Descrição de chapéu Copa do Mundo

Nome correto é 'Copa do Mundo de futebol masculino', diz professora

Pesquisadora de questões de gênero, britânica afirma que falta falar de sexismo nos gramados

Jayne Caudwell

[RESUMO] Existem diversas iniciativas para combater o racismo e a homofobia no esporte, mas pouco se faz em relação a questões de gênero, sexismo e misoginia. Autora, especialista no tema, lembra que a própria palavra “futebol”, na prática, significa “futebol masculino”. Ela afirma que isso precisa mudar.

Pesquisas recentes identificam presença cada vez maior de gritos de guerra racistas e homofóbicos nos estádios de futebol da Rússia. Os levantamentos foram feitos pela Fare (futebol contra o racismo na Europa, na sigla em inglês), uma organização sediada no Reino Unido que busca "combater a desigualdade no futebol e usar o esporte como meio para a mudança social".

Por sua vez, a Fifa, entidade que comanda o futebol internacional, está ávida por promover a conscientização e combater o racismo no esporte, e diversas federações nacionais, como a Football Association (FA), do Reino Unido, estão se empenhando no combate à homofobia.

Não há dúvidas de que essas medidas são boas, mas não custa perguntar: e quanto às questões de gênero, sexismo e misoginia? À medida que nos aproximamos da Copa do Mundo de futebol masculino de 2018, vale a pena considerar como o "jogo bonito" vem tratando as mulheres e as meninas.

Para começar, futebol tem circulação internacional. Como resultado da globalização, ele é presença evidente na maior parte das regiões do planeta e muitos países o celebram como esporte nacional.

Em geral, porém, esquecemos que "futebol", na prática, significa "futebol masculino". O mesmo se aplica a outros esportes populares. Nosso hábito, por exemplo, é dizer basquete e basquete feminino, críquete e críquete feminino, hóquei no gelo e hóquei no gelo feminino.

Ou seja, essa nomenclatura põe o futebol masculino como norma e o futebol feminino como "o outro". Ainda que seja fácil mudar essa rotina, há poucos acadêmicos, jornalistas e comentaristas que adotam a referência correta a "futebol masculino", e a "Copa do Mundo de futebol masculino".

Ao longo do tempo, as mulheres e meninas vêm sendo tratadas como cidadãs de segunda classe nos muitos mundos do futebol, entre os quais estão o universo de atletas, árbitros, dirigentes e espectadoras.

As histórias sobre o desenvolvimento do futebol na maioria dos países iluminam de que maneira as mulheres e meninas tiveram negado o acesso a campos, equipamento, treinadores, condicionamento, estádios e apoio financeiro.

Esses aspectos são importantes porque possibilitam a participação de atletas, bem como a busca da excelência. Como cidadãs futebolísticas de segunda classe, portanto, mulheres e meninas enfrentam desigualdades materiais quanto ao seu envolvimento ativo no esporte.

Mulheres e meninas que batalharam muito para jogar futebol com frequência encontraram respostas negativas do público geral e da mídia. As esportistas costumam enfrentar uma série de processos discursivos que os sociólogos do esporte identificaram da seguinte maneira: trivialização, sexualização e aniquilação simbólica.

As realizações esportivas de mulheres e meninas são reduzidas por meio de táticas de ridicularização e de referências aos seus corpos como objetos sexuais, e não como sujeitos esportivos.

A mídia acompanha esportes masculinos. Durante a temporada de futebol, a cobertura é dominada por reportagens sobre o futebol masculino. As futebolistas parecem não existir; a imprensa esportiva as oblitera.

Em alguns casos mais extremos, mulheres e meninas foram proibidas de jogar e de assistir a esportes não só como consequência de práticas materiais e discursivas mas também como resultado de violência de gênero. Como vimos recentemente, o esporte não está isento de abusos sexuais, físicos e emocionais.

Enquanto isso, os anfitriões da Copa do Mundo de futebol masculino de 2018 foram criticados por importantes organizações devido a seu histórico de ineficiência no combate à homofobia e ao racismo, mas nada foi dito sobre os abusos de gênero.

No ano passado, o Legislativo russo aprovou um projeto de lei que atenua a criminalização da violência doméstica. No momento, a mídia do futebol masculino destaca a ideologia neonazista, que culmina em gritos de guerra racistas e homofóbicos nos estádios.

Sexismo, misoginia e violência de gênero são esquecidos. Não existem campanhas no futebol internacional em relação a esses tópicos. Os contextos histórico e contemporâneo demonstram que o futebol internacional é dominado, controlado e regulado por homens e para homens.

No cenário mundial, durante os meses da Copa do Mundo de futebol masculino, o envolvimento ativo das mulheres e das meninas no futebol é ignorado. É fácil imaginar que a Copa do Mundo da Rússia venha a continuar desconsiderando o sexismo, a misoginia e as questões de gênero. E, no entanto, o esporte, especificamente o futebol, tem o potencial de estimular a mudança.

Reformas sociais e legislativas tendem a ser um processo lento, que requer indivíduos e grupos dedicados e persistentes. Se trabalharmos juntos contra as estruturas organizacionais e as práticas intransigentes, a mudança é possível.

As mulheres futebolistas jogam em Copas do Mundo, mas a visão geral é que esses eventos são subestimados, e a comunidade internacional não lhes dedica recursos suficientes.

A Copa do Mundo do Canadá, em 2015, por exemplo, foi criticada pela qualidade dos gramados (artificiais) e pelos horários das partidas, que dificultavam o acesso da audiência e da mídia internacional.

Isso precisa mudar.

O primeiro passo para criar um campo de jogo nivelado envolveria redefinir o futebol, de forma a envolver mulheres e meninas plena e positivamente.

O futebol como fenômeno mundial precisa lidar com as questões de gênero, com o sexismo e a misoginia da mesma forma que age ao buscar combater o racismo e a homofobia. E também requer que mudemos a maneira pela qual nos referimos a torneios, campeonatos e ligas para "futebol masculino", quando relevante: Copa do Mundo de futebol masculino 2018. 


Jayne Caudwell, doutora pela Universidade de North London com tese sobre gênero e sexualidade no contexto futebolístico, é professora da Universidade de Bournemouth, no Reino Unido, e autora de estudos sobre futebol e misoginia.

Tradução de Paulo Migliacci.

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