Roberto Schwarz e eu corremos caminhos próximos, conta Beatriz Sarlo

Crítica cultural argentina relembra o impacto das ideias do colega brasileiro em sua produção

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Beatriz Sarlo

Em janeiro de 1980, eu estive na célebre reunião de Campinas (SP), na qual Antonio Candido e Ángel Rama traçaram o mapa de um comparatismo de novo tipo. Ali eu conheci Roberto Schwarz. Foi minha primeira vez em São Paulo e Roberto e [sua esposa] Grecia me convidaram para ficar alguns dias na casa deles. 

Ocupei o gabinete de Roberto. Impressionou-me a solidez de sua formação marxista, incluindo a escola de Frankfurt, que eu, então, conhecia bem pouco. Roberto e Grecia me levaram para almoçar com seus amigos e este foi o meu primeiro contato demorado com os intelectuais brasileiros de primeira linha. Eu me senti em casa. A generosidade intelectual de Roberto não conhecia a competição. E Grecia dava cor a tudo com sua simpatia.

A escritora argentina Beatriz Sarlo na Flip, em 2015
A escritora argentina Beatriz Sarlo na Flip, em 2015 - Zanone Fraissa/Folhapress

No ano seguinte, Roberto esteve em Buenos Aires e comemos em minha casa, discutindo os caminhos que a democracia tomaria na Argentina, quando a ditadura já estava em retirada. Depois nos vimos muitas vezes, a cada ocasião que eu visitava São Paulo.

Em 1986, publiquei na Punto de Vista [a revista que editava desde 1978], um ensaio de Roberto que pareceu fundamental para muitos de nós: “Nacional por Subtração”. 
E, nessa mesma revista, apareceu um artigo sobre o famoso seminário sobre “O Capital” do qual Roberto havia participado, juntamente com Francisco Weffort, Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer e José Arthur Giannotti. Um seminário mítico para muitos que invejavam de longe essa reunião de intelectuais.

Quando Roberto me levou para visitar o Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento], todas as imagens da minha fantasia reviveram. Havia chegado, enfim, a conhecê-los.

O primeiro texto que li de Roberto foi o hoje clássico “Ao Vencedor as Batatas”. Seu primeiro capítulo, “As Ideias Fora de Lugar”, virou o centro de muitas discussões nos últimos anos da ditadura argentina. Lembro-me de uma reunião em Buenos Aires em que discutimos esse texto, que conhecíamos do livro publicado em 1977. 

“As Ideias Fora do Lugar” foi o texto com o qual dialogou meu livro “Buenos Aires, uma Modernidade Periférica”. E ele também está presente na minha hipótese sobre Borges como “escritor de las orillas” [no Brasil, publicado pela Iluminuras como “Jorge Luis Borges: um Escritor na Periferia”].

Anos mais tarde, em uma feira do livro em São Paulo, Roberto e eu nos reunimos para um diálogo em que estavam presentes suas contribuições e sua influência nessas questões. Embora Roberto sempre se antecipe, creio que corremos por caminhos muito próximos.

Como se diz, o relacionamento intelectual não poderia ser mais intenso. Mas me parece que Roberto tem visitado muito menos Buenos Aires do que eu tenho estado na cidade onde ele mora.

Tenho uma edição de 1990 de “Um Mestre na Periferia do Capitalismo”, na qual Roberto escreveu essa dedicatória que não me parece indiscreto revelar: 

“Querida Beatriz, você diz que Buenos Aires é periférica. Seu colega, o professor Schwarz, diz que eu sou um escritor de periferia. Com o perdão dos dois, acho que a periferia é minha avó. Seu leitor atento.” E a assinatura: Machado de Assis. Prova da ironia típica de Roberto, que é uma marca de sua inteligência. 


Beatriz Sarlo, escritora e crítica cultural argentina, fundou e dirigiu por 30 anos a revista de ensaios Punto de Vista e foi professora de literatura argentina da Universidade de Buenos Aires até sua aposentadoria, em 2003

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