Ignorar violências contra Israel dificulta busca da paz, escreve líder judaico

Fernando Lottenberg responde a texto de Gilberto Gil e Azulay sobre o conflito israelo-palestino

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[RESUMO] Em resposta a artigo de Jom Tob Azulay e Gilberto Gil, autor afirma que olhar somente um lado do conflito israelo-palestino contribui para seu prolongamento, e não para a paz.

 

Embora os judeus, desde a Antiguidade, tenham sempre correspondido a parcela mínima da população mundial, sua história marca e se confunde com a da civilização. O judaísmo foi a base para as grandes religiões monoteístas, e seus fundamentos balizam até hoje códigos morais de grande parte da humanidade.

Há cerca de 15 milhões de judeus e judias no planeta, menos de 0,2% da população mundial. Mas suas contribuições, tanto hoje quanto no passado, são fundamentais nas mais diversas áreas do conhecimento, como atestam, ano após ano, premiações científicas, econômicas e culturais. Trata-se de um povo orgulhoso, realizador e resiliente, mesmo diante de terríveis perseguições.

Entre as principais realizações e orgulhos do judaísmo moderno, se não a principal, está justamente o Estado de Israel, que completa 70 anos em 2018. Por isso, causou tristeza na comunidade judaica brasileira artigo de Gilberto Gil e Jom Tob Azulay, publicado nesta Ilustríssima.

Todos têm o direito de criticar ações do governo de Israel, a começar pelos próprios israelenses, que o fazem intensamente, numa das mais vibrantes democracias do mundo.

Contudo, dado o histórico de perseguições e difamações que afligem esse povo, precisamos estar vigilantes para que críticas bem-intencionadas, mas mal fundamentadas, não acabem fazendo o jogo da mais desabrida versão contemporânea do antissemitismo: o antissionismo, a pregação contra a existência e a legitimidade do Estado judeu.

A identificação de antissemitismo com antissionismo é evidente nos símbolos usados para difamar Israel e, sobretudo, nos ataques crescentes e muitas vezes mortais contra comunidades judaicas no mundo. Mês passado, aqui no Brasil, tentaram incendiar uma sinagoga de Pelotas (RS), na qual foram feitas pichações pró-Palestina.

Gil e Azulay certamente não são antissemitas, mas acabam lhes dando sustentação involuntária ao pôr praticamente só em Israel a culpa pelos conflitos árabes-israelenses e defini-los, em meio a tantas desgraças planetárias, como “o mais grave problema com que se defronta o mundo para a preservação da segurança e da paz”.

Chegam a dizer que “ações unilaterais mormente bélicas” solapam a legitimidade das posições de Israel. Mas, entre outras omissões, não há palavra sobre ações unilaterais inteiramente bélicas de facções terroristas que pregam a destruição de Israel —como o Hamas, grupo extremista que controla Gaza, ou o Hezbollah, no Líbano.

pessoas agachadas com pipas
Manifestantes palestinos preparam pipas com material inflamável para ser jogado no lado de Israel, em foto da última segunda (4) na faixa de Gaza - Ibraheem Abu Mustafa/Reuters

É fundamental ressaltar que uma ação de Israel realmente unilateral foi a retirada de suas tropas de Gaza, em 2005. Pouco depois, o Hamas deu um golpe sangrento contra a Autoridade Palestina e passou a controlar a região, massacrando oponentes e perseguindo minorias, como cristãos e homossexuais.

Em vez de fazerem de Gaza um modelo de desenvolvimento e coexistência, o Hamas e seus apoiadores externos transformaram-na em base de ataques contra civis, obrigando Israel a reagir para proteger sua população, direito de qualquer país.

Gil e Azulay fazem alusão aos quase 60 mortos palestinos nos confrontos de maio, mas deixam de mencionar que 50 eram membros do Hamas, como o próprio grupo admitiu. Essa facção usa cinicamente as vítimas desses confrontos suicidas como troféus para deslegitimar o adversário, retratando os israelenses da mesma forma que a iconografia nazista retratava os judeus.

Foi o que vimos no mês passado, quando a foto de um bebê palestino morto nos braços da mãe ganhou as manchetes mundiais como se fosse vítima da reação israelense à tentativa de invasão de seu território. Pouco depois, as próprias autoridades palestinas retiraram a criança da lista de vítimas, mas a notícia foi relegada a pé de página, se tanto.

Exemplos assim são frequentes na incessante tentativa de deslegitimar Israel. É o velho antissemitismo, em roupagem nova e “respeitável”. Que outro país é vilificado dessa maneira? Contra qual outro país é possível lançar ameaças de destruição total, como se faz contra Israel, desde sua fundação até hoje? 

Voltando à argumentação de Gil-Azulay, a ONU, para eles, deveria ter papel determinante na busca da paz. A mesma ONU que demoniza o Estado judeu. Sua organização cultural, a Unesco, aprovou moções apoiando a ideia de que Israel não tem ligações históricas com Jerusalém, enquanto seu Conselho de Direitos Humanos, com várias ditaduras entre seus membros, tem Israel como alvo permanente de condenações.

