Descrição de chapéu Copa do Mundo Memorabilia

Na saída da reabilitação, quis ir primeiro a show da Rita Lee, diz Casagrande

Roqueiro, ex-jogador conta que álbum 'Fruto Proibido' foi decisivo na formação de seu estilo de vida

Walter Casagrande

Nos anos 1970, eu era um adolescente pós-hippie, do movimento chamado bicho-grilo: mesmo comportamento e mesmo visual dos hippies, mas não tão radical. A gente não morava em comunidade, por exemplo.

Éramos apaixonados pela geração dos anos 60. Eu queria ser como eles e, já com uns 12 anos, comecei a me transformar naquilo. Meu cabelo sempre foi grande e usava calça jeans desbotada, havaiana virada ao contrário. Segui isso até 1982, quando tomei minha primeira porrada.

 

Eu integrava a Democracia Corintiana, que era um dos maiores adversários da ditadura. O Corinthians era um time do povo, com muita torcida e jogadores que entendiam de política e batiam de frente.

Queriam destruir aquilo e eu era o alvo mais fácil, por ser adolescente. Era parado por blitz até três vezes por dia, até que, em 23 de dezembro, me acusaram de porte de cocaína. Foi uma puta armação: me pegando com droga, podiam falar que a Democracia não era coisa séria.

Quando isso aconteceu, as críticas ao meu estilo de vida aumentaram muito. Eu já aparecia na televisão, ia a programas de esporte vestido totalmente diferente dos outros e sempre era criticado por isso. 

Nunca quis saber de me vestir melhor, mas, depois daquele episódio, isso passou a me prejudicar muito. Foi ali que me dei conta de que não podia fazer tudo.

Melhorei a maneira de me vestir, passei a ser mais profissional, mas nunca deixei de ter aquela filosofia hippie. No fundo, ainda sou daquele jeito até hoje. 

“Fruto Proibido”, da Rita Lee e Tutti Frutti, foi muito importante para fortalecer esse meu estilo.

Esse, para mim, é o maior disco de rock brasileiro de todos os tempos e devia estar entre os melhores do mundo. A banda, para aquela juventude dos anos 70, um momento em que o rock ‘n’ roll era visto como bandidagem, era o máximo.

Ouvi o disco pela primeira vez logo que saiu, em 1975: tinha um grupo de amigos roqueiros, moleques de uns 13 anos, e passávamos as tardes ouvindo o álbum.

Ele é todo muito bom: Rita Lee é a rainha do rock, mas ela foi acompanhada de uma banda supertalentosa. Sou tão fã dela quanto dos outros: da bateria do Franklin Paolillo, do Luis Sérgio Carlini —considerado um dos maiores guitarristas do país— e do grande baixista que é Lee Marcucci.

“Ovelha Negra” é um clássico, um hino da loucura daquela época. Representa bem o conflito dos jovens com os pais e com a família —toda ela funcional, e só você não é (quer dizer, você também funciona, só que de outra maneira).

Gosto muito também do lado B, das músicas que pouca gente conhece. Ultimamente, a que eu mais ouço é “Cartão Postal”, o único blues que a Rita Lee cantou na carreira dela, pelo que me lembro.

A Rita foi um misturado de tudo. Tinha muito de David Bowie, fez o papel de camaleão do rock no Brasil: aparecia com o cabelo de várias cores, vestida de palhaço, mudava a imagem de um show para outro, até de uma música para outra. De tempos em tempos, se reinventava. Você nunca sabia o que ela ia fazer.

Para ter uma ideia da importância da Rita na minha vida: fiquei internado por causa de drogas em 2007 e 2008 e, quando fui fazer a ressocialização, na primeira saída com o psicólogo, pedi para ver um show da Rita Lee. Queria ver uma pessoa que eu idolatrava.

 

Depois da apresentação, ficamos eu e ela sentados no camarim conversando sobre meu problema com drogas. Ela queria saber tudo o que tinha acontecido comigo. Contei a ela toda a minha história e ela contou a dela para mim. Encontramos muitas semelhanças.

rita casa e hebe
Rita Lee, Walter Casagrande e Hebe Camargo após show da cantora em 2008 - Arquivo pessoal

Toda história de alguém que abusou de drogas e chegou ao fundo do poço é muito parecida. A maior similitude entre nós foi que não morremos. Quando se compara com outros, como Raul Seixas, Jim Morrison e Janis Joplin, você deixa de se reconhecer por causa da morte precoce. Mas, ao ver outra pessoa que passou pelo mesmo que você e também sobreviveu, a identificação é forte.

Hoje, tanto Rita quanto eu temos uma vida mais tranquila. Ela, a rainha dos palcos que fez a trilha sonora da minha adolescência, se reinventou mais uma vez e virou escritora, com uma autobiografia contestadora, polêmica. 

E quem não se interessaria por uma biografia da Rita Lee? 


Walter Casagrande, comentarista de futebol da TV Globo, integrou o elenco da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1986.

Depoimento a Walter Porto.

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