Olavo Bilac escreveu contos eróticos sob pseudônimo de Bob; leia

Textos integrarão coletânea organizada por Eliane Robert Moraes que será lançada na Flip

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Olavo Bilac

[SOBRE O TEXTO] Os dois contos nesta página foram escritos pelo poeta parnasiano sob o pseudônimo de Bob. Raros e destoantes da obra de Bilac, os textos foram reunidos pela pesquisadora Eliane Robert Moraes para a coletânea "O Corpo Descoberto - Contos Eróticos Brasileiros (1852-1922)", que será lançada na Flip pelo selo editorial do Suplemento Pernambuco.

olavo bilac
O escritor Olavo Bilac (1865-1918) - Reprodução

O Vaso

Oh! o lindo, o lindo vaso que Celina possuía! e com que carinho, com que meiguice tratava ela as flores daquele vaso, o mais belo de toda a aldeia!

Levava-o a toda a parte: e, no seu ciúme, na sua avareza, não queria confiá-lo a ninguém, com medo de que mãos profanas estragassem as raras flores que nele viçavam. Ela mesma as regava, de manhã e à noite; ela mesma as catava cuidadosamente todos os dias, para que nenhum inseto as roesse ou lhes poluísse o acetinado das pétalas. E em toda a aldeia só se falava do vaso de Celina. Mas, a rapariga, cada vez mais ciosa do seu tesouro, escondia-o, furtava-o às vistas de todo o mundo. Oh! o lindo, o lindo vaso que Celina possuía!

Certa vez, (era por ocasião das colheitas) Celina acompanhou as outras raparigas ao campo. A manhã era esplêndida. O sol inundava de alegria e de luz a paisagem. E as raparigas iam cantando, cantando; e as aves nas árvores gorjeando, e as águas do riacho, nos seixos da estrada, murmurando, faziam coro com elas. E Celina levava escondido seu vaso. Não quisera deixá-lo em casa, exposto à cobiça de algum gatuno. E os rapazes diziam: "Aquela que ali vai é Celina, que possui o mais belo vaso da aldeia".

Por toda a manhã, por toda a tarde, a faina da colheita durou. E, quando a noite desceu, cantando e rindo as raparigas desfilaram, de volta à aldeia. Celina, sempre retraída, sempre afastada do convívio das outras, deixou-se ficar atrasada. E, sozinha, pela noite escura e fechada, veio trazendo o seu vaso precioso...

Dizem na aldeia que aqueles caminhos são perigosos: há por ali, rodando nas trevas, gênios maus que fazem mal às raparigas...

Não se sabe o que houve: sabe-se que Celina, chegando a casa, tinha os olhos cheios de lágrimas, e queixava-se, soluçando, de que haviam roubado as flores do seu vaso. E não houve consolação que lhe valesse, não houve carinho que lhe acalmasse o desespero. E os dias correram, e correram as semanas, e correram os meses, e Celina, desesperada, chorava e sofria: "Oh! as flores! as flores do meu vaso que me roubaram!..."

Mas, ao fim do nono mês, Celina consolou-se. Não tinha recuperado as flores perdidas... mas tinha nos braços um pimpolho. E o João das Dórnas, um rapagão que era o terror dos pais e dos maridos, dizia à noite, na taverna, aos amigos, diante dos canecos de vinho:

— Ninguém roubou as flores da rapariga, ó homens! Eu é que lhes fiz uma rega abundante, porque não admito flores que estejam toda a vida sem dar frutos...

pintura em vermelho
Pintura a óleo do artista Guilherme Ginane para contracapa da Ilustríssima - Guilherme Ginane

​​O Diabo

Tinham metido tantas caraminholas na cabeça da pobre Luizinha, que a coitada, quando às dez horas, apagava a luz, metida na cama, vendo-se no escuro, tinha tanto medo, que começava a bater os dentes... Pobre. Luizinha! que medo, que medo que ela tinha do diabo!

Um dia, não pôde mais! E, no confessionário, ajoelhada diante do padre João, abriu-lhe a alma, e contou-lhe os seus sustos, e disse-lhe o medo que tinha de ver uma bela noite o diabo em pessoa entrar no seu quarto, para a atormentar...

Padre João, acariciando o belo queixo escanhoado, refletiu um momento. Depois, olhando com piedade a pobre pequena ajoelhada, disse gravemente:

— Minha filha! basta ver que está assim preocupada com essa ideia, para reconhecer que realmente o Diabo anda a persegui-la. Porque o tinhoso amaldiçoado assim é que começa...

— Ai, senhor padre! que há de ser de mim?! tenho a certeza de que, se ele me aparecesse, eu nem forças teria para gritar...

— Bem, filha, bem... Vejamos! Costuma deixar a porta do quarto aberta?

— Deus me livre, senhor padre!

— Pois, tem feito mal, filha, tem feito mal... Para que serve fechar a porta, se o Amaldiçoado é capaz de entrar pela fechadura? Ouça o meu conselho... Precisamos saber se é realmente Ele que quer atormentá-la... Esta noite, reze, deite-se, e deixe a porta aberta... Tenha coragem... Às vezes, é o Anjo da Guarda que inventa essas coisas, para experimentar a fé das pessoas! Deixe a porta aberta esta noite. E, amanhã, venha dizer-me o que se tiver passado...

— Ai! senhor padre! eu terei coragem?...

— É preciso que a tenha... é precisa que a tenha... vá... e, sobretudo, não diga nada a ninguém... não diga nada a ninguém...

— E, deitando a bênção à rapariga, mandou-a embora. E ficou sozinho, sozinho, e acariciando o belo queixo escanhoado.

— E, no dia seguinte, logo de manhã cedo, já estava o padre João no confessionário, quando viu chegar a bela Luizinha. Vinha pálida e confusa, atrapalhada e medrosa. E, muito trêmula, gaguejando, começou a contar o que se passara...

— Ah! meu padre! apaguei a vela, cobri-me toda muito bem coberta, e fiquei com um medo... com um medo... De repente, senti que alguém entrava no quarto... Meu Deus! não sei como não morri... Quem quer que fosse, veio andando devagarinho, devagarinho, devagarinho, e parou perto da cama... não sei... perdi os sentidos...e...

— Vamos, filha, vamos...

— ... depois, quando acordei... não sei, senhor padre, não sei... era uma coisa...

— Vamos, filha... era o Diabo?

— Ai, senhor padre... pelo calor, parecia, mesmo que eram as chamas do inferno... mas...

— Mas o quê, filha? Vamos!...

— Ai, senhor padre... mas era tão bom, que até parecia mesmo a graça divina... 


Olavo Bilac foi um poeta, jornalista e contista brasileiro (1865-1918). 

Guilherme Ginane é artista plástico.

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