O texto de Gil-Azulay afirma ainda que “é inconcebível imaginar um mundo árabe sem judeus, e vice-versa”. É verdade, mas, novamente, o problema é a omissão. Enquanto em Israel há minoria árabe relevante —com representantes no Parlamento e nível de vida superior ao da grande maioria dos países árabes—, centenas de Wmilhares de judeus foram expulsos de praticamente todos os países árabes desde a criação do Estado judeu, apesar de viverem ali em grande número, há séculos.

Houve refugiados, sim. De ambos os lados. Como em outra partilha, da mesma época, no subcontinente indiano.

O fato é que o mundo árabe, por muito tempo, não aceitou um Estado judeu em seu meio —com exceção de Egito e Jordânia, com quem Israel tem acordos de paz duradouros.

É importante conhecer a história. Em 1947, sob o impacto do extermínio de 6 milhões de judeus pelos nazistas, a ONU aprovou a partilha da Palestina em dois Estados, um para os judeus e outro para os árabes, com Jerusalém tendo status de cidade internacional. Os dois lados tinham restrições à partilha, mas a liderança judaica aceitou a determinação da ONU; os árabes a rechaçaram.

Em maio de 1948, um dia antes da saída das tropas britânicas, David Ben-Gurion declarou a fundação do Estado de Israel, mas os árabes não declararam seu Estado. Declararam guerra. E exércitos de cinco países árabes invadiram o novo país.

Após o cessar-fogo, toda a faixa de Gaza e toda a Cisjordânia, além da parte oriental de Jerusalém, onde estão o Muro das Lamentações e as grandes mesquitas, ficaram em poder dos árabes. Novamente, não declararam um Estado em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, mas as transformaram em base de ataques contra Israel. Gaza ficou então sob administração egípcia, e a Cisjordânia, sob controle jordaniano.

Até que, na guerra de 1967, Israel tomou Gaza e Cisjordânia, além da península do Sinai do Egito e as colinas de Golã da Síria, que eram usadas como base para atacar Israel. Mas o júbilo pela rápida conquista, que pela primeira vez deu a Israel trunfos para negociar, foi logo temperado pelas imensas dificuldades materiais e morais do papel de ocupante. 

Os debates internos desde então são duros e intermináveis, e alguns governos israelenses buscaram acordos de paz que garantissem a segurança do país em troca de territórios. São os casos do Egito, que recebeu de volta todo o Sinai, e da Jordânia. 

No novo Oriente Médio, que não mais se pauta pelo eixo binário Israel x árabes, o conflito vai dando lugar a uma crescente cooperação, com países do Golfo se aproximando de Israel. Eles podem ser atores relevantes na construção de uma solução. A liderança palestina, porém, mesmo com ofertas razoáveis e até generosas, não se dispôs até hoje a assinar uma paz de fato e de direito.

Israel, apesar de todas as hostilidades a que um Estado possa estar submetido —guerras, isolamento regional e terrorismo, além de boicote político, econômico, esportivo e cultural—, não só sobreviveu como se tornou um país de alto desenvolvimento, conhecido como “nação startup”, que exibe índices socioeconômicos dos países mais avançados.

Já os palestinos, nessas sete décadas, nunca perderam a oportunidade de perder uma oportunidade.

Todos sabem a fórmula da paz, e ela já foi oferecida por Israel duas vezes desde os anos 1990: dois Estados, garantias de segurança a Israel, ajuda econômica aos palestinos, arranjo internacional em áreas árabes de Jerusalém, troca de territórios. Mas é inegável que o ódio antissionista e a barragem de atos terroristas endureceram os israelenses, assim como as décadas de ocupação endureceram mais ainda os palestinos.

Para encerrar este sofrido conflito, é fundamental entender sua essência: não é um choque entre árabes e judeus, mas entre os que querem a paz e os que querem a guerra, de ambos os lados. Não se trata de combate entre um poderoso opressor contra pobres oprimidos, mas de uma pequena nação de 8 milhões de habitantes, único lar nacional de um povo desde sempre perseguido e atacado, que vive em meio a um mundo árabe composto por 22 países, com mais de 400 milhões de habitantes, em sua maioria hostis.

A conciliação só será possível com a reconstrução da confiança e a atuação de líderes ousados dos dois lados que busquem construir o futuro, e não acertar as contas do passado.

Artistas da estatura do grande Gilberto Gil, que se colocam do lado dos que preferem ver só uma face da questão, acabam, com seu maniqueísmo simplista, contribuindo mais para o prolongamento do conflito que para a sua solução. Quanto maior a hostilidade odiosa e irracional contra Israel, mais difícil será alcançar a paz que desejamos.


Fernando Lottenberg é presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil).

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