É preciso barrar a nomeação de Eduardo Bolsonaro, diz Ruy Fausto

Além de despreparado, filho do presidente representa interesses da extrema direita de Steve Bannon

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Ruy Fausto

A intenção manifestada pelo atual ocupante da Presidência da República de nomear o seu filho Eduardo como embaixador do Brasil nos Estados Unidos provocou uma reação generalizada e justificada por parte de diferentes setores da opinião pública.

Arguiu-se principalmente que ser membro da Polícia Federal e ter sido empregado numa lanchonete nos Estados Unidos não constituem propriamente o currículo ideal para o que é provavelmente o mais alto posto da diplomacia brasileira.

Embaixador do Brasil nos Estados Unidos é posto em geral ocupado por pessoas muito experientes, que passaram por muitas provas de diferente tipo. O nosso policial preparador de sanduíches iria sentar numa poltrona um pouco larga demais para ele.

Além do quê, essas circunstâncias agravam o nepotismo que banharia o ato. Nomear um filho de 35 anos para a embaixada mais importante do país poderia no limite se justificar, se o indicado revelasse qualidades excepcionais. Mas ele está longe disso: não tem certamente o mínimo necessário para ser um embaixador mediano. É um ponto muito abaixo da curva.

Porém, o mais importante é que, apesar da gravidade de tudo isso, da insânia do encaminhamento de um filho pra lá de medíocre para um alto posto do Estado, esse desatino é mistificante. É preciso evitar que Eduardo Bolsonaro se torne embaixador do Brasil nos Estados Unidos não só porque a escolha é nepotista, não apenas porque entre o personagem e o cargo não há nenhum ponto comum, mas por uma razão ainda mais grave.

Eduardo Bolsonaro, como outros personagens que constituem a cúpula do triste grupo que hoje nos governa, é um homem ligado diretamente a Steve Bannon, líder e estrategista da extrema direita dos EUA.

Bannon é um nostálgico da causa confederada, na guerra civil americana, e um admirador de autores fascistas como Charles Maurras, o ícone da extrema direita francesa, condenado por colaboração, e de Julius Evola, um esotérico que propôs seus trabalhos a Mussolini e a Himmler.

Pois bem, Eduardo Bolsonaro (que, de resto, é também muito ligado a Olavo de Carvalho —Bannon e Olavo não estão de acordo sobre tudo, mas suas posições, fundamentalmente, convergem) não tem apenas “algum tipo“ de ligação com Bannon. Ele foi nomeado por Bannon como representante da sua organização –The Movement– para a América do Sul.

Portanto, o representante para a América do Sul do "The Movement", que se disse muito honrado com a nomeação, é atualmente o presidente da comissão de Relações Internacionais e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados! A acumulação desses dois postos é por si só um escândalo.

Pois não basta... O atual ocupante da Presidência do país, pai do personagem, pretende nomeá-lo embaixador do Brasil em Washington. E chegou a declarar, sem mais escrúpulos, que se a nomeação fosse vetada no Senado, ele faria do filho o ministro das Relações Exteriores do Brasil.

(Arguiu, de modo muito convincente, a propósito da indicação para a embaixada: o futuro embaixador tem de ser filho de alguém, por que não filho meu?) 

Que se entenda bem o que está acontecendo. Não se trata apenas do episódio lamentável da nomeação de um homem errado para um cargo muito importante por iniciativa de um presidente arquirreacionário e bronco, alçado ao posto mais alto da República por força de uma série de circunstâncias, incluindo muitos procedimentos notoriamente ilegais.

Significa, se de fato ocorrer, lançar a diplomacia brasileira nas engrenagens de uma internacional neofascista que vai preparando sua dominação através de peças bem-dispostas no tabuleiro do mundo, os Salvini, Trump, Orbán e Kaczinski.

Não se trata apenas de entrega de riqueza nacional a potência ou força estrangeira, como ocorreu no passado e acontece no presente. Trata-se do risco de uma entrega política. E a quem! O Estado brasileiro passaria a ser peão do jogo de uma internacional neofascista.

Ora, se muitos protestaram contra o projeto insano, quantos indicaram seu lado mais grave? Salvo erro, a única pessoa que insistiu no ponto principal foi o embaixador Rubens Ricupero. E não por acaso. Velho conhecedor dos meandros da política internacional, diplomata experiente e lúcido, ele foi direto ao essencial.

Mas parece que a sua palavra não teve grande eco. Diz-se que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, anda negociando o apoio à proposta em troca de cargos da administração, que o pai zeloso ofereceria em beneficio de gente da turma do senador. Afinal, como disse nesta terça (20/8) não quer submeter o filho a um fracasso...

A tentativa de nomear Eduardo Bolsonaro como embaixador do Brasil nos EUA é apenas a última jogada de uma provável presença contínua, embora discreta, do ícone-estrategista da extrema direita americana na política brasileira.

Não se trata de "complotismo". Pouco antes da primeira manifestação pública pró-Bolsonaro, ele se pronunciou sobre ela e seu eventual sucesso (aliás, acertando em parte na previsão), o que mostra que estava bem por dentro da coisa.

Observe-se também o que ocorreu na última manifestação da extrema direita. Houve cartazes e faixas em favor do fechamento do congresso e do STF. Bastantes para que ficasse claro qual o objetivo da manifestação (ela jogava com ambiguidades: uma mobilização pretensamente pró-reforma da Previdência que atacava Rodrigo Maia, e defendia Bolsonaro...). Mas ao mesmo tempo, não numerosas demais, a ponto de produzir escândalo, o que implicaria risco de resistência.

