Leia poemas inéditos de Armando Freitas Filho, que completa 80 anos

Poeta lança no segundo semestre o livro "Arremate"

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Armando Freitas Filho

[sobre o texto] Os poemas nesta página fazem parte do livro “Arremate”. A coletânea, que sai pela 
Companhia das Letras no segundo semestre, marca os 80 anos de  Armando Freitas Filho, comemorados no dia 18 de fevereiro.

Dueto

Angela Melim não tem nada de anjo.
Verdes olhos ferozes, unhas vermelhas.
Dentes frontais separados prontos para morder.
Escreve partindo desta imagem bela, feroz.
Este vai ser seu estilo vida afora: fogaréu.
 
Ana Cristina Cesar pode passar por anjo.
Olhos atrás dos óculos escuros ocultam o frenesi.
Sem eles as poucas pestanas albinas aparecem.
Escreve partindo desta imagem bela, lunar.
Este vai ser seu estilo vida afora: fogo-fátuo.
 
Das duas, uma. Por que não, ambas?
Uma rosna outra ronrona em fúria.
Nasceram no mesmo ano, poetas claras.
Escrevem uma olhando por cima do ombro da outra.
Este é o estilo das duas vida afora: misto, colado.

Na ilustração, uma mulher com vestido vermelho corre. Ela está sob um fundo azul cheio de nuvens brancas.
Ilustração de Mariana Waechter - Mariana Waechter

Rompante

                                                                                                                                                 

                                                                                                                  Vestida de boa senhora, ela injeta a sombra onde o sol durava.

                                                                                                                                                                              Edimilson de Almeida Pereira

A passos largos, batom vermelho, cabelos violentos.
Ela era dessas pessoas
que deslocavam o ar
                                   quando passava:
lispectoriana escrita e escarrada
e sua saia levantava o vento.
Não sei se a vi assim, faz tantos anos!
Ou se me contaram
e a imagino nesse cenário:
cataplasma, placa implacável de metal
o sol branco do meio-dia endurece mais
o cimento da calçada, as sombras dela
e das árvores formam lagos ilusórios, trêmulos
as paredes de calor são ultrapassadas sem pensar.
Maura Lopes Cançado na avenida
da sua vida, caminhando até o fim.                       
 
Maura Lopes Cançado
foi ao crime para se livrar
da dor das descargas elétricas
que lhe atravessavam a cabeça
e saiu do hospital para o hospício
aprisionada na cela dolorosa

Contra Bishop

A arte de perder não é nenhum mistério.
Será o quê? Contém em si o acidente e tantas
coisas: perder só pode ser muito sério.
Pois aceito as lágrimas, a chave perdida
da minha vida, a hora austera gasta à toa.
 
A arte de perder é movida a sofrimento
porque de morte é feita vagarosamente.
Começa pelo dia que já vai indo, deixando
para trás as coisas em si: momentos, nomes
o relógio do meu pai me controlando.
 
A arte de perder como escreveu Ana C.
é uma lenha, vai se queimando
minuto a minuto e o seu mistério
existe sim, sério e doloroso
no fogo crepitante cada vez mais perto.
 
A arte de perder você na lembrança
esquecendo, paulatino, a cor do seu vestido
só não é muito séria para quem é fria
e desmerece a dor desta paráfrase deturpada.

Virginia


Ouse. Ande, ainda dá pé
apesar do corpo empedrado
infiel consigo mesmo
como todos são.
Caminhe para o fundo
e enfrente o arrependimento
pois já é insuportável
continuar assim pisando
no chão firme e frio.
Ouse e alguns dias depois
terá chegado na vazante
na foz sem vozes
livre da corrente – partida.
 

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