Democracia é o caminho para combater desigualdades sociais, dizem pesquisadores

Seminário que celebra os 50 anos do Cebrap terminou nesta quinta (16), em São Paulo

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Em meio a mudanças no cenário político, pesquisadores defendem que a democracia ainda é um dos pilares para combater as desigualdades sociais.

No encerramento do seminário que celebrou os 50 anos do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), realizado nesta quinta (16) em São Paulo, os debates versaram sobre tendências do sistema democrático, a problemática da desigualdade e até a influência religiosa na esfera pública.

A necessidade de novos estudos para definir e entender fenômenos recentes ocorridos nesse sistema político foram pontos de destaque na discussão.

Para Pablo Beramendi, da Duke University (EUA), "a democracia é o caminho" para que ocorram mudanças nos pilares que geram as desigualdades. Segundo ele, os países com democracias mais jovens são os que mais sofrem com os problemas da má distribuição de renda, já que o processo é demorado e requer paciência.

O pesquisador afirma que os países começam com diferentes níveis de capacidade de ação, por isso há variações nos índices de desigualdade.

Beramendi, que fez um estudo sobre o tema de forma global, diz que viu alguns avanços no Brasil nos últimos anos, mas não em educação.

"A democracia fez bem para os pobres no Brasil, e isso foi resultado de um mecanismo que se desdobrou em diferentes momentos no tempo. A grande gestão que não podemos deixar de examinar agora, e que poderemos observar neste ano e no próximo, é em que medida as engrenagens desse sistema vão continuar funcionando", afirmou a pesquisadora Marta Arretche.

Os dados analisados por Arretche seguem até 2015. Segundo ela, mostram que o Brasil produziu nos últimos anos inclusão para os mais pobres em diferentes estratos da população.

Pela análise da pesquisadora, nos períodos recentes de crise mais acentuada, houve perdas para todos as classes econômicas, mas os pobres foram os que menos perderam. Isso ocorreu porque, nesses casos, o Bolsa Família --programa federal de distribuição de renda-- serviu com uma espécie de amortecedor.

"O Bolsa Família teve um efeito importante entre as famílias mais vulneráveis. Essas políticas de transferência de renda continuaram e foram reajustadas", afirmou.

A pesquisadora Márcia Lima concorda que, proporcionalmente, as perdas foram menores entre as populações mais pobres, comparadas às classes com maiores rendas. Ela destaca, no entanto, que no caso dos mais pobres as perdas comprometem diretamente o poder de subsistência.

Marta Arretche analisou as políticas desenvolvidas por PSDB e PT durante o tempo em que estiveram no comando do país. Ela afirma que apesar de serem partidos que durante os pleitos eleitorais se posicionaram em lados opostos, ambos mantiveram uma mesma linha na adoção de políticas públicas.

Segundo ela, o PSDB montou alguns pilares, como o SUS (Sistema Único de Saúde), que depois foi ampliado pelo PT, que não desmontou o desenho do governo antecessor. "A estratégia não foi de ruptura, mas de adensamento", explicou.

O problema, segundo ela, é que nenhum dos dois partidos atuou para conter problemas de tributação. "O cobertor era curto, mas eles expandiram gastos com uma receita que não dava conta."

Em meio a questionamentos sobre possíveis soluções para a desigualdade, Marcelo Medeiros, do Ipea, é menos otimista em relação às alternativas atuais. "É impossível que os pobres do mundo alcancem o consumo dos ricos pelo crescimento."

Para o pesquisador, a desigualdade é um assunto cada vez mais relevante, mas é preciso buscar novas formas para combatê-la. "Ao longo de uma única vida humana causamos transformações no planeta que não podem ser repetidas. É um nível inevitável de crise. Se for pela linha do crescimento entramos em colapso", disse.

Marcelo Medeiros afirma que um futuro viável será mais pela distribuição de recursos existentes do que de outros advindos do crescimento.

Movimento crescente no Brasil nos últimos anos, a presença da religião no espaço público foi outro tema colocado em debate.

Paula Montero diz que secularismo deixou de ser algo evidente, e que atualmente as religiões se expressam na política e na vida pública com muita vitalidade. "As religiões tornam-se um problema político importante. Um dos problemas está na noção da neutralidade estatal como princípio político, com a necessidade da regulação do religioso."

Ela explica que a liberdade religiosa da Constituição de 1988 incluiu pequena, mas significa, mudança no artigo que deu margem para o cenário atual. "Foram suprimidas as referências à 'ordem pública', e desapareceram com o limite do que as religiões podem fazer no espaço público."

Para Juan Vaggione (Conicet), há uma influência cultural da igreja nos regimes. "É possível apontar os elementos que a igreja teve e tem na formação de escolas públicas e privadas."

Segundo Vaggione, o ativismo conservador religioso tende a restabelecer o que chamam de "ordem sexual", que consideram uma ameaça. As ações normalmente objetivam o controle da prática e do comportamento das pessoas. Ele diz que nos últimos anos a diversidade de gênero e o feminismo passaram a ser pontos não aceitos e, de certo modo, combatidos pela igreja.

Já em relação aos evangélicos, os detentores de cargos eletivos tendem a ser ainda mais conservadores do que os demais fiéis do segmento religioso.

Como conservadorismo, evangélicos e crise têm sido termos de uso recorrente no país, Ronaldo de Almeida, pesquisador da Unicamp, buscou entender a relação entre os três. Ele diz que é preciso, antes de tudo, perceber que nem todo evangélico é conservador e nem todo conservador é evangélico.

"Tudo aquilo que está sendo chamado de conservador na verdade constitui uma onda conservadora", diz. Almeida também reforça a existência de linhas de forças sociais das quais esses grupos têm aderência, com a tendência moralmente reguladora, socialmente intolerante e o desejo de um sistema de segurança punitivo-repressivo.

Dado isso, Almeida considera que houve alguma mudança significativa a partir de 2013, que reforçou a aliança desses grupos. "Ocorre um advento e mudam o discurso de democracia baseada num discurso da maioria e não de proteção das minorias. O próprio Jair Bolsonaro (PSL) dizia que a vontade da maioria tinha que valer, quem fosse contra que abandonasse", disse.

Para Marcos Nobre, que participou da mesa que encerrou os debates do Cebrap nesta quinta, é difícil explicar 2013 e o sistema político brasileiro que se deu após esse período.

"Depois de junho de 2013, em vez de abrir, o sistema político se blindou e as ruas reais e digitais ficaram sem direção. A Lava Jato passou a representar essa energia difusa, como se fosse realizar o que o Poder Público deixou de fazer. No entanto, o Judiciário não pode fazer reforma política. Isso tudo culminou no colapso", explicou.

O pesquisador considera que a Lava Jato representou avanço e ajustes em ações que estavam distorcidas, mas também interferiu em outros setores que contribuíram com a crise.

Com o avanço da direita no país, Sérgio Costa afirma que os sistemas políticos tornaram-se inócuos. O pesquisador avalia que o cenário atual "clama por uma mudança de paradigma e de novos estudos".

Segundo ele, até mesmo a verdade é colocada em xeque no momento. "Hoje as verdades podem ser livremente construídas, inventadas. Exemplo disso foi o movimento 'Ele não'".

Costa lembra que na ocasião milhares de mulheres se mobilizaram contra o então candidato Jair Bolsonaro, mas que para combater a ação das ruas foram compartilhadas montagens de mulheres de seios de fora e em atos considerados inadequados, o que acabou tirando a força e a visibilidade das ações.

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