Descrição de chapéu Coronavírus

Pandemia de coronavírus demanda resposta global contundente

Criação de mecanismo como G20 deve estar no topo da agenda, defende Robert Muggah

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[RESUMO] A Covid-19 será devastadora em comunidades e países de renda baixa e média, e o enfrentamento à pandemia e à recessão econômica demanda uma resposta global contundente que envolva governos nacionais, cidades e a sociedade civil.

A Covid-19 é a maior ameaça, na última geração, para a estabilidade política e econômica e para a saúde pública. É alarmante, para dizer o mínimo, o fato de o coronavírus estar se espalhando em tempos de crise na governança global, quando a cooperação internacional e a fé nas instituições nacionais estão baixas. Precisamos ter em mente formas de mitigar os efeitos de disrupções massivas na economia global e nas questões sociais.

Não devemos nos surpreender com o surgimento da Covid-19. Surtos de epidemias estão se acelerando no último século. Ebola, Sars, H1N1, zika e chikungunya são apenas a ponta do iceberg. Desde 2013, houve bem mais do que 12 mil surtos de doenças infecciosas afetando dezenas de milhões de pessoas.

Em 2018, a Organização Mundial da Saúde detectou surtos de 6 de suas 8 doenças prioritárias. Escrevi sobre isso em 2018, assim como centenas de especialistas de saúde —de Georgetown, Harvard e Johns Hopkins a Bill Gates. O mais impressionante é que o mundo estava totalmente despreparado para o inevitável.

Os custos humanos da Covid-19 serão severos. O pior cenário do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA prevê que cerca de 160 a 210 milhões de americanos serão infectados até dezembro. Mais de 21 milhões precisarão de hospitalização, e entre 200 mil e 1,7 milhão de pessoas poderão morrer até o final do ano. Pesquisadores de Harvard, em uma estimativa conservadora, acreditam que 20 a 60% da população mundial seja infectada e que morram de 12 a 42 milhões de pessoas.

A destruição econômica causada pela Covid-19 será dramática. A severidade dos impactos irá depender do tempo que a pandemia durar, como afetará a produtividade real e a extensão da interrupção nas cadeias de suprimento. A economia real poderá sofrer perda de 2% do PIB global neste ano. O Banco Mundial estimou, há alguns anos, que uma “pandemia como a da gripe espanhola” poderia tirar US$ 4 trilhões (R$ 20,3 trilhões) da economia mundial.

No curto prazo, podemos esperar uma recessão, e há boa chance de termos uma depressão até 2021. Isso também acelerará a desglobalização, inclusive em relação a viagens, turismo e comércio.

Os efeitos na estabilidade política e social também serão significativos. Já existe uma enorme lacuna de confiança entre líderes e cidadãos. A fé das pessoas na democracia está no ponto mais baixo em décadas, e a frustração com políticos está crescendo. Alguns líderes políticos estão enviando sinais confusos e cidadãos estão recebendo mensagens conflitantes. Isso reforça a falta de confiança nas autoridades públicas e nos especialistas.

Além disso, os choques de oferta e demanda irão criar desafios maciços para as pessoas marginalizadas. Podemos esperar grandes protestos quando as pessoas, muitas das quais vivem do pão de cada dia, não puderem mais pagar o preço do pão, muito menos o preço da hospitalização.

Até agora, a resposta global à pandemia da Covid-19 foi fragmentada. A Organização Mundial da Saúde, que tem o mandato de coordenar as ações, está subfinanciada. A ONU praticamente não tem sido vista. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional estão injetando bilhões no sistema, mas é pouco para ter um impacto significativo.

Os governos nacionais têm capacidade limitada para fazer muito em termos de política fiscal. A maioria dos Estados ricos está preocupado em lidar com suas próprias crises domésticas, e há pouca discussão sobre o que acontece quando a pandemia atinge países muito mais vulneráveis de baixa e média renda. Sabemos, historicamente, que as pandemias são muito mais prejudiciais para as comunidades mais pobres.

A Covid-19 revela dolorosamente os riscos do crescimento da desigualdade. Embora gere um medo generalizado, será particularmente prejudicial para comunidades pobres e vulneráveis nos EUA e em outras economias avançadas. Mais de 60% dos americanos adultos possuem problemas crônicos de saúde, sejam doenças cardíacas, câncer ou diabetes —e cerca de 40% têm mais de um.

Cerca de 1 em 8 americanos estão abaixo da linha da pobreza, e mais de três quartos vivem com o pão de cada dia. A pandemia afetará todos, mas podemos imaginar que as taxas de letalidade serão maiores entre os mais velhos, aqueles sem seguro de saúde ou os meios para cobrir seus custos quando o ônus econômico começar a aumentar.

Além disso, a Covid-19 será devastadora nos países e comunidades de renda baixa ou média, muitos dos quais carecem de serviços básicos de saúde, mesmo em tempos normais. Essas perspectivas negativas são agravadas pelo fracasso de líderes como Bolsonaro, no Brasil, ou Modi, na Índia, em levar o assunto a sério. É notável a ausência de informações sobre o escopo e a escala da emergência, o que está alimentando a disseminação do vírus.

Também há poucas informações adequadas circulando sobre as precauções necessárias —fechamento de espaços públicos, escolas e universidades, auto-isolamento, distanciamento e quarentena— na ausência de uma vacina. Muitos dos serviços básicos desses países mais pobres já estavam sobrecarregados antes da Covid-19, especialmente na esteira de programas de austeridade e privatização.

Na ausência de liderança global, alguns países, cidades, empresas e filantropos estão se destacando. Por exemplo, a China já começou a compartilhar seus médicos e equipamentos com países afetados, incluindo aqueles que estão vinculados à Iniciativa do Cinturão e Rota. Pesquisadores chineses, singapurianos, sul-coreanos e taiwaneses estão publicando e compartilhando ativamente sua experiência, inclusive pesquisando rapidamente o que funciona.

A sequência genética da Covid-19 já foi replicada 350 vezes e compartilhada amplamente, o que é de suma importância, considerando que o vírus sofre mutações constantes. Algumas redes urbanas estão compartilhando boas práticas, o que deve melhorar as respostas locais. A Fundação Bill e Melinda Gates contribuiu com US$ 100 milhões (R$ 507 milhões) para responder, inclusive na África e no Sul da Ásia, enquanto grupos como Wellcome Trust, Skoll e Open Society Foundations também estão ampliando a assistência.

Precisamos, mais do que nunca, de uma resposta global contundente. A criação de um mecanismo no estilo G20 para a Covid-19 (e futuras pandemias) deve estar no topo da agenda. Em circunstâncias normais, isso seria liderado pelos EUA, mas estes não são tempos comuns. Os EUA, a União Europeia, a China e outros países terão que intensificar e liderar um esforço global, incluindo a aceleração dos testes de vacinas.

O que também é necessário é uma abordagem de "toda a sociedade", com intensificação de esforços entre empresas e a sociedade civil. A cooperação entre cidades, incluindo o apoio à uma rede de prefeitos por Michael Bloomberg, também é crucial. Enquanto isso, na ausência de uma vacina ou de uma resposta nacional robusta, é mais importante que estados e cidades na linha de frente sejam apoiados com capacidades de detecção, monitoramento e vigilância contínuos e respostas não farmacêuticas.

Robert Muggah

Diretor de Pesquisa do Instituto Igarapé e especialista em segurança e desenvolvimento

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