Descrição de chapéu
João Beltrão

Escritora agiu de maneira cruel ao me citar como exemplo de racismo no jornalismo

Há grande cortina de desinformação em episódio que levou à minha demissão

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João Beltrão

[RESUMO] Em resposta a artigo de Marilene Felinto, jornalista reconhece que cometeu erro em episódio que levou à sua demissão na TV Record e afirma ser vítima de injustiça por ter sua atitude no caso tratada como exemplo de racismo no jornalismo brasileiro.

O lado mais cruel do racismo é quando ele agride ou condena uma pessoa pela cor da pele. O documentário "The Central Park Five", que narra a história retratada na série “Olhos que Condenam” mostra a crueldade de um julgamento forjado, sem provas, construído pela narrativa policial que se utilizou do preconceito aos jovens negros de Nova York na década de 1980, uma cidade segregada.

Com as vidas destruídas pela injustiça, os cinco demoraram 20 anos para provar inocência no estupro e espancamento de uma jovem branca.

No Brasil, a injustiça sofrida pelos negros está expressa em números. Em pleno 2020, negros têm renda média menor, pior acesso à educação e saúde e morrem mais vítimas da violência, especialmente as mulheres negras. É por isso que qualquer debate envolvendo o racismo pode inflamar ânimos e causar revolta.

Para evitar a propagação do racismo silencioso e arraigado na nossa sociedade foi fundamental a tipificação da injúria racial no Código Penal e a lei que instituiu o crime de racismo.

Porém, em tempos do tribunal da internet, em que as pessoas são julgadas e condenadas sem chance de defesa, é preciso ter cuidado. Por serem crimes, denúncias de racismo e de injúria racial devem ser apuradas e levadas às autoridades.

Importante lembrar que a calúnia e a difamação também são crimes. Crimes contra a honra.

Apesar de atingir principalmente os negros, a injustiça nem sempre escolhe cor da pele, gênero ou credo.

Nas últimas semanas eu fui mais uma vítima da injustiça. Tive a honra atacada várias vezes. Reportagens publicadas por alguns veículos importantes como a Folha e o UOL, sobre meu desligamento de uma empresa de comunicação, me associaram —de maneira injusta e irresponsável— a um suposto caso de racismo.

O meu nome foi citado, minha foto publicada em homepages. Recebi uma única mensagem de um jornalista perguntando se eu era contrário à demissão de quatro funcionárias. Não quis comentar.

A fonte sobre o tal crime de racismo, em todas as reportagens, é anônima. Um documento supostamente vazado, que nunca teve a autenticidade atestada.

No penúltimo domingo (23), em texto de opinião publicado nesta Folha, com o título “Para não esquecer o racista do telejornal”, fui novamente citado, desta vez por Marilene Felinto, como um dos exemplos de racismo no telejornalismo —como o próprio resumo do texto diz.

Não a culpo. Trata-se de uma militante da causa. Defende o correto, mas no meu caso agiu de maneira cruel. Agrediu sem investigar. Aderiu ao discurso: é tiro, porrada e bomba!

Não desejo a ela, nem a ninguém, o que fez a mim, sobretudo se tiver a consciência total dos fatos. Fatos que viram meros detalhes, quando um boato serve como tema para a destilação de teses. Minha vida, no entanto, não é uma tese. Nem há fatos teóricos. Há verdades, mentiras e versões. E, neste caso, uma grande cortina de desinformação e equívocos.

Nesta época de linchamento digital a verdade é apenas um detalhe. Articulistas utilizam matérias equivocadas e seguem no mesmo erro, esquecem de perguntar ao acusado qual a sua posição sobre o tema. E assim vai, numa espiral sem controle, praticamente uma pandemia de informação incorreta que tenta transformar a mentira em verdade.

Confesso, porém, que no episódio que culminou na minha demissão cometi um erro: o de não documentar um caso, aparentemente banal, em que todos os envolvidos ficaram satisfeitos. Deveria ter colocado tudo por escrito. O profissional ofendido foi devidamente ouvido e pediu apenas que o episódio fosse resolvido internamente. E eu, informalmente, conversei com todos, informei o RH e resolvi o problema. Foi o que fiz, e errei.

O suposto racismo nesse episódio foi deturpado, misturado com outros fatos desconhecidos e descrito apenas em notinhas, de fonte anônima, na internet. Nunca houve, no caso que chegou a mim, processo administrativo ou denúncia formal por injúria racial.

No dia da primeira demissão da minha vida, me vi em “O Processo”, de Kafka. Na obra, o protagonista vive um pesadelo ao ser detido e processado sem nunca saber o motivo.

Senti o gosto amargo da injustiça. A minha vida profissional, com 30 anos no comando de Redações, sempre foi pautada pela ética, transparência e pela cautela ao tratar de temas sensíveis.

Nestas três décadas trabalhando no jornalismo profissional nunca fui advertido, afastado, suspenso ou processado. Fui promovido em todas as empresas para as quais trabalhei.

Tenho orgulho de ter feito parte de grandes equipes com os mais importantes jornalistas do País. Tenho um orgulho maior ainda de ter formado equipes e colecionado amigos em todas as Redações. Isso ficou claro nas centenas de manifestações públicas e privadas de apoio que recebi, inclusive em carta publicada pela Redação que comandei em Brasília.

Tenho dois filhos. Um jornalista e outro que ainda pensa em ser.

Meu filho mais novo mora e é tratado como filho na casa de uma família negra da Carolina do Sul. Ele não consegue entender por que o meu nome aparece em reportagens que tratam de racismo e, pior, do lado errado da história. De lá ele perguntou: “Foram jornalistas que escreveram essas matérias”?

“Sim”, respondi.

Meu filho pode não entender como funciona o jornalismo, mas o meu consolo é que ele conhece o pai dele.

Cada vez mais precisamos do jornalismo profissional. Vivo do jornalismo profissional.

Procuro entender os erros, mas cabe a nós, jornalistas, tentar evitar que a pressa ou a vontade de ganhar cliques façam a gente esquecer que devemos publicar essencialmente verdades.


João Beltrão é jornalista.

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