meio da alquimia do laboratório fotográfico, com montagens, sobreposições e perfeito domínio técnico da produção da imagem. 

Esse fenômeno foi o que abriu espaço em muitos fotoclubes para o surgimento da fotografia moderna, em que se promove a desconstrução do referente. Árvores não são apenas árvores e passam a ser construídas num processo único e individual de linguagem fotográfica. Ou seja, a forma passa a importar mais do que o conteúdo, um telhado não é apenas um telhado, mas uma representação de luzes, sombras e intenções das mais criativas. 

Em 2006, o próprio fotoclubismo foi objeto de exposição: a Confederação Brasileira de Fotografia (Confoto) ocupou dois andares inteiros do MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo, para contar sobre o passado e o presente desse “hobby”.

Hoje se pergunta se o futuro do fotoclubismo é esse: virar coisa de museu. Ou, então, se ele poderia se tornar uma nova mídia social ou ser transposto para o formato de uma ferramenta digital. Penso radicalmente que não. 

Isso não seria possível pela importância da estrutura física de clube. Se o interesse da fotografia é essencial para a existência do fotoclubismo, ele também se baseia na vontade das pessoas de participar de um grupo com interesses compartilhados. 

O fotoclubismo do século 21 repousa na criação de espaços híbridos entre as diversas formas de imagem técnica —vídeo, cinema, fotografia e outros— e, ao mesmo tempo, no fomento de uma discussão que não seja pura e simplesmente estética. 

O mais importante, hoje, é o potencial desse processo criativo em embates políticos e de mudanças na sociedade. A imagem é aglutinadora dos movimentos de empoderamento, em todos os âmbitos: do negro, da mulher, das minorias. Ela deve ser vista e usada como uma potente ferramenta. 

O futuro do fotoclubismo está na revolução sem precedentes que os processos de pertencimento, empoderamento e liberação de dogmas estão eclodindo pela cidade, em pontos como o próprio Baixo Augusta, onde está localizado o Bandeirante.

É essencial, também, trazer o diletante para discussões com as quais o fotógrafo profissional de hoje está familiarizado. Como, por exemplo, o movimento da Mídia Ninja, que reuniu milhares de amadores da notícia e da política, detentores de conhecimento das imagens técnicas fazendo o mesmo trabalho que o profissional de primeira linha. 

Se não se integrarem a esse processo, os fotoclubes certamente desaparecerão, como qualquer atividade que não abra os olhos para o moto-contínuo-caótico-político-cultural que vivemos hoje. 


Iatã Cannabrava é fotógrafo e editor. Coordenou o projeto de restauro do Foto Cine Clube Bandeirante.

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