Em romance, mulher é capaz de prever quando as pessoas vão morrer; leia

"Os Imortalistas" tornou-se best-seller do New York Times e tem lançamento neste mês pela HarperCollins Brasil

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Chloe Benjamin tradução Santiago Nazarian

[SOBRE O TEXTO] O trecho nesta página integra "Os Imortalistas", que narra cinco décadas da vida de quatro irmãos, nascidos no Lower East Side de Nova York, a quem uma vidente conta as datas de suas mortes. O romance, o segundo da autora, tornou-se best-seller do New York Times e tem lançamento neste mês pela HarperCollins Brasil.

 

Ele ouviu dois garotos conversando semana passada na fila do restaurante chinês kosher em Shmulke Bernstein, onde ele pretendia pegar uma das tortas quentes de creme de ovos que adora comer, mesmo no calor. A fila estava grande, os ventiladores girando na velocidade máxima, então ele teve de se inclinar para escutar os meninos e o que diziam sobre a mulher que havia se mudado temporariamente para o topo de um prédio na Hester Street. Enquanto andava de volta para a rua Clinton, número 72, o coração de Daniel se apertou no peito. No quarto, Klara e Simon estavam jogando Escadas e Escorregadores no chão, enquanto Varya lia um livro na sua cama de cima no beliche. Zoya, a gata branca e preta, estava deitada no aquecedor numa área quadrada de sol. Daniel contou seu plano para eles.

— Não entendo. — Varya apoiou um pé sujo no teto. — O que essa mulher faz exatamente?

— Já te disse. — Daniel era hiperativo, impaciente. — Ela tem poderes.

— Tipo o quê? — perguntou Klara, movendo sua peça do jogo. Ela passou a primeira parte do verão aprendendo o truque de cartas com elástico do Houdini, sem muito sucesso.

— O que eu fiquei sabendo — disse Daniel — é que ela lê a sorte. O que vai acontecer com você, se vai ter uma vida boa ou ruim. E tem mais. — Ele apoiou as mãos na moldura da porta e se inclinou. — Ela sabe dizer quando você vai morrer.

Klara levantou o olhar.

— Isso é ridículo — disse Varya. — Ninguém pode saber isso.

— E se pudesse? — perguntou Daniel.

— Aí eu não iria querer saber.

— Por que não?

—  Porque não. — Varya abaixou o livro e se sentou, balançando as pernas na lateral do beliche. — E se a notícia for ruim? E se ela disser que você vai morrer antes mesmo de ficar adulto?

— Aí mesmo é que é melhor saber — disse Daniel. — Para que você possa fazer tudo antes.

Houve um minuto de silêncio. Então Simon começou a rir, seu corpo de passarinho balançando. O rosto de Daniel se tingiu de vermelho.

— Estou falando sério — disse ele. — Eu vou. Não aguento mais um dia neste apartamento. Eu me recuso. Então, quem vem comigo?

Talvez nada tivesse acontecido se não fosse o auge do verão, com um mês e meio de um tédio úmido sobre eles e um mês e meio ainda por vir. Não havia ar-condicionado no apartamento, e neste ano — o verão de 1969 — parecia que todo mundo estava fazendo alguma coisa, menos eles. As pessoas estavam ficando doidonas no Woodstock cantando "Pinball Wizard" e assistindo a "Perdidos na Noite", que nenhum dos filhos dos Gold podia ver. Estavam protestando em frente ao Stonewall, batendo nas portas com parquímetros arrancados, quebrando janelas e jukeboxes. Estavam morrendo das formas mais horrendas possíveis, com explosivos químicos e armas que podiam disparar quinhentos e cinquenta balas em sequência, seus rostos transmitidos com um imediatismo horrendo na televisão na cozinha dos Gold. "Estão andando na porra da Lua", disse Daniel, que havia começado a usar esse palavreado, mas só numa distância segura de sua mãe. James Earl Ray foi condenado, assim como Sirhan Sirhan, e enquanto isso os Gold jogavam bugalha ou dardos e tiravam Zoya de um cano aberto atrás do fogão, que ela ficou convencida de ser seu lar por direito.

Porém algo mais criou a atmosfera necessária para essa peregrinação: naquele verão eles seriam irmãos de uma forma que nunca seriam novamente. No próximo ano, Varya iria para as Montanhas Catskill com sua amiga Aviva. Daniel estaria mergulhado nos rituais particulares dos garotos da vizinhança, deixando Klara e Simon por conta própria. Porém, em 1969, eles ainda eram uma unidade, juntos como se não fosse possível ser nada além disso.

— Eu topo — disse Klara.

— Eu também — disse Simon.

— Então, como marcamos hora com ela? — perguntou Varya que, aos treze, sabia que nada era de graça. — Quanto ela cobra?

Daniel franziu a testa.

— Vou descobrir.

*

Então foi assim que começou: como um segredo, um desafio, uma saída de emergência que eles usaram para fugir da presença de sua mãe, que exigia que eles pendurassem a roupa lavada ou tirassem a maldita gata do cano do fogão sempre que os encontrava ociosos no quarto. Os filhos dos Gold perguntaram por aí. O dono de uma loja de mágicas em Chinatown tinha ouvido sobre a mulher na Hester Street. Era uma nômade, ele contou à Klara, viajando pelo país, fazendo seu trabalho. Antes de Klara partir, o dono levantou um dedo, desapareceu numa estante dos fundos e voltou com um livro grande, quadrado, chamado O Livro da Adivinhação. Sua capa mostrava doze olhos abertos cercados de símbolos. Klara pagou sessenta e seis centavos pelo livro e voltou para casa agarrada a ele.

Outros moradores da Clinton Street, 72, também sabiam dessa mulher. A Sra. Blumenstein a havia conhecido nos anos cinquenta, numa festa fabulosa, contou ela ao Simon. Ela havia saído com seu schnauzer para a entrada do prédio, onde Simon se sentava, e onde o cachorro prontamente fabricou um cocô do tamanho de uma ração, que a Sra. Blumenstein não catou.

— Ela leu minha mão. Disse que eu teria uma vida bem longa — disse a Sra. Blumenstein, inclinando-se à frente para enfatizar. Simon prendeu a respiração: a Sra. Blumenstein tinha bafo, como se estivesse soltando o mesmo ar de noventa anos que ela havia inspirado quando bebê. — E sabe, meu querido, ela estava certa. 

mulher segura aquário
Ilustração para Imaginação - Veridiana Scarpelli

Chloe Benjamin é uma escritora norte-americana.

Santiago Nazarian é escritor, tradutor e faz roteiros para televisão.

Veridiana Scarpelli é ilustradora e escritora.

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