Filme mostra últimos momentos de Tancredo; leia trecho do roteiro

Longa inspirado no livro de Luiz Mir estreia nos cinemas no dia 13 de setembro

Gustavo Lipsztein

[SOBRE O TEXTO] O roteiro nesta página foi escrito para o filme “O Paciente - O Caso Tancredo Neves”, do diretor Sérgio Rezende. O longa, inspirado no livro homônimo de Luiz Mir, estreia no dia 13 de setembro e mostra os últimos momentos antes da data marcada para posse que nunca chegou a acontecer.

 

Ilustração de Isabela Savastano para Ilustrissima - Isabela Savastano

MÃOS DE RENAULT encostam ESTETOSCÓPIO no peito de TANCREDO.
Ouve os batimentos: TUM-TUM. TUM-TUM. TUM-TUM.
 
RENAULT
Os batimentos estão normais.
 
Sentado ao lado de Tancredo, recostado na cabeceira da cama, RENAULT puxa aparelho de pressão. RISOLETA segura a mão de Tancredo. AÉCIO, em pé, AUGUSTO e INÊS MARIA, sentados num sofá, ao fundo.
 
RENAULT (CONT’D)*
Me empresta o braço, presidente.
 
TANCREDO
Devolve depois, tá?
 
Renault coloca aparelho de pressão.
 
RISOLETA
Ele está febril desde ontem à noite.
 
RENAULT
Fizeram bem em me chamar.
 
MÃOS DE RENAULT bombeiam o aparelho de pressão.
 
RENAULT (CONT’D)
O senhor está fugindo de mim desde o Réveillon, presidente. Depois ainda foi para a Europa...
 
TANCREDO
Eu sei. Mas eu não tinha como não fazer a viagem. Precisava da legitimidade internacional para consolidar a vitória.
 
Renault segura o estetoscópio contra o braço de Tancredo enquanto o ar escapa.
 
TANCREDO (CONT’D)
Eu preciso ter voz para fazer o discurso da posse. O Santayana disse que podia cortar um pouco —que o discurso do Abraham Lincoln foi de três minutos e meio. (Rindo; bem-humorado.) Mas eu disse que não sou o Lincoln e pedi pelo menos dez. Então vou precisar de voz.
 
Renault não tira o olho do relógio.
 
RENAULT
O senhor vai ter, presidente. Pressão está normal. Só estou um pouco preocupado com essa febre. Agora, o senhor desencosta um pouco da cama, por favor.
 
Tancredo levanta um pouco o corpo e... IMEDIATAMENTE COLOCA A MÃO NO ABDÔMEN. Seu rosto se contorce.
 
RISOLETA
Tancredo!
 
TANCREDO
Tá tudo bem. É só a “coisa” de novo.
 
RENAULT
A mesma “coisa” do Réveillon?
 
Tancredo acena que sim. Renault leva a mão até a parte direita do abdômen de Tancredo, aperta e... IMEDIATAMENTE, MÃO de Tancredo SEGURA MÃO de Renault! Tancredo sorri para o médico e larga sua mão.
 
RENAULT (CONT’D)
Presidente, como está o intestino?
 
TANCREDO
Desde terça que não funciona.
 
RENAULT
Além do abdômen, o senhor sente dor em algum outro lugar?
 
Tancredo acena que não.
  
RENAULT (CONT’D)
Presidente, esses sintomas são de uma apendicite. Vamos ter que fazer alguns exames.
 
TANCREDO
Impossível. Imagina se me vêem entrando num hospital a dois dias
da posse. A fofocada que isso iria causar.
 
Tancredo se levanta da cama.
 
TANCREDO (CONT’D)
Me dá mais antibiótico e, depois que eu for empossado, a gente examina mais a fundo.
 
RENAULT
Deixa eu, pelo menos, trazer um colega meu, cirurgião, para examinar o senhor.
 
RISOLETA
Quem é?
 
RENAULT
Pinheiro Rocha, o cirurgião da Câmara. Ele é muito bom. Competente. Se eu tivesse que operar, operaria com ele.
 
TANCREDO
Mas eu não vou operar, Renault.
 
RENAULT
Claro que não, presidente. É só para dar uma opinião.

Tancredo olha para Risoleta. Para Aécio, Augusto, Inês.
 
CORTA PARA:
EXT. GRANJA DO RIACHO FUNDO - 
JARDIM

PINHEIRO ROCHA, 55, alto, mais parecendo um esportista ou um militar, é recebido por Renault no portão da granja. Parecem ter grande intimidade, caminham em direção à casa.
 
RENAULT
Ele não quer fazer exames. Disse que aguentou até agora, aguenta até
depois da posse.
 
