Animais ajudam a explicar por que pessoas se tornam caretas

Envelhecimento tende a reduzir capacidade das pessoas em experimentar novos hábitos

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[RESUMO]Envelhecimento tende a reduzir a capacidade das pessoas em experimentar novos hábitos, acomodação que pode ser quebrada por rupturas graves ou, como sugere o neurologista Robert Sapolsky, pelo esforço de readquirir o gosto por novidades.

Talvez você já tenha se dado conta de que nos últimos anos as novidades já não entusiasmam como antes.

Você tem ouvido menos músicas? Resiste a ir a restaurantes que não conhece ou a experimentar novidades gastronômicas? Sua curiosidade artística está cada vez mais parecida com a de seu avô? Se você já não é mais aquela “metamorfose ambulante” do passado, prepare-se: sua cabeça está envelhecendo.

O que fazer, então, para se manter sempre jovem, ao menos intelectualmente? Tomar um choque na vida é uma boa medida. Reportagem da Ilustrada mostrou recentemente que quando as pessoas passam por separações amorosas, começam a curtir músicas que jamais tinham ouvido antes —não só canções, mas gêneros musicais inteiramente novos. 

A pesquisa feita pelo instituto inglês 3GEM, por encomenda da plataforma de streaming Deezer, revelou que 66% das pessoas trocam o repertório musical depois de uma separação; o número é ainda maior no Brasil, 70%, o que nos faz o “país da sofrência”, segundo a Folha.

Não é apenas a “dor de corno” que reabre nosso gosto para o novo. Mudar de um emprego que se tornou parte de sua personalidade tem um impacto tão grave quanto. São rupturas que dão uma espécie de choque neuroestético, que funciona como um “control-alt-del”: “reseta” o sistema operacional de nosso cérebro e deixa a mente aberta a novidades, quase como uma mente que “saiu de fábrica”, por assim dizer.

Pelo menos é o que afirma o cientista norte-americano Robert M. Sapolsky, um neurologista best-seller, conhecido pela criatividade de suas pesquisas e publicações com títulos provocativos. “Por que as Zebras Não Têm Úlcera” (Francis) é um de seus livros; “Memórias de um Primata” (Companhia das Letras) se refere a ele mesmo. 

robert e babuino
O professor e neurocientista americano Robert M. Sapolsky - Lisa Sapolsky/The New York Times

Desde abril de 2017, sua palestra denominada “The Biology of Our Best and Worst Selves” (a biologia do melhor e do pior em nós) já teve 1,7 milhão de visualizações na plataforma TED; outra, “The Uniqueness of Humans” (A unicidade dos humanos), teve 617 mil, desde 2009. 

Nascido em 1957, ele vem se firmando como autor de ensaios de ciência de ponta mastigados para o grande público. Galopa sua zebra na trilha aberta por outro cientista pop, Oliver Sacks (1933-2015), autor que também contava histórias de neurologia clínica com títulos curiosos como “O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu” (Companhia das Letras). 

Sapolsky é um cientista clássico: faz de dúvidas cotidianas tema de pesquisa e com elas dá respostas para desafios do homem moderno. Nos babuínos, ele estuda comportamentos humanos. Foi com eles (e outros animais) que entendeu uma das mais disseminadas doenças do milênio, o estresse. 

Sua conclusão: o homem moderno precisa aprender com as zebras. “Só se estressam quando enxergam um leão na savana. Então, usam todas as forças e possibilidades de seu organismo para fugir do predador. Passado o perigo, cessa o estresse”, explicou à Folha numa entrevista em 2006. 

Professor de ciências biológicas e neurologia na Universidade Stanford, na Califórnia, ele encontra na etologia (estudo de comportamentos humanos nos animais) informações que iluminam suas análises sobre o homem. Para isso, já fez mais de 30 viagens à África para observar durante o verão uma mesma população de babuínos. Suas obras são estudos muito humanos de comportamento animal ou formas muito zoológicas de estudar o comportamento humano.

Decorre de sua herança judaica uma outra mania, a de atribuir aos macacos que observa o nome de personagens do Velho Testamento (a Bíblia judaica). Parece ironia, mas é completamente coerente: ele encontra nos primatas os comportamentos arquetípicos que os antigos consubstanciavam nos personagens dos livros clássicos. E quando vê um animal comportar-se como um patriarca bíblico, sapeca seu nome a ele. 

