O que pensam dez judeus eleitores de Bolsonaro após caso Alvim

Sentimento de decepção é recorrente em enquete com membros da comunidade judaica

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Felipe Poroger

[RESUMO]  Após vídeo de Roberto Alvim parafraseando o nazista Joseph Goebbels, autor faz enquete com dez membros da comunidade judaica paulista que votaram em Jair Bolsonaro.

A premissa é simples: entrevistar dez judeus eleitores de Jair Bolsonaro para um breve balanço do governo. E, claro, relatar suas reações ao vídeo em que Roberto Alvim, ex-secretário de Cultura, parafraseou trechos de um discurso do nazista Joseph Goebbels.

O grupo inclui homens e mulheres de 25 a 89 anos, com ensino superior completo, das classes A e B, paulistanos. Trata-se de uma enquete, obviamente —não de uma pesquisa com valor científico.

Todos preferiram o anonimato. “Medo de retaliação” ou “desconforto com a exposição” foram alguns dos motivos citados. Os nomes usados são, portanto, fictícios.

Limitadas pelo espaço, pela pequena amostragem e pela complexidade do tema, as respostas não oferecem soluções, mas talvez saciem certa curiosidade ou frustrem, mais uma vez, qualquer expectativa de conclusão fácil.

1) Como avalia o primeiro ano do governo? Votaria de novo?

“O Bolsonaro foi para um botequim com os amigos e não voltou mais. Não votaria nem para síndico do meu prédio”, esbraveja Samuel, 89, aposentado. Arrependido? “Talvez”. Escolheria Haddad? “Nunca”.

O teor da afirmação é recorrente: a maioria das conversas aponta para um sentimento de decepção. “Tive aula com Haddad, é um dos profissionais que mais admirei, mas pensava que seria uma marionete do Lula. O sonho que me venderam não está sendo cumprido”, afirma Tom, 25, administrador. Qual era esse sonho? “Uma política em prol da economia. Hoje, votaria branco ou nulo. De maneira nenhuma no Bolsonaro”. Dos dez entrevistados, três veem melhoras na economia e elogiam a equipe de governo.

Miriam, 65, professora, admite: “Ninguém nunca gostou do Bolsonaro. É tudo de pior, mas faltava opção”. Marcelo, 44, empresário, é categórico: “Muitos judeus têm vergonha de ter votado nele. Eu votaria de novo, de olhos fechados, se fosse contra o PT”. Quando pergunto qual o problema do PT, a resposta é rápida: “Corrupção, claro. Se associaram a empresários inescrupulosos”. Existe corrupção no atual governo? “Sim, mas menos”.

Nenhum dos entrevistados citou adjetivos positivos para descrever o presidente. “Burro”, “despreparado”, dono de uma “língua que não passa pelo cérebro, mas pelo intestino”. Sete, mesmo assim, votariam de novo caso as circunstâncias se repetissem. Os demais anulariam.

2) Antes da presidência, Bolsonaro já fazia afirmações como “o erro da ditadura foi torturar e não matar”. Em algum momento, temeu que essa violência se revertesse contra você? 

Nenhum entrevistado jamais teve medo de ser atacado. “Os discursos me preocupavam. Mostra uma tendência, né? Mas ele é muito vazio, nem prestei atenção nessas frases”, diz Rosa, 81, aposentada. Ivo, 60, empresário, sente o mesmo e diz: “A sociedade brasileira está prepara para lidar com isso.”

Pergunto então se negros ou LGBTQs responderiam do mesmo modo. Todos opinam que pessoas desses grupos teriam, sim, motivos para temer. Nove dos dez, no entanto, não acreditam que perseguições aconteçam ou acontecerão.

A frase “cão que ladra não morde” apareceu três vezes. “A sociedade não aceitaria”, seis vezes.  Para Marcelo, um desses seis, pergunto: “A sociedade não aceitaria nem se o empresariado estivesse enriquecendo?”. Ele pensa. “Não, a maioria não”.