PINHEIRO
Ele combinou com o apêndice? (respira fundo) Que loucura, hein, Renault?
Encontram AUGUSTO na soleira. A fisionomia de Pinheiro muda e ele estende a mão com simpatia e segurança.
 
PINHEIRO (CONT’D)
Prazer. Pinheiro Rocha.
 
AUGUSTO
Prazer, doutor. Meu pai está esperando.
 
INT. GRANJA DO RIACHO FUNDO - QUARTO TANCREDO
PINHEIRO, com luvas de látex. Atrás dele, RENAULT. Ao fundo, RISOLETA, AUGUSTO e AÉCIO.
Pinheiro se vira para Renault.
 
PINHEIRO
Tá dando nove décimos de diferença. Alguma infecção tem. 90% de chance de apendicite.
(para Tancredo)
Nesse caso vamos ter que operar.
 
TANCREDO se senta e abotoa a camisa. Ao seu lado, RISOLETA.
 
TANCREDO
Já expliquei para o Renault. Eu, como presidente eleito, sou responsável pela estabilidade do país. Estamos num momento delicado, o senhor entende. Há militares da linha dura que ainda não se conformaram. E antes da posse, não podemos contar com nada.
 
RISOLETA
O Tancredo lutou muito para chegar aqui.
 
Tancredo pega a mão dela.
 
TANCREDO
Lutamos, Risoleta. Lutamos.
 
Ela passa a mão no rosto dele, carinhosamente.
 
RENAULT
O senhor precisa ir ao hospital para fazer mais exames.
 
TANCREDO
Não, Renault.
 
Pinheiro assiste a tudo calado.
 
RENAULT
Dona Risoleta...
 
RISOLETA
A decisão é dele.
 
AUGUSTO
Meu pai está certo.
Pinheiro toca de leve no abdômen de Tancredo, que se retrai DE DOR!
 
TANCREDO
Ai!
 
Tancredo, ligeiramente curvado, dá um longo suspiro.
 
RISOLETA
Meu Deus! Tancredo!
 
Pinheiro LEVA DE NOVO A MÃO em direção ao ABDÔMEN de Tancredo
e... TANCREDO SE AFASTA!
Tancredo, sério, olha para todos, contrariado.
 
PINHEIRO
Só os exames, presidente. Ninguém precisa ficar sabendo.

*Abreviação usada em roteiros para identificar quando um diálogo é interrompido por uma descrição de cena e, na sequência, o mesmo personagem continua a falar.

[sobre o texto] O roteiro nesta página foi escrito para o filme “O Paciente - O Caso Tancredo Neves”, do diretor Sérgio Rezende. O longa, inspirado no livro homônimo de Luiz Mir, estreia no dia 13 de setembro e mostra os últimos momentos antes da data marcada para posse que nunca chegou a acontecer.

MÃOS DE RENAULT encostam ESTETOSCÓPIO no peito de TANCREDO.
Ouve os batimentos: TUM-TUM. TUM-TUM. TUM-TUM.
 
RENAULT
Os batimentos estão normais.
 
Sentado ao lado de Tancredo, recostado na cabeceira da cama, RENAULT puxa aparelho de pressão. RISOLETA segura a mão de Tancredo. AÉCIO, em pé, AUGUSTO e INÊS MARIA, sentados num sofá, ao fundo.
 
RENAULT (CONT’D)*
Me empresta o braço, presidente.
 
TANCREDO
Devolve depois, tá?
 
Renault coloca aparelho de pressão.
 
RISOLETA
Ele está febril desde ontem à noite.
 
RENAULT
Fizeram bem em me chamar.
 
MÃOS DE RENAULT bombeiam o aparelho de pressão.
 
RENAULT (CONT’D)
O senhor está fugindo de mim desde o Réveillon, presidente. Depois ainda foi para a Europa...
 
TANCREDO
Eu sei. Mas eu não tinha como não fazer a viagem. Precisava da legitimidade internacional para consolidar a vitória.
 
Renault segura o estetoscópio contra o braço de Tancredo enquanto o ar escapa.
 
TANCREDO (CONT’D)
Eu preciso ter voz para fazer o discurso da posse. O Santayana disse que podia cortar um pouco —que o discurso do Abraham Lincoln foi de três minutos e meio. (Rindo; bem-humorado.) Mas eu disse que não sou o Lincoln e pedi pelo menos dez. Então vou precisar de voz.
 
Renault não tira o olho do relógio.
 
RENAULT
O senhor vai ter, presidente. Pressão está normal. Só estou um pouco preocupado com essa febre. Agora, o senhor desencosta um pouco da cama, por favor.
 