Respostas científicas e racionais a curiosidades simples são características de seu trabalho. Depois de estudar o estresse, Sapolsky foi fisgado por uma dúvida relativa a um mal tão disseminado quanto ele, que certamente causa um dano terrível à estética do planeta. 

Por que as pessoas ficam caretas ao longo da vida? Porque sua capacidade de adotar novos hábitos e saborear novidades vai se reduzindo com o passar do tempo, como janelas que se fecham. 

Se isso é uma espécie de destino inexorável relacionado ao envelhecimento, por que outros indivíduos parecem ser sempre jovens intelectualmente? Por que as “janelas” de uns se mantêm abertas, enquanto as de outros se fecham? O resultado foi o texto “Quando perdemos o gosto pelo novo?”, que publicou na revista The New Yorker em 1997.

Sapolsky se deu conta de que um assistente em seu laboratório trabalhava todo o tempo ouvindo música, mas sempre um gênero musical diferente. 

“Um dia era música jovem, no dia seguinte era Beethoven. Música tradicional da Irlanda dava lugar a cantos gregorianos e, então, Shostakovitch, John Coltrane, sucessos de orquestras, Yma Sumac, árias de Puccini, Philip Glass e folclore judaico da Europa do Leste. Ele gastava os salários de seu primeiro emprego numa exploração metódica de diferentes estilos musicais, ouvindo-os com atenção e formando opinião —odiava algumas coisas, mas amava o processo todo. Me irritava como sua mente era aberta, receptiva à novidade”, conta Sapolsky.

Se o jovem assistente era a própria metamorfose ambulante, seu chefe era o contrário. “Aos 40 anos, ouço música constantemente, mas não consigo me lembrar da última vez que ouvi um novo compositor. E enquanto adoro a obra de Mahler, hoje ouço só duas de suas sinfonias. O mesmo acontece com o reggae; é sempre a mesma trilha confiável com os grandes sucessos de Bob Marley.” 

Diante desse desconforto, em vez de dizer “cada um tem um gosto”, Sapolsky decidiu realizar uma pesquisa. Baseou-se parcialmente nos estudos de primatas: a observação de um grupo de babuínos deslocado de sua área de origem por agricultores. Ao migrar para uma zona onde os alimentos eram diferentes, os jovens se adaptaram mais rápido, enquanto os velhos passaram fome. Ele assim consolidou a hipótese de que ao longo da vida as pessoas se fecham para novidades nos diversos sentidos e gostos.

Passou a procurar nichos específicos dentro dos EUA em que pudesse datar o início do surgimento de uma moda estética. Uma rádio que nasceu tocando música jovem em certo momento e continuava a reproduzir o mesmo estilo, um pioneiro estúdio de tatuagens, por exemplo.

Em todos os casos, o público original era formado por jovens. Dependendo do tipo de gosto, a “janela” de abertura se fecha em uma idade diferente: em torno de 30 anos para a música; cerca de 25 para estilos de comida; piercing é adotado por jovens de 18 a 23 anos e assim por diante. 

Enquanto o tempo passava, contudo, aquelas mesmas pessoas seguiam formando o público predominante dos lugares; à medida que envelheciam, mantinham-se fixados no hábito adquirido na juventude. “Velhos deputados conservadores hoje usam brincos nas orelhas”, diz, referindo-se a um hábito que foi introduzido nos EUA dos anos 1970.

O texto relaciona situações que fazem abrir novamente as “janelas”. E elas são todas decorrentes de mudanças drásticas de rotina, especialmente, ele cita, de trabalho. É até natural, se pensarmos que o emprego ocupa mais tempo da vida do que todas as outras atividades. 

No entanto, as mudanças que reciclam não são só passivas. “Penso que vale a pena lutar contra o que quer que seja que nos afaste da novidade, mesmo que isso signifique esquecer o melhor de Bob Marley, de vez em quando”, conclui. 


Leão Serva, ex-secretário de Redação da Folha, é diretor de jornalismo da TV Cultura e pós-doutorando em neuroestética das imagens na ESPM.

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