Avaliar desempenho com base em números não funciona, diz especialista

Para o autor, método leva a manipulação de indicadores e inibe iniciativa

Jerry Z. Muller

[RESUMO] Autor argumenta que medir desempenho com base em números não funciona, entre outras razões, por incentivar a manipulação de indicadores e inibir iniciativa, inovação e aceitação de riscos.

 

 

Mais e mais empresas, órgãos públicos, instituições educacionais e entidades filantrópicas estão sob o domínio de um novo fenômeno que defino como fixação métrica.

 
Escritório na zona oeste de São Paulo
Escritório na zona oeste de São Paulo - Alberto Rocha/Folhapress

Os componentes fundamentais da fixação métrica são a crença de que é possível —e desejável— substituir o julgamento profissional (adquirido por meio da experiência e do talento) por indicadores numéricos de desempenho comparativo, baseados em dados padronizados (métricas), e que a melhor maneira de motivar as pessoas é vincular recompensas e punições ao desempenho medido.

As recompensas podem ser monetárias, em forma de pagamento por desempenho, ou podem ser ligadas à reputação, com rankings acadêmicos, avaliações hospitalares, placares cirúrgicos e assim por diante.

O efeito negativo mais dramático da fixação métrica, por sua vez, é a propensão a incentivar a manipulação de indicadores. Ela encoraja profissionais a maximizar resultados numéricos, e de maneiras que muitas vezes contrastam com o propósito mais amplo de uma organização.

Se a incidência de crimes graves em um distrito policial se torna a métrica que determina as promoções dos agentes, alguns deles responderão simplesmente deixando de registrar crimes, ou rebaixando suas ocorrências para delitos.

No caso dos médicos, se a métrica de sucesso e fracasso é divulgada publicamente —o que pode afetar a reputação e a renda do profissional—, alguns podem buscar melhorar seu desempenho estatístico recusando operações em pacientes com problemas graves, nas quais a probabilidade de resultados negativos é maior. Quem sofre com isso? Os pacientes que não são operados.

Quando a recompensa está vinculada à avaliação de desempenho, a fixação métrica é um convite a essa forma de manipulação, mas existem diversas outras consequências negativas, mais sutis.

Entre elas está o deslocamento de objetivos, que surge de muitas formas: quando o desempenho é julgado com base em poucos indicadores e há bastante coisa em jogo (manter o emprego, conseguir um aumento ou gerar alta para as ações de uma empresa num determinado momento), as pessoas se concentrarão em satisfazer esses indicadores —com frequência em detrimento de outros objetivos, mais importantes, que não estão sujeitos a mensuração.

O exemplo mais conhecido disso é "dar aula para a prova", um fenômeno generalizado que distorceu o ensino primário e secundário dos Estados Unidos desde a adoção da lei de educação de 2001, cujo objetivo declarado era "não deixar criança alguma para trás".

Outro impacto negativo é o foco no curto prazo. O desempenho mensurado encoraja aquilo que o sociólogo americano Robert Merton definiu, em 1936, como "o imperioso imediatismo do interesse [...], sob o qual a preocupação dominante do agente com as consequências imediatas e previstas exclui a consideração de outras consequências, diferentes ou posteriores".

Em resumo, promover objetivos de curto prazo em detrimento de considerações de longo prazo. Esse problema é endêmico nas grandes empresas de capital aberto, que sacrificam a pesquisa e o desenvolvimento, assim como o crescimento de seu pessoal, em benefício do que percebem como imperativo: apresentar bons resultados nos balancetes trimestrais.

Ao lado negativo da conta é preciso acrescentar também os custos transacionais da métrica: o tempo gasto pelos empregados encarregados de compilar e processar os dados —isso sem falar no tempo dedicado a lê-los. Como apontam os consultores de gestão heterodoxa Yves Morieux e Peter Tollman, em "Six Simple Rules" (2014), os funcionários terminam trabalhando mais tempo e com mais afinco em atividades que pouco acrescentam à real produtividade da organização, o que mina o entusiasmo.

