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Foto de Marilyn melancólica me estimulou a ser fotógrafo, diz Bob Wolfenson

Artista fala sobre imagem da atriz feita em 1957 por Richard Avedon ao fim de uma sessão de fotos

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Bob Wolfenson

A obra do americano Richard Avedon (1923-2004) causou, desde sempre, um impacto grande sobre a minha escolha por ser fotógrafo.

Se a ideia aqui é para que eu eleja uma única obra que tenha me afetado de alguma forma, escolhi uma dele: o retrato da grande estrela Marilyn Monroe feito em 1957.

marilyn triste de vestido de paetê
Retrato de Marilyn Monroe feito por Richard Avedon em 1957 - Reprodução

A coisa é um chute no estômago, um indício de que a vida na ribalta cobra seu preço. Está longe do glamour sorridente e celebrativo que era o tom das publicações sobre famosos (e que na verdade segue vigente até nossos dias).

Fosse um retrato de qualquer um, sua pungência já seria evidente. Mesmo sem considerar o fato de ser Marilyn a retratada, ainda assim estaríamos diante de uma imagem extraordinária. Mas é justamente no fato de ser a atriz que reside a grandeza da fotografia e seu efeito sobre mim.

Olhando em retrospectiva, recordo a primeira vez que vi essa imagem, no livro “Portraits” (retratos), publicado por Avedon em 1976, ainda nos meus tempos de iniciação. Sua melancolia transbordante me tocou. 

Meu anseio naquela época era me tornar um bom fotógrafo de moda e de retratos. E Richard Avedon era o maior retratista de moda de seu tempo, nas décadas de 1950 e 1960, formando uma tríade com os contemporâneos Irving Penn e Helmut Newton —mas talvez dê para considerá-lo ainda maior do que eles.

Tudo me indicava que a fotografia em questão fazia parte de uma sessão para alguma revista, pois todos os signos de glamour que envolvem esses editoriais estão aparentes: cabelo trabalhado, maquiagem feita, vestido de paetê. 

No entanto, na minha percepção de então, eu não sabia em quais condições a fotografia tinha sido criada. Aliás, como quase tudo que envolve essa imagem, só vim a saber agora, quando da pesquisa para escrever este artigo.

E, de fato, o que importava era que a identificação comigo estava feita. Eu começara minha carreira nesta mesma área e, guardadas as devidas comparações, o métier era de fotos produzidas e trabalhadas dentro de premissas controladas. 

Provavelmente essa não deve ter sido a foto escolhida pela revista. As publicações de moda não toleram tristeza —o triste não é lindo para o mercado que exige beleza—, mas o fato de Avedon editá-la em tantos de seus livros mostra sua independência daquele mundo de fotos cosméticas no qual sua persona pública havia se criado e crescido.

Ele conta num relato que faz do encontro (à disposição nos arquivos do MoMA) que esse retrato específico foi feito depois de horas nas quais Marilyn dançava, cantava e flertava com a câmera —ou seja, horas de, como ele mesmo diz, “Marilyn sendo Marilyn”.

Depois que a noite caiu e o vinho branco acabou, veio a inevitável queda de humor. Foi quando Avedon a viu sentada inerte, pueril, sem expressão, num canto do fundo infinito. Ele se aproximou com seu consentimento implícito e a fotografou. E ela não disse não. Ali estava eternizada sua fragilidade e a opressão pelo fato de ter que ser quem era.

Tenho um pôster dessa fotografia na parede do meu escritório. Não me canso de olhá-lo, sua intensidade me intriga. Vejo a estrela sugada e o fotógrafo cúmplice, todos parte do mesmo enredo. 

Fica lá à minha vista, de fruição e de aviso. Para me lembrar também se um dia eu serei capaz de realizar algo desta ordem, à altura desta imensa imagem. Venho tentando.


Bob Wolfenson é fotógrafo; sua obra é objeto de exposição no Espaço Cultural Porto Seguro até 9/12.

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