Descrição de chapéu
Marilene Felinto

Jair Bolsonaro não pode ser presidente do Brasil

Pandemia lançou o país num vácuo louco, em que nada mais faz sentido

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[RESUMO] A partir de artigo do diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, escritora reflete sobre a atmosfera de pesadelo que o país vive durante a pandemia de coronavírus, marcada por overdose de informação e mentira, e defende que o atual mandatário não pode permanecer na Presidência.

Em artigo recente no jornal Brasil de Fato, o professor e diplomata Samuel Pinheiro Guimarães enumera uma série de motivos pelos quais Bolsonaro não pode exercer o cargo de presidente do Brasil. No final deste texto, cito alguns. E é simples assim: esse homem não pode ser presidente do Brasil.

Alguém precisa tirar esse político medíocre da cena de governo, essa figura tóxica do palco da tragédia, antes que o país acabe, antes que, paralisados de espanto, ninguém mais consiga agir, ninguém mais reaja, ninguém mais pense, nem sinta, nem saiba, nem avalie.

Na atmosfera de pesadelo em que vivemos, na overdose de informação e contrainformação, de mentira, de contradição e de farsa, o discurso sobre a pandemia de coronavírus lançou o país num vácuo louco, num delírio em que nada mais faz sentido.

Presidente coçando o nariz
Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em Brasília - Sergio Lima - 16.abr.2020/AFP

É como se nada mais fosse verdade, é o desmascaramento final dos sistemas todos, da saúde à educação, da política à economia. Até os banqueiros, os mais perversos seres da exploração dos miseráveis brasileiros, se transformaram em homens bonzinhos.

No principal telejornal da Globo, eles são exaltados como doadores de milhões em dinheiro para os pobres e desvalidos neste momento de emergência. A cara deles aparece no vídeo, conclamando à união de todos contra o vírus e cuspindo cifrões que soam como grandes quantias de generosidade. Mentira. Não somente porque a quantia é ínfima se comparada com os bilhões que eles possuem, como também porque são eles mesmos os produtores da desigualdade social aberrante do país.

Mas eu quero primeiro, neste artigo manco, sem pé nem cabeça, fazer minhas as palavras de um pai indignado com a farsa da educação. O depoimento desse pai chamado Rafael, cheio de palavrões, é de revolta contra aulas virtuais para crianças de 5, 6 anos de idade. É exemplo de quem se defronta com os farrapos do sistema educacional nacional. Recebi por redes sociais, de alguém que compartilhou de um terceiro ou quarto ou quinto infinitamente. Reproduzo aqui um trecho, excluindo (infelizmente) o palavreado ofensivo:

“Essa p... (de aula virtual) não funciona pra criança de cinco, seis anos. Os professores não estão preparados didaticamente pra isso, as crianças não sabem estudar sem interação real, o troço é chato [...], o pesadelo de qualquer pai, como eu, que odeia trabalho de casa. Os pais são obrigados a ficar de plantão [...] assistindo [...] uma matéria que pra gente é coisa de retardado, e depois o moleque ainda fica triste comigo porque não deixei trazer [...] o gato pro meu escritório, único lugar da casa onde bicho, criança e alma penada é proibido porque é o lugar que eu ganho a b... do meu dinheiro e que agora eu tenho que dividir com criança no horário das aulas virtuais. Desisto, não é pra mim. Que a escola se adapte depois pra recuperar o ano letivo, porque isso não é vida, aproveitamento zero, só serve pra deixar as crianças nervosas e me deixar p... [...]. E se você é daqueles pais megaf..., estilo Rodrigo Hilbert, que consegue ensinar matéria da escola enquanto caça um cervo, constrói uma garagem, tricota um casaco e cozinha uma lasanha, f... você também, te odeio.”

Se isso não é verdade, o que será? Foi a fala mais verdadeira que já ouvi nestes tempos de pandemia. Quem foi que achou, afinal, que a educação no Brasil é preparada para atender alunos de forma tão asséptica, comportada e supostamente igualitária via telas de TV, computadores, tablets e celulares?

Igualitária uma ova, como diria o Rafael, para não dizer coisa pior: a maioria dos estudantes brasileiros não tem sequer conexão de internet em casa para tanta profilaxia. O discurso da autoridade soa como se estivéssemos numa Dinamarca, numa Finlândia, num país qualquer daquelas bandas, onde tudo funciona, onde a desigualdade não existe.

O que é a verdade se informação e contrainformação andam de mãos dadas nas falas, nas advertências, nas recomendações contraditórias? Já não se sabe o que fazer nem a quem seguir além de lavar as mãos, não tocar o rosto e usar máscara.

Uns dizem que é para ficar em casa. Outros dizem que é para sair. Uma hora dizem que o isolamento/distanciamento social precisa ser de 70%. Outra hora, que deve ser de no mínimo 40% (que já estaria bom assim), segundo estudos de renomados especialistas de universidades e institutos de ponta.

Uma hora dizem que é preciso desinfetar inclusive a sua própria alma (além dos saquinhos de compras, dos produtos, das frutas e legumes etc.) quando se retorna do supermercado. Outra hora dizem que não é preciso tudo isso, que o vírus morre em 24 horas nas superfícies. No início da pandemia, falava-se que, em alguns tipos de superfície, durava nove horas.

Na atmosfera de pesadelo em que vivemos, nesta babel da mediocridade e da perversidade, transformaram até os pobres em “essenciais”, como diz Edmilson Menezes, professor de filosofia da Universidade Federal de Sergipe: "Os pobres, os negros, os moradores de comunidades, os idosos, os trabalhadores (agora hipocritamente enaltecidos como fundamentais, essenciais etc., mas que até há pouco eram invisíveis para a sociedade)".

Se isso não é verdade, o que será? A verdade, diz Marilena Chaui, “não pertence a ninguém, ela é o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista, se tivermos olhos (do espírito) para vê-la”.

A verdade é que, como aponta Samuel Pinheiro Guimarães em seu artigo, Jair Bolsonaro não pode ser presidente do Brasil. Repito aqui alguns dos motivos que o professor levanta como prova cabal disso:

1) Bolsonaro antagoniza com os governadores dos estados, em especial os governadores do Nordeste, estimulando a desintegração territorial do Brasil e impedindo uma ação coordenada para promover o desenvolvimento e enfrentar crises como a pandemia do coronavírus.

2) Jair Bolsonaro se empenha em destruir a economia brasileira com políticas de contração econômica, que privilegiam os bancos e detentores de dívida pública, políticas que geram dezenas de milhões de desempregados e subempregados, destroem os serviços públicos de saúde, educação, infraestrutura, destroem as empresas, por permitir taxas de juros escorchantes. Todas as medidas de Jair Bolsonaro/Paulo Guedes são contra os trabalhadores e pró-empresas.

3) Jair Bolsonaro estimula a intolerância religiosa e política, acusando seus críticos de comunistas e açulando sua militância digital (a verdadeira e a artificial, via robôs).

4) Jair Bolsonaro estimula e promove a violência, admira e defende a tortura e torturadores, e estimula a impunidade de policiais, cujas vítimas preferenciais são pobres, trabalhadores e oprimidos.

4) Jair Bolsonaro subordinou a política externa brasileira e todo o seu governo aos interesses americanos e, portanto, atenta diariamente contra a soberania brasileira.

Não pode exercer o cargo de presidente da República.

Alguém precisa tirar esse homem daí, p..., como diria o indignado Rafael. A verdade é essa.

Marilene Felinto

Escritora, é autora de "As Mulheres de Tijucopapo" e mantém o site marilenefelinto.com.br

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