Tom me conta que seu irmão é homossexual. “Você temia pela vida dele?”, questiono. “Sim, temia, mas tinha uma confiança no governo como um todo e também na polícia. Mas, hoje, temo pelo meu irmão”. Insisto: “Acha que os discursos de Bolsonaro podem encorajar alguém que queira atacar seu irmão?”. “Sim, garanto que sim. E me sinto envergonhado”.

3) Em 2017, no Clube Hebraica do RJ, voltado a judeus, Bolsonaro concluiu que, em visita a “um quilombo”, “o afrodescendente mais leve pesava sete arrobas. Nem pra procriador serve mais”. Em outros momentos, como naquele em que diz que ter uma filha foi “fraquejar”, a plateia ria e aplaudia. Se você estivesse lá, como reagiria?

[Rafael, 60]: Não aplaudiria. Ficaria pra ouvir e entender a pessoa. Mas o dia em que perceber que minha presença é apoio, caio fora. 

[Rosa, 81]: Ficaria muito decepcionada. Suponho que levantaria.

[Samuel, 89]: Não aplaudiria coisa nenhuma. Contestaria alguma coisa. 

[Carlos, 41, empresário]: Ele é um asno. Ficaria revoltado. Levantaria.

[Marcelo, 44]: Pensaria “o quê esse cara tá falando?”, mas não saberia demonstrar.

[Tom, 25]: Bateria um arrependimento, uma vergonha. Um dos valores que mais prezo no Brasil é a diversidade. Sairia.

[Márcia, 55, médica]: Essa fala é muito triste. Ficaria escandalizada, mas quieta. 

[Roberta, 28, psicóloga]: Dependendo do incômodo, faria algo, mas ficaria até o fim. Pra não ser falta de respeito.

[Miriam, 65]: Não acharia engraçado. Sou contra discriminação. Iria embora, inclusive, se ele elogiasse judeus só por causa de sobrenomes.

[Ivo, 60]: Sairia da sala. É imperdoável.

4) O nazismo é de esquerda, como afirmou o chanceler Ernesto Araújo?

Todos respondem que nazismo jamais pode ser considerado de esquerda. Quatro insistem que também não se encaixa no espectro da direita. Para Samuel, “nazismo é um radical tão profundo que não pertence a nenhum dos lados”. 

Pergunto em que lado da política se enquadram. Dois se consideram de direita. Cinco de centro. Samuel, “uma pessoa que pensa de forma universal”. Ivo, de centro-esquerda. Roberta, “não tão ligada a esses assuntos”, afirma não saber responder, mas tenta: “Sou de direita, acho. O PT é bem de esquerda, né? Sou o oposto. Ou melhor: sou de centro”.

5) Como se sentiu ao ver o vídeo de Alvim? Existe algo no comportamento de Bolsonaro que deixa seus colaboradores à vontade para esse tipo de ato?

“Nazistoide metido à besta”, “ridículo”, “execrável” são termos que descrevem Alvim. Ivo ficou surpreso dado o “alinhamento com Israel”. Márcia, que, em pergunta anterior dizia nunca ter sentido medo, agora afirma: “passei o dia deprimida. Tenho que sair desse país. Estou apavorada”. Rebato: como se sentiria ao sair do Brasil por medo de alguém que você ajudou a colocar no poder? “Não é específico do Bolsonaro. Quando viajo, sinto cada vez mais que ficamos atrasados em tudo. Calculo um atraso de 20 anos”. Na sequência, ela me envia uma reportagem intitulada “15 fatos mostram que comunidade judaica não apoiou Bolsonaro”.

Duas pessoas não tinham visto o vídeo, mas sabiam do que se tratava. Sobre a responsabilidade de Bolsonaro, as opiniões se dividem: “Ele escolheu o cara, né?”, diz Carlos. “Precisa escolher melhor as pessoas. A comunicação do governo é muito ruim”. Miriam completa: “Deveria ser responsabilizado pela escolha e imbecilidade”.