Tancredo levanta um pouco o corpo e... IMEDIATAMENTE COLOCA A MÃO NO ABDÔMEN. Seu rosto se contorce.
 
RISOLETA
Tancredo!
 
TANCREDO
Tá tudo bem. É só a “coisa” de novo.
 
RENAULT
A mesma “coisa” do Réveillon?

Tancredo acena que sim. Renault leva a mão até a parte direita do abdômen de Tancredo, aperta e... IMEDIATAMENTE, MÃO de Tancredo SEGURA MÃO de Renault! Tancredo sorri para o médico e larga sua mão.
 
RENAULT (CONT’D)
Presidente, como está o intestino?
 
TANCREDO
Desde terça que não funciona.
 
RENAULT
Além do abdômen, o senhor sente dor em algum outro lugar?
 
Tancredo acena que não.
  
RENAULT (CONT’D)
Presidente, esses sintomas são de uma apendicite. Vamos ter que fazer alguns exames.
 
TANCREDO
Impossível. Imagina se me vêem entrando num hospital a dois dias
da posse. A fofocada que isso iria causar.
 
Tancredo se levanta da cama.
 
TANCREDO (CONT’D)
Me dá mais antibiótico e, depois que eu for empossado, a gente examina mais a fundo.
 
RENAULT
Deixa eu, pelo menos, trazer um colega meu, cirurgião, para examinar o senhor.
 
RISOLETA
Quem é?
 
RENAULT
Pinheiro Rocha, o cirurgião da Câmara. Ele é muito bom. Competente. Se eu tivesse que operar, operaria com ele.
 
TANCREDO
Mas eu não vou operar, Renault.
 
RENAULT
Claro que não, presidente. É só para dar uma opinião.

Tancredo olha para Risoleta. Para Aécio, Augusto, Inês.
 
CORTA PARA:
EXT. GRANJA DO RIACHO FUNDO - 
JARDIM

PINHEIRO ROCHA, 55, alto, mais parecendo um esportista ou um militar, é recebido por Renault no portão da granja. Parecem ter grande intimidade, caminham em direção à casa.
 
RENAULT
Ele não quer fazer exames. Disse que aguentou até agora, aguenta até
depois da posse.
 
PINHEIRO
Ele combinou com o apêndice? (respira fundo) Que loucura, hein, Renault?
Encontram AUGUSTO na soleira. A fisionomia de Pinheiro muda e ele estende a mão com simpatia e segurança.
 
PINHEIRO (CONT’D)
Prazer. Pinheiro Rocha.
 
AUGUSTO
Prazer, doutor. Meu pai está esperando.
 
INT. GRANJA DO RIACHO FUNDO - QUARTO TANCREDO
PINHEIRO, com luvas de látex. Atrás dele, RENAULT. Ao fundo, RISOLETA, AUGUSTO e AÉCIO.
Pinheiro se vira para Renault.
 
PINHEIRO
Tá dando nove décimos de diferença. Alguma infecção tem. 90% de chance de apendicite.
(para Tancredo)
Nesse caso vamos ter que operar.
 
TANCREDO se senta e abotoa a camisa. Ao seu lado, RISOLETA.
 
TANCREDO
Já expliquei para o Renault. Eu, como presidente eleito, sou responsável pela estabilidade do país. Estamos num momento delicado, o senhor entende. Há militares da linha dura que ainda não se conformaram. E antes da posse, não podemos contar com nada.
 
RISOLETA
O Tancredo lutou muito para chegar aqui.
 
Tancredo pega a mão dela.
 
TANCREDO
Lutamos, Risoleta. Lutamos.
 
Ela passa a mão no rosto dele, carinhosamente.
 
RENAULT
O senhor precisa ir ao hospital para fazer mais exames.
 
TANCREDO
Não, Renault.
 
Pinheiro assiste a tudo calado.
 
RENAULT
Dona Risoleta...
 
RISOLETA
A decisão é dele.
 
AUGUSTO
Meu pai está certo.
Pinheiro toca de leve no abdômen de Tancredo, que se retrai DE DOR!
 
TANCREDO
Ai!
 
Tancredo, ligeiramente curvado, dá um longo suspiro.
 
RISOLETA
Meu Deus! Tancredo!
 
Pinheiro LEVA DE NOVO A MÃO em direção ao ABDÔMEN de Tancredo
e... TANCREDO SE AFASTA!
Tancredo, sério, olha para todos, contrariado.
 
PINHEIRO
Só os exames, presidente. Ninguém precisa ficar sabendo.

*Abreviação usada em roteiros para identificar quando um diálogo é interrompido por uma descrição de cena e, na sequência, o mesmo personagem continua a falar.


Gustavo Lipsztein é roteirista.

Isabela Savastano é ilustradora.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.