É preciso salvar Amazônia antes que se atinja ponto irreversível, dizem autores

Pesquisadores propõem soluções para impedir que floresta chegue a nível de desmate crítico à biodiversidade

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Paulo Barreto Robert Muggah

Os impactos catastróficos do aquecimento global estão sendo extensivamente cobertos pela mídia. Do Ártico ao Brasil, o circo está pegando fogo.

Estudo recente estimou que o clima mais quente e seco diminuiu a produção de dez das culturas agrícolas mais importantes no mundo. Não se engane: as mudanças climáticas já estão contribuindo para fome, migração e conflitos.

Se por um lado, enfrentamos uma emergência climática sem precedentes, há sinais de soluções. Porém, essas alternativas exigem compromissos inabaláveis, propósitos claros e disrupções em larga escala.

A Bacia Amazônica está no centro do debate sobre as causas e soluções do aquecimento global. Abrange mais de 7 milhões de quilômetros quadrados, é responsável por 40% de todo o estoque mundial de florestas tropicais, 20% do suprimento global de água doce; além de regular chuvas, formação de nuvens e correntes oceânicas.

Como as manchetes do mundo todo estão mostrando, as florestas tropicais estão ameaçadas por incêndios, desmatamento e degradação. Muito disso é resultado da criação de gado, da produção de soja, da mineração e da extração seletiva.

Cientistas estão preocupados porque a Amazônia está perigosamente próxima de um ponto irreversível, no qual as condições se tornarão tão quentes e secas que espécies locais não conseguirão se regenerar.

Se 20 a 25% da cobertura arbórea for desmatada, a capacidade da bacia de absorver dióxido de carbono entrará em colapso. Se isso acontecer, a maior floresta tropical do mundo se tornará seu maior pedaço de mato. Isso não apenas levaria à rápida deterioração da biodiversidade, mas também perturbaria profundamente o processo de evapotranspiração que influencia a cobertura de nuvens e circulação das correntes oceânicas.

Países como o Brasil possuem protagonismo na proteção da Bacia Amazônica. Parte disso por razões geográficas —60% da Amazônia está no Brasil, com o restante dividido entre Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.

Até recentemente, o Brasil tinha um histórico positivo de redução do desmatamento em cerca de 80% entre 2005 e 2012. Isso não aconteceu por acidente, mas por meio de investimentos públicos conjuntos na aplicação da lei, na criação de áreas protegidas que reconhecem os direitos dos povos indígenas e da restrição do crédito rural aos agricultores que cumprem a lei. A moratória da soja produzida em áreas desmatadas depois de 2006 também foi crucial.

Entretanto, esses ganhos tiveram vida curta, uma vez que o desmatamento aumentou em nível exponencial há cinco anos. Uma das razões é que várias grandes empresas agrícolas recuaram, preocupadas com seus lucros sendo cortados pela robusta proteção ambiental brasileira.

O governo e o Congresso da época cederam, perdoando atividades anteriores de desmatamento ilegal em 2012 e reduzindo a quantidade de áreas protegidas. De 2013 a 2018, o desmatamento aumentou em mais de 70%, com muitos donos de terra sentindo-se empoderados e impunes. O desmatamento continuou em ascensão sob a administração do presidente Jair Bolsonaro, que assumiu em 2019.

Então, que medidas podem ser tomadas?

A mais óbvia envolve distribuir punições. Isso inclui impor pesadas multas a companhias com cadeias de suprimentos sujas, estratégias de desinvestimento direcionadas aos maiores violadores, boicotes e campanhas ambientais criticando os envolvidos em atividades ilícitas.

Mas tudo isso exige mais investimentos na detecção científica do desmatamento ilegal e aplicação das leis relacionadas a crimes ambientais. A chave é reduzir a apropriação e o uso improdutivo da terra. Com isso, pode-se diminuir o desmatamento e, simultaneamente, aumentar o valor da produção agrícola através do acréscimo de produtividade em áreas desmatadas subutilizadas.

Os setores públicos e privados também podem incentivar o uso sustentável da terra e a conservação da floresta. É essencial expandir o apoio político e financeiro para governos progressistas e grupos da sociedade civil que promovem a sustentabilidade.

A coalizão pelo clima, silvicultura e agricultura é um bom exemplo, ao defender parcerias públicas e privadas para conter o desmatamento, estimular a restauração e a eficiência da terra. A coalizão inclui bancos, grupos de embalagem de carne bovina, produtores agrícolas e proprietários de terras comprometidos com práticas comerciais mais sustentáveis, mesmo porque credores internacionais exigentes esperam cadeias de suprimentos mais ecológicas.

Embora seja apenas parte da solução, há sinais encorajadores de novos esforços para financiar o agronegócio sustentável. Veja o caso do Responsible Commodities Facility, apresentado pela Bolsa de Londres. É o primeiro esquema do mundo para concessão de linhas de créditos com juros baixos para a produção sustentável de alimentos.

