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Compositoras ganham espaço nas principais orquestras brasileiras

Estudo aponta que só 13% das obras contemporâneas tocadas em 2018 no mundo eram de mulheres

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A apresentação de “Fragmentos”, de Marisa Rezende, pela Orquestra Sinfônica da USP —que ocorre neste sábado (23), na Sala São Paulo— representa um fato muito raro no mundo da música de concerto: a performance da obra de uma compositora.

Mulheres, na música erudita, são tradicionalmente mais aceitas como cantoras e instrumentistas. Não parece possível discutir o lugar já assegurado de algumas divas, paradigmas indiscutíveis de excelência em suas áreas, como a soprano Maria Callas, a pianista Guiomar Novaes ou a violinista Anne-Sophie Mutter.

Na regência, a situação é mais desigual, com as maestrinas ainda começando, lentamente, a abrir seu caminho. As compositoras, por sua vez, estão, em sua imensa maioria, invisíveis e inaudíveis, um fenômeno longe de ser apenas brasileiro.

Em janeiro, o site Bachtrack publicou suas estatísticas de 2018, referentes a um mapeamento de mais de 33 mil concertos, óperas e apresentações de dança no mundo todo. Resultado: apenas 13% das obras contemporâneas tocadas no ano passado foram compostas por mulheres.

Os percentuais variam bastante de acordo com os países: a Suécia ficou em primeiro lugar (37%), mas sociedades tidas como civilizadas e avançadas, como Alemanha e França, registraram apenas 5% cada uma. Estados Unidos e Reino Unido tiveram posição intermediária, com 16% e 17%, respectivamente.

Esses números são relativos a artistas contemporâneas, ou seja, várias delas ainda atuantes no século 21, quando as sociedades em tese deveriam ser igualitárias e as mulheres teriam mais oportunidades do que em séculos anteriores, quando as portas para elas encontravam-se ainda mais fechadas. Há uma longa trajetória de lutas pela frente para que as compositoras, apagadas do cânone histórico, se façam ouvir.

O Bachtrack não disponibilizou dados sobre o Brasil, mas quem acompanha nossa vida musical sabe que aqui estão tradicionalmente ausentes tanto compositoras internacionais —como as alemãs Clara Schumann e Fanny Mendelssohn, do século 19— quanto nossas herdeiras do pioneirismo de Chiquinha Gonzaga —Eunice Katunda e Esther Scliar, por exemplo.

A única vantagem de começar de uma base muito baixa é que não é difícil evoluir a partir dela. Embora continuem francamente minoritárias, as compositoras se fazem representar nas temporadas de algumas das principais orquestras brasileiras neste 2019.

Talvez por comemorar 75 anos em agosto, Marisa Rezende —homenageada, em 2018, na quinta edição do Festival de Música Contemporânea Brasileira, em Campinas— tem sido privilegiada. Na semana de seu aniversário, a Filarmônica de Minas Gerais toca, de sua autoria, “Vereda”, enquanto a Petrobras Sinfônica estreia, no Municipal do Rio de Janeiro, “Liame”, para trombone e orquestra.

marisa rezende
A pianista e compositora Marisa Rezende, que receberá uma série de homenagens - Eduardo Anizelli/Folhapress

A Sinfônica da USP —que, neste ano, será regida por mulheres em três de seus dez concertos— incluiu ainda em sua temporada, em novembro, “Em Memória”, da paulista Silvia de Lucca, 59. E, em seus concertos de música de câmara, vai promover uma parceria com as compositoras que integram o coletivo Sonora.

Já a Osesp —que tem uma mulher, Marin Alsop, como regente titular, e outra, Valentina Peleggi, como regente em residência— programou, na temporada de seu coro, a monja medieval Hildegard von Bingen, do século 12, e inclui nos concertos da orquestra a britânica Roxanna Panufnik, 50, e a australiana Elena Kats-Chernin, 61.

Além disso, para seu evento de maior visibilidade no ano —a execução da “Nona Sinfonia” de Beethoven, como parte de um projeto internacional comemorativo do 250º aniversário de nascimento do compositor alemão—, a Osesp encomendou um adágio para cordas à carioca Clarice Assad, 41.

Em temporadas anteriores, a orquestra já promoveu a vinda ao Brasil da sul-coreana Unsuk Chin (2017) e da russa Sofia Gubaidúlina (2009), ambas radicadas na Alemanha.

Iniciativas como essas ajudam a romper o muro de silêncio que cerca as compositoras, mas estão bem distantes da ambiciosa empreitada recém-anunciada pela Filarmônica de Nova York. 

Para celebrar o centenário da 19ª emenda, ratificada em agosto de 1920, que garantiu direito de voto nos EUA às mulheres, a orquestra criou o Projeto 19, iniciativa para abarcar diversas temporadas, com encomendas de obras a 19 compositoras.

Oito peças estrearão já na temporada 2019/20, seis das quais concentradas em três semanas, em fevereiro do ano que vem. 

Em uma época em que todos os sons do planeta parecem estar ao alcance de apenas um clique, vale a pena buscar na internet as composições de mulheres e começar a esquadrinhar seus mundos sonoros. 

 


Irineu Franco Perpétuo é jornalista especializado em música clássica e tradutor.

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