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Governo Bolsonaro

Eleitores arrependidos de Bolsonaro precisam assumir sua culpa

Para se redimir, ricos e escolarizados desiludidos tem que defender renúncia do presidente

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Rodrigo Tavares

[RESUMO] Para empresário e acadêmico, os 57,8 milhões de brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro em 2018 não podem dizer que foram enganados, já que o comportamento do presidente não mudou nas últimas décadas, e devem ser imputados pela situação atual do país.

Em 2018: “Eu voto nele pela sua bandeira contra os desmandos e a corrupção que grassa em Brasília”; “sem alternância de poder não há democracia”. Em 2020: “infelizmente, o presidente Bolsonaro tem demonstrado crescente insensatez, apoiado por outros insensatos”; “renuncie”.

As frases, retiradas das redes sociais, foram escritas por diplomatas, profissionais de comunicação e membros do mercado financeiro paulista. Nenhum deles é um bot virtual esvaziado de carne e de humanidade. Todos têm RG, uma identidade, uma carreira profissional qualificada e uma história eleitoral —estão entre os 57,8 milhões de brasileiros que votaram em Bolsonaro para a Presidência.

Todos têm motivos para estar desiludidos. O governo Bolsonaro virou uma colmeia só de zangões, sem as abelhas operárias que produzem o mel nem a ascendência de uma abelha-rainha.

Mas nenhum tem razão. A tese desse grupo que publicamente vem mostrar arrependimento por ter apoiado Bolsonaro é escorada na aparente mudança de comportamento do presidente. A esperança no timoneiro que iria escovar os porões da política converteu-se em desengano, mas o arrependimento, se nascer apenas da culpabilização do outro, será um mero exercício de lamentação. Não há remorso quando se transfere a responsabilidade. É fácil dizer que errei porque fui enganado.

Pior: Bolsonaro não mudou. Ninguém foi enganado.

Os recém-desgostosos mostram alarme perante os gestos namoradeiros do presidente da República com a ditadura, mas Bolsonaro é a mesma pessoa que afirmou que “não houve golpe militar em 1964” (julho de 2018), que louva o AI-5 (dezembro de 2008) e que celebrou recorrentemente a memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Os arrependidos criticam o presidente por mandar repórteres calar a boca (5 de maio), por acusar a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, de insinuação sexual (18 de fevereiro) ou por fazer um gesto de banana aos profissionais da imprensa (8 de fevereiro), mas o presidente é a mesma pessoa que, em 2014, insultou uma jornalista RedeTV!, chamando-a de idiota e ignorante, e que sistematicamente tentou dificultar o trabalho de veículos de imprensa críticos a ele durante a campanha presidencial.

Milhões de brasileiros sentem-se atingidos pela fila indiana de casos ligando a família do presidente a atos de corrupção e improbidade administrativa, mas Bolsonaro é a mesma pessoa que apareceu na lista de Furnas dos anos 2000 e na lista da JBS de 2014 —supostos esquemas de corrupção para abastecer campanhas eleitorais.

Inúmeras reportagens alertaram para o aumento nímio do patrimônio do deputado e dos seus filhos na década que antecedeu a sua chegada ao Palácio do Planalto, sem que nesse período ele tenha tido um significativo acrescento salarial ou herdado bens.

Bolsonaro não mudou.

Na história, vários líderes políticos ajustaram a rota quando foram eleitos, defraudando o seu eleitorado mais fiel. O ex-líder do Partido Progressista Conservador do Canadá, Brian Mulroney, eleito primeiro-ministro em 1984 com uma agenda de direita, foi um dos mais inapeláveis críticos do apartheid na África do Sul, opôs-se à intervenção dos EUA de Ronald Reagan na Nicarágua, foi um dos primeiros a assinar convenções internacionais sobre mudanças climáticas e a favor da biodiversidade e opôs-se à pena de morte e ao aborto. Muitos filiados ao seu partido sentiram-se enganados.

Não foi o caso de Bolsonaro.

A culpa do Brasil ter se expatriado do mundo não é apenas de Bolsonaro, um glicerense que tem mostrado um estável nível de desempenho como presidente, deputado, militar ou pai. A imputabilidade tem que ser também atribuída aos quase 58 milhões de brasileiros que votaram nele.

Certamente que entre essa massa há quem não tenha tido acesso a educação ou informação factual e tenha se norteado pelo sermão ou pelo WhatsApp. A correlação entre a pobreza e a vulnerabilidade eleitoral foi devidamente tratada pela ciência política (Huntington e Nelson, 1976).

Outros demonstram um zelo excessivo, irracional e acrítico pelo presidente. A correlação entre radicalismo eleitoral, religioso ou esportivo e a procura por valor individual e autoestima também foi amplamente pesquisada pela psicologia (Kruglanski et al., 2014).

Porém, entre os que votaram em Bolsonaro havia milhões de pessoas escolarizadas, com acesso a informação e com aparente capacidade de fazer uso da razão. Segundo o Ibope, entre os brasileiros com ensino superior, 64% votaram em Bolsonaro. Entre os eleitores que recebem entre cinco e dez salários mínimos por mês, 66% declararam voto no atual presidente. Ele venceu em 98% dos municípios que apresentam os maiores índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

Em certa medida foram os mais ricos e qualificados que o guincharam até à Presidência. Desse grupo se esperaria agora não um lamento oportunista, mas um ato nobre para expiar a responsabilidade: apelar à renúncia do presidente.


Rodrigo Tavares é professor universitário e ex-pesquisador nas universidades Harvard, Columbia e Califórnia-Berkeley. Foi nomeado jovem líder global pelo Fórum Econômico Mundial.

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