Livro de autor nigeriano dá voz a espírito que se hospeda em novo corpo; leia

'Uma Orquestra de Minorias', de Chigozie Obioma, será lançado no Brasil em 2019

Chigozie Obioma

[SOBRE O TEXTO]  O trecho nesta página faz parte de “Uma Orquestra de Minorias”, do autor nigeriano que veio ao Brasil pela primeira vez em agosto, durante a 4ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura (Brasília). A editora Globo lança o romance no primeiro semestre de 2019.

ilustração
Ilustração - Edson Ikê

OBASIDINELU...

Aqui estou diante de sua magnificente corte de Bechukwu, em Eluigwe, a terra da luz eterna e luminosa onde a canção perpétua da flauta paira no ar...

Como outros espíritos guardiões, já estive em uwa em muitos ciclos de reencarnação, cada vez habitando um corpo recém-criado...

Vim rapidamente, voando desimpedido como uma lança, atravessando o espaço imenso do universo porque minha mensagem é urgente, uma questão de vida ou morte...

Sei que um chi deve testemunhar ante a você se seu hospedeiro estiver morto e se a alma de seu hospedeiro ascendeu a Benmuo, o espaço limítrofe pleno de espíritos e seres desencarnados de todas as escalas e matizes. E só então você pode requisitar que os espíritos guardiões venham até o lugar onde mora, esta grande corte celestial, para pedir a garantia da passagem segura de nossos hospedeiros até Alandiichie, a moradia dos antepassados...

Fazemos esta interseção por sabermos que a alma de um homem só pode retornar ao mundo na forma de um onyeuwa, para renascer, se essa alma for recebida nos domínios dos antepassados...

Chukwu, criador de tudo, admito que fiz algo fora do comum ao vir aqui neste momento para prestar testemunho enquanto meu hospedeiro ainda está vivo...

Mas estou aqui porque os antigos pais dizem que só trazemos uma lâmina suficientemente afiada para cortar a lenha da floresta. Se uma situação exige medidas extremas, deve-se conceder...

Dizem que o pó está no chão e as estrelas no céu. Que não se misturam...

Dizem que uma sombra pode ser modelada a partir de um homem, mas um homem não morre porque uma sombra o abandou...

Vim interceder em nome de meu hospedeiro porque ele cometeu o tipo de coisa pela qual Ala, a regente da terra, deve buscar compensação...

Porque Ala proíbe que uma pessoa faça mal a uma mulher grávida, seja homem ou animal...

Pois a terra pertence a ela, a grande mãe da humanidade, a mais grandiosa de todas as criaturas, somente abaixo de você, de um gênero e espécie que nenhum homem ou espírito conhecem...

Vim porque temo que ela levante a mão contra meu hospedeiro, conhecido neste ciclo de vida como Chinonso Solomon Olisa...

É por isso que vim logo até aqui para testemunhar tudo que presenciei e persuadir você e a grande deusa de que, sendo verdade o que receio ter acontecido, que seja entendido que ele cometeu este grande crime por engano, sem saber...

Apesar de relatar a maioria dos fatos com minhas palavras, elas serão verdadeiras porque ele e eu somos um. A voz dele é a minha voz. Falar das suas palavras como se ele fosse diferente de mim é como submeter minhas palavras como se enunciadas por outro...

Você é o criador do universo, patrono dos quatro dias — Eke, Orie, Afor e Nkwo — que compõem a semana dos igbos...

A você os antigos pais atribuem nomes e honrarias numerosas demais para contar: Chukwu, Egbunu, Oseburuwa, Ezeuwa, Ebubedike, Gaganaogwu, Agujiegbe, Obasidinelu, Agbatta-Alumalu, Ijango-ijango, Okaaome, Akwaakwuru e muitos outros...

Aqui estou diante de você, ousado como a língua de um rei, para defender a causa de meu hospedeiro, sabendo que ouvirá minha voz... 



Chigozie Obioma, escritor nigeriano, é professor de literatura e escrita criativa na Universidade de Nebraska-Lincoln e autor de “Os Pescadores” (Globo).

Tradução de Claudio Carina, escritor e tradutor

Ilustração de Edson Ikê, ilustrador e designer

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