Rosa é uma das duas a dizer que a culpa não é de Bolsonaro. A outra, Roberta, responde: “Não, acho que não. Até demitiu o cara. Bom, claro que foi ele que pôs na equipe. É, talvez tenha algo do Bolsonaro nisso. Não sei, não me sinto representada por ele mesmo”.

Montagem mostra Roberto Alvim (esq.) e Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista (dir.) em mar. de 1933 - Reprodução e Atelier Bieber/Nather/Bildarchiv Preußischer Kulturbesitz

6) Existe algum aspecto deste governo que se assemelha ao nazismo?

Para Tom, são muitos. “Metade dos discursos leva ao preconceito”. Os outros nove entrevistados, no entanto, afirmam que não.

7) Após a demissão de Alvim, Bolsonaro declarou: “Manifestamos nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores em comum”. Existem valores em comum entre a comunidade e o presidente?

“Nada em comum. Só quer se aproximar porque disseram que judeus são inteligentes e sabem ganhar dinheiro”, opina Samuel. Carlos reforça que a “comunidade judaica ouve muito mais”.

Ivo e Miriam vão por outro caminho. Para o primeiro, há muito em comum, visto que “a religião é bastante conservadora”. Para a segunda, a comunidade é “preconceituosa, mesmo contra seu próprio povo”. Ela se vê assim? “Seria mentira se dissesse que não.”

Para Marcelo, em comum é “o valor do trabalho. Diferentemente da esquerda, Bolsonaro quer que o pobre enriqueça por méritos próprios”. Pergunto se é possível enriquecer em situação de miséria ou fome. “É preciso dar educação para que, quem não tem recurso, aprenda a ganhar seu próprio dinheiro. Mas realmente... é praticamente impossível o cara que está na miséria enriquecer por méritos próprios.”

Seis entrevistados exaltam a aproximação do governo com Israel. Ivo opina: “o PT era alinhado com os palestinos. Esse é o primeiro governo pró-Israel. Para o bem e para o mal. Tenho uma visão bem crítica da política expansionista de Israel”. Rafael completa: “Não acho que Bolsonaro seja uma ameaça à comunidade judaica. É uma ameaça ao país”. Ele foi um dos dois a usar o termo “blindado” para definir como se sente.

8) “Se há dez pessoas numa mesa, senta um nazista e ninguém se levanta é porque há onze nazistas na mesa”. Concorda com essa frase?

[Rafael]: Sim. Não dá pra ficar com um nazista na mesa. Me levanto.

[Rosa]: Não. Muitas vezes é preciso ficar por respeito. Mesmo se for um nazista.

[Samuel]: Não é nazista, mas consente.

[Carlos]: Faz sentido. Mas pode ficar sentado por medo.

[Marcelo]: Concordo. Estaria compactuando com ele. Mas e o medo?

[Tom]: A pessoa não precisa revidar na hora, mas me levantaria.

[Márcia]: Sim. Se fosse um nazista, me levantaria na hora.

[Roberta]: Não. Às vezes, não levantou pra não faltar com respeito.

[Miriam]: Concordo.

[Ivo]: É uma conclusão perigosa. Mas me levantaria. Repugnante, não tem como negociar.

Para finalizar, proponho que respondam à pergunta anterior trocando a palavra nazista por racista. Dos oito que sairiam da mesa com a chegada de um nazista, quatro não se levantariam na presença de um racista. “Racista pode ser racista e não querer matar todo mundo”, me diz um deles. Agradeço pela participação. E desligo.


Felipe Poroger é cineasta, graduado em filosofia pela USP e judeu. Diretor do Festival de Finos Filmes.

Erramos: o texto foi alterado

Por erro de edição, o ex-secretário de Cultura Roberto Alvim foi identificado como Ricardo no resumo da reportagem. O texto já foi corrigido.

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