[SOBRE O TEXTO] Em narrativa inédita, o autor reflete sobre as ambiguidades políticas a partir de dois ícones do faroeste no cinema, John Wayne e Clint Eastwood.
John Wayne
Quando morreu, aos 72 anos, mandou gravar em sua lápide:
Feo
Fuerte y
Formal
Era um conservador bem-humorado —traço pouco comum em temperamentos conservadores—, como deixa entrever essa última vontade. Numa visita à Universidade Harvard, um estudante quis zombar do velho caubói que escondia a calva com uma peruca. Homens fortes não envelhecem.
Perguntou-lhe se o topete era feito de cabelo verdadeiro. O homem ainda era rápido no gatilho. “Cavalheiro, por certo o cabelo é real. Só não é meu.” O rapaz mal conseguiu levar a mão ao coldre.
O rosto cansado de caubói sem causa parecia guardar um drama. Fora socialista na juventude e macarthista na velhice. Casou-se três vezes com mulheres hispânicas, embora fosse um nacionalista empedernido e defensor do que considerava as guerras justas do império americano. A centena de índios que abateu em seus filmes também confirmam isso.
Dificilmente homens que se creem fortes e formais escapam ao conservadorismo. Por acreditar tanto na força de seu caráter, julgam os semelhantes quase com desprezo. E assim descreem dos esforços de homens fracos e informais, que constituem a maioria de nós.
Clint Eastwood, também um velho caubói republicano, fez um filme tocante em homenagem a Nelson Mandela. Para eles não importa a causa defendida. Homens fortes e formais acreditam ser a morte apenas consequência de uma vida de retidão.
Rodrigo Naves, crítico de arte e escritor, é autor, entre outros livros, de "Dois Artistas das Sombras" e "Cobra-Tatu" (Companhia das Letras).
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