Não diria que, na sutileza perversa das palavras de ordem dessas ultima manifestação, estava o dedo de Bannon. Pode ser, mas isso precisaria ser provado. Certamente, entretanto, estava alguém da sua escola.

O que não seria novidade. Se Bannon instruiu Trump e Salvini, ele instrui também –isso foi confessado com todas as letras– o bando de Bolsonaro.

O episódio da tentativa de nomear Eduardo Bolsonaro embaixador do Brasil em Washington ganha novas cores com a ocorrência de dois fatos importantes nas últimas semanas.

Começo com o mais recente. Eduardo, o próprio, está anunciando a realização em futuro próximo de uma conferência internacional da extrema direita no Brasil. Não sabemos ainda quem virá, mas imaginamos. É mais uma jogada visando fazer do Brasil uma peça importante no xadrez internacional da extrema direita.

Ou preferindo, é mais um lance para abrir o Brasil como território de livre acesso para a propaganda e as conspirações da extrema direita internacional. Imagine-se que o evento é apregoado e provavelmente promovido por alguém que poderá se tornar nada menos do que o embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

O segundo evento é de outra ordem e tem seu lugar imediato fora do Brasil. Mas ele nos interessa de perto, porque ajuda a revelar a significado do que está ocorrendo aqui e o tamanho do risco (apesar das diferenças que existem entre as duas situações –aliás, a brasileira talvez seja a mais grave).

Matteo Salvini, o dirigente da "Liga do Norte" italiana e atual ministro, declara rompida a sua aliança governamental com o movimento “5 Estrelas" e propõe ao primeiro-ministro italiano a convocação de novas eleições.

Se dou destaque a esse fato no contexto dessas considerações sobre a eventual nomeação de Eduardo Bolsonaro é porque a iniciativa de Salvini vinha sendo aconselhada há meses pelo seu mentor político internacional, ninguém menos do que Steve Bannon.

Este reivindicou para si a ideia da aliança da “Liga“ com o movimento “5 Estrelas", mas em seguida –Bannon é um mestre em viragens táticas– ele mesmo propôs, publicamente, a ruptura, que agora Salvini aceita e põe em prática.

Se forem convocadas novas eleições, Salvini pode vir a ser vitorioso, com o que teríamos na Itália um governo de um partido cujo líder imita abertamente Mussolini e que provavelmente chegaria ao poder em aliança com um pequeno partido abertamente neofascista.

Além da gravidade intrínseca do fato, lembro isso tudo não só pelo papel que tem no episódio a figura de Bannon, mas para refletir um pouco sobre o que significa, nesse contexto, a atitude daqueles senadores –principalmente a do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que, parece, está entre eles– que se dispõem a aprovar a nomeação.

Como o autor dessas linhas, Alcolumbre é judeu. Teria ele refletido suficientemente sobre o significado de um voto favorável à nomeação para um cargo tão importante de alguém ligado a uma espécie de internacional extremista de direita, que se empenha em promover, num importante país da Europa, a vitória de um partido cujos laços com o neofascismo são notórios?

Eu recordaria ao senador um fato importante e pouco conhecido, e que nesse contexto tem relevância.

Não estou absolutamente imputando opiniões extremistas ao senador, aliás é precisamente por ele ser insuspeito (é sua inocência que perturba) que ouso perguntar: o senador está a par do fato de que o fascismo italiano contou na sua origem com um número razoável de judeus? Só muito mais tarde, e tarde demais sem dúvida, eles se deram conta do que representava a galera em que tinham embarcado.

Aliás, generalizando ainda o problema, há que refletir sobre o que significa o apoio que recebeu e recebe Bolsonaro em certos meios judeus. Sendo eu mesmo judeu –embora não tenha religião, mas isso importa pouco, o detalhe nunca interessou aos antissemitas genocidas, para eles bastava que a vítima tivesse um avô judeu, eu tenho quatro– não posso deixar de refletir sobre a gravidade de fatos como, por exemplo, a acolhida que teve Bolsonaro, quando proferiu um discurso racista antinegros num clube judeu do Rio de Janeiro.

E hoje não faltam membros da "colônia" que se declaram seus partidários, sem dúvida por causa das suas ligações com Netanyahu e do seu racismo antiárabe... Recordo também a esses senhores, e principalmente a eles, o exemplo dos judeus fascistas italianos. O racismo contra "os outros" acaba se voltando contra "os mesmos".

Para concluir: é preciso evitar que Eduardo Bolsonaro se torne embaixador do Brasil em Washington. Impõe-se, de resto, desde já  –qualquer que seja o resultado da manobra– que ele abandone a Presidência da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.

Que o bravo rapaz volte para a fabricação de sanduíches ou para as noitadas de playboys da zona sul. Objetarão, talvez: se eles perderem a parada, nomearão outros tão ruins para aqueles postos. Que fazer? Recomeçaremos o combate. De qualquer forma, terão sofrido uma derrota.


Ruy Fausto é professor emérito do Departamento de Filosofia da USP e autor de “Caminhos da Esquerda” (Companhia das Letras).

Com agradecimentos a Arthur H. Bernardo.

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