Em uma tentativa de estancar o fluxo de métricas com erros, adulteradas por manipulação, trapaça e desvio de objetivos, as organizações muitas vezes instituem grande quantidade de regras, mesmo que cumpri-las desacelere ainda mais o funcionamento da instituição e diminua sua eficiência.

Ao contrário do que o senso comum parece indicar, tentativas de avaliar a produtividade pelas métricas de desempenho desencorajam a iniciativa, a inovação e a aceitação de riscos.

Os analistas de inteligência que terminaram por localizar Osama bin Laden trabalharam no problema por anos. Se seu desempenho tivesse sido medido em qualquer momento do processo, a produtividade deles teria sido zero. Mês após mês, eles registravam 100% de fracasso, até que o sucesso chegou.

Da perspectiva de seus superiores, permitir que os analistas trabalhassem no projeto por anos envolvia grau elevado de risco: o tempo investido poderia ter resultado nulo. Mas há momentos em que realizações grandes de verdade dependem desse tipo de decisão.

A fonte do problema é que, quando as pessoas são julgadas com base em métricas de desempenho, elas são incentivadas a fazer aquilo que a métrica mede, e o que a métrica mede será um determinado objetivo estabelecido. Mas isso impede a inovação, que significa fazer alguma coisa ainda não estabelecida, ou, de fato, que ainda nem tenha sido tentada. Inovação envolve experimentação. E experimentação envolve a possibilidade, ou mesmo a probabilidade, de fracasso.

Ao mesmo tempo, recompensar indivíduos pelo desempenho mensurado diminui seu senso de propósito compartilhado, bem como os relacionamentos sociais que motivam a cooperação e a efetividade. Em lugar disso, esse tipo de recompensa promove a competição.

Compelir os membros de uma organização a concentrar seus esforços em um conjunto estreito de características mensuráveis degrada a experiência do trabalho. Sujeitas a métricas de desempenho, as pessoas se veem forçadas a buscar objetivos limitados, impostos por outros, que talvez não entendam o trabalho que a pessoa faz.

O estímulo mental é amortecido quando uma pessoa não decide que problemas ela deve resolver, ou como deve resolvê-los, e não existe empolgação quanto a se aventurar no desconhecido, porque o desconhecido é imensurável. O elemento empreendedor da natureza humana é sufocado pela fixação métrica.

Organizações atreladas às métricas terminam motivando os membros de suas equipes dotados de mais iniciativa a deixar de lado o sistema convencional, no qual prevalece a cultura do desempenho mensurável.

Os professores trocam o ensino público por escolas privadas e mistas. Os engenheiros deixam grandes empresas para trabalhar em pequenos escritórios especializados. Os funcionários públicos mais empreendedores se tornam consultores. Existe um elemento saudável nisso, é claro. Mas as organizações de maior porte de nossa sociedade certamente perdem ao forçar a saída de quem é mais propenso a inovar.

Quanto mais o trabalho se torna uma questão de ticar os quadradinhos da escala de mensuração e recompensa de desempenho, tanto mais ele repelirá as pessoas que pensam de modo não convencional.

Economistas como Dale Jorgenson, da Universidade Harvard, cuja especialidade é a mensuração da produtividade econômica, reportam que o único setor da economia americana no qual a produtividade geral dos fatores aumentou nos últimos anos foi o da tecnologia de informação. A questão que deveria ser proposta a seguir, portanto, é até que ponto a cultura das métricas —com seus custos em tempo de trabalho, moral e iniciativa, e com a promoção do imediatismo— contribuiu para a estagnação da economia.


Jerry Z. Muller é professor de história na Universidade Católica da América, em Washington. Lançou neste ano o livro "The Tyranny of Metrics" (a tirania da métrica).

Este texto foi publicado originalmente no site Aeon (aeon.co)

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