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'O Mestre e Margarida', de Bulgákov, parodia a década de 1930 soviética

Livro é tema do Clube de Leitura Folha na terça-feira (26)

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Gabriel Philipson

[RESUMO] O próximo encontro do Clube de Leitura Folha, na próxima terça (26) às 19h, discutirá o livro "O Mestre e Margarida", de Mikhail Bulgákov. O evento acontece no auditório da Folha (al. Barão de Limeira, 425), com presença do tradutor Irineu Franco Perpetuo, que verteu a última edição do livro direto do russo. A entrada é gratuita e recomenda-se inscrição no site Folha Eventos. No texto a seguir, Gabriel Philipson, doutorando em teoria e história literária, faz uma análise do livro. 

 

Não é fácil definir de que trata “O Mestre e Margarida” (1940), de Mikhail Bulgákov (1891-1940), por vezes considerado o romance russo mais importante do século passado e que influenciou gente tão diversa quanto o cantor Mick Jagger e o escritor Roberto Bolaño.

Escrito e reescrito ao longo de 13 anos até momentos antes da morte do autor, o livro intercala estilos, temas e motivos literários diversos, assim como narrativas que não necessariamente se relacionam –embora não sejam de todo desconectadas. Como pano de fundo, o ambiente soviético da década de 1930.

bulgakov com cigarro
O escritor russo Mikhail Bulgákov (1891-1940) - Reprodução

Em visita a uma Moscou fechada e desconfiada de estrangeiros, o Diabo aparece como Woland, que pode ser encarado pela referência a Mefistófeles, personagem do “Fausto”, de Goethe, e da ópera homônima de Gounod, uma das preferidas de Bulgákov.

Mas também é possível ver nele uma representação paródica de Stálin, ao reencenar de modo fantástico a violência e o autoritarismo do líder soviético.

Essa percepção da multiplicidade de fontes que compõem o personagem Woland revela o emprego, no romance, de uma técnica complexa da paródia. Tradicionalmente, a paródia é o cantar junto ou ao lado —“para” significa junto, ao lado de, e “ode”, cantar, em grego— que provoca uma inversão: uma figura ou um texto trágico se torna cômico, por exemplo.

Entre outros caminhos, pode-se obter esse efeito com a caricatura de algum político, ou, como fez Aristófanes em “As Nuvens”, com a criação de uma personagem cômica e sofista para representar Sócrates.

Em Bulgákov, no entanto, a técnica assemelha-se bastante à bricolagem e ao pastiche. As fontes parodiadas —outros textos, ou também a realidade— são variadas e múltiplas. Nisso, ele ecoa as reflexões de Bakhtin sobre a sátira menipeia (geralmente em prosa, com crítica a atitudes mais do que a indivíduos) e a técnica paródica, por ocasião de sua análise da poética de Dostoiévski.

Se é a partir dessa noção bakhtiniana da paródia que Haroldo de Campos lê o “Fausto”, de Goethe, “O Mestre e Margarida” pode ser considerado um prisma no qual se cruzam a literatura russa —Gógol, Dostoiévski— e a europeia —Goethe, Gounod.

Daí a mesclagem de estilos e de temas no romance. Daí também o efeito de choque e estranhamento provocado no leitor que leva ao questionamento do caráter habitual das coisas.

Não estando claro sobre o que é o romance nem como seus elementos se relacionam, o leitor começa a se perguntar sobre a estrutura e os personagens do livro, para aos poucos também se perguntar se a sua vida faz tanto sentido quanto antes achava que fazia.

Ao mesmo tempo, o desenvolvimento formal do romance não é feito em sacrifício da clareza e do apelo ao público: “O Mestre e Margarida” é extremamente plástico e popular na Rússia e cada vez mais fora dela. Com isso, Bulgákov corrói as estruturas nas quais os poderes institucionalizados se sustentam.

Por essa via é possível pensar o romance histórico dentro do romance escrito pelo Mestre. Ele retrata de maneira realista e peculiar o episódio bíblico de Pôncio Pilatos, ao mesmo tempo ecoando a Moscou soviética visitada por Woland e sendo independente dessa parte. O modo como ele se intercala às outras narrativas no romance não é evidente e foi motivo de reflexão de seus principais críticos.

No final, é recuperado fantástica e escatologicamente pelo gato demoníaco no momento em que Woland afirma que “manuscritos não queimam”. É principalmente por essa frase que o romance seria conhecido mundialmente, até porque conseguiu ser publicado apenas 20 anos depois de sua conclusão, fora da URSS.

A leitura de “O Mestre e Margarida” não poderia ser mais relevante para uma época em que ganham força slogans e formas vazias que atrofiam o pensamento e a liberdade.


Gabriel Philipson, graduado em filosofia pela USP, é tradutor e doutorando em teoria e história literária na Unicamp.

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