Nada justifica chilique de Serena Williams, escreve Martina Navratilova

Para ex-campeã, desigualdade na aplicação de punições a homens e mulheres não legitima ações da tenista

Martina Navratilova

[RESUMO] Veterana argumenta que desigualdade na aplicação de punições a homens e mulheres no tênis não justifica chilique da tenista em quadra.

 

Em parte, Serena Williams está certa; há, sim, um padrão moral duplo inegável quando se trata da punição pelo mau comportamento feminino, e não só no tênis.

Porém, ao bater boca com o juiz na final do Aberto dos EUA, em 8 de setembro, ela também errou. Não acho que seja uma boa ideia aplicar um padrão do tipo “se os homens fazem, então as mulheres também podem fazer”, mas sim tentar encontrar uma forma correta de honrar o esporte e respeitar o adversário.

Recapitulando: o problema começou quando, no início do segundo set, Williams foi advertida por receber instruções. Acontece que a culpa aqui foi de seu próprio treinador: Patrick Mouratoglou estava usando as duas mãos para sinalizar que a tenista deveria se adiantar, e sua atenção foi chamada por isso. 

Embora seja verdade que esse tipo de recurso ilegal seja muito comum e que a maioria dos técnicos faça uso dele, é fato também que, a despeito de tudo o que se disse após os eventos daquele sábado, eles são censurados e os jogadores simplesmente ignoram, sabendo que, a partir dali, têm que se comportar, pois a repetição da infração pode lhes custar o ponto. O atleta é responsável pela conduta de seu treinador. 

Na verdade, é irrelevante se viu ou ouviu as instruções que foram dadas; de qualquer forma, continua sendo uma infração.

Williams não gostou da bronca e deixou o fato bem claro para o juiz, Carlos Ramos. Até aí, nada tão ruim. (É comum também que o árbitro converse primeiro com o jogador —um tipo de “conselho amigo” antes da reprimenda de verdade, para dar ao atleta a chance de “calar” o técnico. Se isso tivesse sido feito, talvez nada do que veio depois tivesse acontecido. Jamais saberemos.)

Foi apenas alguns games mais tarde que a coisa ficou feia de verdade. Williams perdeu o serviço com um placar de 3-1 e destruiu a raquete —o que é uma violação explícita do código de conduta, ainda mais tendo ocorrido depois do aviso, o que resultou na perda automática do ponto.

Williams então resolveu discutir, insistindo que não tinha trapaceado, não tinha recebido instruções e, portanto, não deveria ser punida. 

No entanto, não faz diferença se ela sabia que estava sendo instruída ou não; de fato, estava, como Mouratoglou admitiu após a partida, e se a tenista percebeu ou não é discutível. Àquela altura, já havia recebido um aviso —que não poderia ser simplesmente ignorado retroativamente— e destruído a raquete, o que é uma infração grave e automática. Ramos não tinha outra opção a não ser puni-la com um ponto.

E foi aí que a jogadora realmente começou a perder a cabeça, batendo boca com Ramos. Ela insistia que não tinha trapaceado —o que era perfeitamente plausível, mas irrelevante—, e ele justificava uma decisão que, àquela altura, já não tinha mais o poder de mudar.

Vale notar que Williams já estava bem escolada em relação a essa competição: em 2004, foi prejudicada pelo desempenho inegavelmente péssimo da arbitragem em partida contra Jennifer Capriati. Em 2009, acabou se machucando quando, no match point da semifinal contra Kim Clijsters, perdeu a cabeça com um juiz de linha, levando à penalidade da perda de um ponto que resultou na derrota automática. 

Em 2011, na final contra Samantha Stosur, Williams perdeu um ponto por gritar “Qualé!”, depois de acertar um forehand que parecia tê-la ajudado a recuperar o embalo em um jogo que estava perdendo. E começou a criticar violentamente a juíza, acusando-a de ter um “interior pouco atraente”, sendo penalizada por desrespeitar as regras novamente.

Todo esse histórico no torneio, combinado talvez com a sensação perene de ser uma “intrusa” no esporte —sentimento que conheço bem—, ajudam a explicar por que Williams teve tal reação e, acima de tudo, por que não se conformou. Claro está que ela poderia, mas optou por não fazê-lo.

Grande parte da cobertura se concentrou no que ocorreu quando Williams confrontou Ramos pela segunda vez, exigindo desculpas e chamando-o de ladrão. Ramos optou por uma terceira violação do código, que custou a partida à estrela.

Depois de uma longa discussão, o jogo foi retomado e vencido por Naomi Osaka —no primeiro grande título, seu e do Japão— sob uma chuva de vaias e um drama que, pelo que me lembro, nunca se viu igual em uma final de Grand Slam.

É discutível e difícil saber se Williams teria se safado por chamar o árbitro de ladrão se fosse homem, mas resumir o ocorrido a esse fato é, na minha opinião, perder o foco da coisa. Se, de fato, os homens são tratados de forma diferente pelas mesmas transgressões, então esse padrão precisa ser analisado com cuidado e alterado já. 

Mas não devemos nos avaliar com base naquilo do que achamos que podemos nos safar. Esse é o tipo de comportamento que ninguém deveria ter em quadra.

Houve muitas vezes em que, jogando, tive vontade de esmigalhar a raquete em mil pedaços, mas aí pensei na criançada me assistindo —e me segurei, ainda que de má vontade.

Williams foi absolutamente maravilhosa com Osaka depois da partida. Uma verdadeira campeã, dando o melhor de si; já durante a partida... bom, tudo o que tinha para ser dito já foi. A maneira como Osaka se comportou durante e depois do jogo foi realmente inspiradora.

Mas então, há ou não dois pesos e duas medidas no tênis?

Precisamos fazer uma análise realista e rigorosa de nosso esporte, sem otimismo ilusório e exagerado, e acabar com quaisquer diferenças e preconceitos que possam existir. O tênis é muito democrático, e temos que garantir que permaneça assim.

Entretanto, cabe também aos jogadores um comportamento respeitoso pelo esporte que amamos tanto.

E, sim, todos nós já esperamos o próximo confronto entre Williams e Osaka, torcendo para que o drama se limite a seus saques magníficos e à competitividade ferrenha —com duas atletas que nos mostrem como se joga e que encham o público e o mundo de inspiração.


Martina Navratilova, ex-tenista campeã, é radialista e ativista pelos direitos humanos.

Texto originalmente publicado no New York Times.

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