Agricultores que usam pastagens degradadas e evitam derrubar florestas para agricultura terão acesso a até 1 bilhão de dólares nos próximos quatro anos para plantar cerca de 190 milhões de toneladas de soja e milho. A iniciativa também busca proteger e restaurar até 3,7 milhões de quilômetros do cerrado brasileiro —também sob ameaça— para reduzir 250 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono.

Enquanto isso, a empresa chinesa Cofco International, uma gigante da agricultura, uniu forças com 20 bancos para emitir um mecanismo de financiamento de 2,1 bilhões de dólares para apoiar a sustentabilidade. O objetivo é promover o abastecimento sustentável de soja e reinvestir no reflorestamento e proteção de terras na Amazônia.

Outras empresas, como Olam e Louis Dreyfus, também concordaram em renovar acordos semelhantes de financiamento à sustentabilidade, avaliados em mais de 750 milhões de dólares. 

Por fim, a indústria de carne bovina é fundamental para reduzir o desmatamento, dado que 80% das áreas desmatadas sob uso agrícola são cobertas com pastagens. Muitos importadores e exportadores internacionais desejam esverdear suas cadeias de suprimentos para evitar a reação global dos consumidores.

Embora ainda em estágio inicial, a Marfrig Global Foods, uma das maiores produtoras mundiais de carne bovina, lançou recentemente títulos de sustentabilidade. A empresa oferece 500 milhões de dólares durante uma década para reunir um grande número de bancos e apoiar investimentos para evitar desmatamento e reduzir as emissões de carbono.

A Marfrig já lançou diversas iniciativas para encorajar fornecedores a adotar práticas de zero carbono e certificar produtos com a Rainforest Alliance. Mas para o sistema funcionar garantias de rastreabilidade são essenciais.

Os produtores domésticos de carne no Brasil também são cautelosos, já que as grandes redes que vendem seus produtos —Carrefour, Casino, Walmart e outros— são de propriedade estrangeira (e estão comprometidas com padrões de carbono zero).

Por fim, o destino de nosso clima e dos ecossistemas depende do que acontecerá a seguir na Amazônia.

O Brasil mostrou como o desmatamento pode ser rapidamente reduzido através de uma combinação de políticas públicas e privadas. As perspectivas de mudança do governo são incertas. Pelo contrário, a atual liderança política do Brasil afirmou que pretende ampliar a exploração da Amazônia para gado, minerais e madeira.

O presidente e o ministro do Meio Ambiente também são hostis à ciência climática, tendo recentemente demitido o chefe do instituto espacial responsável por monitorar o desmatamento.

Um número crescente de governos estrangeiros e coalizões comerciais domésticas temem que as políticas do governo estejam colocando a Amazônia em risco. Após meses de farpas com as autoridades brasileiras, Noruega e Alemanha adiaram as contribuições para o Fundo Amazônia, de US$ 1 bilhão.

O presidente da França e a chanceler da Alemanha também descreveram a situação na Amazônia como uma "emergência aguda", exigindo que ela estivesse no topo da agenda do G7.

Enquanto isso, no Brasil, os presidentes do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e da Associação Brasileira do Agronegócio criticaram as propostas do governo de abrir áreas protegidas, sendo que a Abag chamou a iniciativa  de “desastre sem proporções”. A Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), que responde por mais de US$ 10,7 bilhões em exportações, está preocupada com o fato de que a reputação do país pode ser irremediavelmente danificada.

Um número crescente de políticos e líderes empresariais reconhecem que o futuro depende de uma abordagem mais proativa para proteger a Amazônia.

Por exemplo, vários governadores estaduais rejeitaram as medidas do governo federal, pediram a descentralização da ajuda internacional para os estados e defenderam mais cooperação para proteger os recursos da Amazônia.

Oito ex-ministros do Meio Ambiente e um ex-ministro da Agricultura se opuseram às propostas do presidente. E depois que as políticas do governo foram criticadas por grupos de mídia internacionais como The Economist, New York Times e Financial Times, grupos locais se sentiram mais encorajados a avançar.

Os brasileiros também parecem estar cada vez mais receptivos a uma abordagem mais sustentável para proteger a Amazônia.

Pesquisas de opinião mostraram que a população é a favor da conservação das florestas e respeita os direitos dos povos indígenas: mais de 96% deles acreditam que o governo precisa tomar medidas mais incisivas para evitar o desmatamento ilegal e 86% se opõem à abertura de áreas protegidas à exploração.

No início deste mês, vários senadores retiraram uma proposta para encerrar a "reserva legal" diante da crescente pressão do público. Nesta semana, o presidente do Congresso disse que estabeleceria comissões para lidar com incêndios na Amazônia e propor soluções. Embora seja desafiador levar o Brasil de volta ao caminho da sustentabilidade, os custos de não fazê-lo podem ser incalculáveis.


Paulo Barreto é pesquisador associado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia e Robert Muggah é diretor de pesquisa do Instituto Igarapé.

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