Eleitores moderados de Bolsonaro falam sobre decepção e arrependimento

Para pesquisadoras, dialogar com bolsonaristas não é apenas necessário, mas possível

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Imagem aérea mostra manifestantes ao redor de faixa com os dizeres

Vista aérea de manifestação a favor do governo na Esplanada dos Ministérios, em Brasília Pedro Ladeira - 21.jun.2020/Folhapress

Camila Rocha

Cientista política e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)

Esther Solano

Socióloga e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)

[RESUMO] Em entrevista com grupo de bolsonaristas, classificado como popular e moderado, pesquisadoras apontam divisões na avaliação do presidente. Além dos apoiadores fiéis, que continuam a sustentar o mandatário, aparecem os críticos e os arrependidos, que querem mudança na Presidência. PT permanece rejeitado por corrupção, e o impeachment desperta apreensões.

Jair Bolsonaro enfrenta seu pior momento desde que foi alçado à Presidência, em 2018. Enquanto seus seguidores mais fiéis se radicalizam, parte significativa de sua base se enfraquece, favorecendo a costura de frentes antibolsonaristas à medida que ministros caem e novas prisões e denúncias atingem centros nevrálgicos do governo.

No entanto, ainda que o presidente seja apeado do poder, consumando o objetivo primeiro de tais frentes, restará ao campo democrático uma missão ainda mais difícil: promover os diálogos necessários para estabelecer os acordos sociais que balizarão a construção de saídas para as diversas crises que atravessam o país.

Nesse sentido, acreditamos ser imprescindível compreender de modo aprofundado os anseios da maior parte dos eleitores de Bolsonaro, que compõem o que denominamos de bolsonarismo popular moderado.

Popular porque abriga as classes C e D de renda, que compõem uma multidão de trabalhadores precarizados e nanoempreendedores de si mesmos, na formulação da socióloga Ludmila Costhek Abílio, e correspondem à maior parte da população brasileira. E moderado em contraste com bolsonaristas radicalizados, movidos por uma identificação profunda com o militar, que não é apenas de ordem política, mas sobretudo emocional e existencial.

Nosso interesse no bolsonarismo popular moderado se baseia na hipótese que tem guiado nossas pesquisas desde 2017: dialogar com esse público não é apenas necessário, mas possível. Hipótese essa que tem sido sistematicamente confirmada desde então em nossas incursões empíricas. Ao longo dos anos entrevistamos por horas dezenas de pessoas que enxergaram em Bolsonaro uma possibilidade de mudança profunda do cenário político nacional.

Descontentes com a atuação do PT e do sistema político no seu conjunto, essas pessoas sentiram-se representadas por sua retórica antissistema, anticorrupção, antiesquerdista, militar e patriótica, pelo apelo à “valorização da família, da ordem e dos bons costumes”.

Contudo, passado um ano da eleição, já era possível perceber sinais importantes de desgaste no apoio ao capitão reformado, os quais se aprofundaram em meio à pandemia e à crescente mobilização em prol de seu impeachment, como foi possível verificar em nossa mais recente pesquisa, realizada com apoio da Fundação Friedrich Ebert Brasil.

Entre os dias 9 e 18 de maio, entrevistamos 27 eleitores de Bolsonaro residentes na região metropolitana de São Paulo. Ao final das conversas, realizadas por meio de plataformas desenvolvidas para reunião online, dividimos os entrevistados em três grupos: 1) apoiadores fiéis, que mantêm um apoio constante ao presidente; 2) apoiadores críticos; e 3) arrependidos, que se decepcionaram com o presidente e desejam que ele abandone o cargo.

Tendo isso em vista, apontamos a seguir alguns tópicos que podem constituir bons pontos de partida para estabelecer um diálogo com essa população.

Pandemia de Covid-19

Procuramos testar a adesão dos entrevistados a três teses acerca da pandemia que foram defendidas pelo presidente: a ideia de que a Covid-19 seria apenas uma “gripezinha”, a dicotomia vida/economia e a culpabilização de governadores e prefeitos pela disseminação da doença. A postura negacionista de Bolsonaro foi bastante criticada em geral, inclusive por seus apoiadores mais fiéis:

Bolsonaro foi incoerente, deveria ter ficado na casa dele, dando exemplo. Como que o presidente está fora quando todo o mundo deveria ficar em casa? Bolsonaro age como se estivesse tudo normal e não está. Ele vai, beija, abraça, e não deveria fazer isso, por mais que defenda ele, eu sou 100% Bolsonaro, mas aí falta coerência, ele deveria agir como presidente, não como moleque.

Mulher, 45, bolsonarista fiel

Muitos eleitores se decepcionaram profundamente com o que perceberam como uma falta de empatia com os infectados e os mortos pelo vírus, sobretudo considerando que parte significativa dessa população votou em Bolsonaro motivada por valores familiares e religiosos. O desrespeito aos mortos e às suas famílias é tido como intolerável para muitos entrevistados, especialmente para as mulheres:

Ele debocha dos mortos, ri dos mortos! Nunca pensei que veria isso!

Mulher, 26, arrependida

Apesar disso, Bolsonaro obteve sucesso ao enquadrar o debate acerca da pandemia como um impasse entre preservar vidas e preservar a economia, para o qual os entrevistados não encontram alternativas. As ideias de que os mais pobres estão desamparados e de que a quarentena seria um privilégio e não um direito perpassam todas as falas. Muitos afirmam que querem fazer o isolamento social, mas precisam trabalhar para pagar as contas, daí a defesa que alguns fazem da adoção do isolamento vertical:

Ficar em casa é muito bom pro cara que mora em Alphaville [...] Acho que tem que ter sim o isolamento vertical, se cuidando, usando máscara, luva.

Homem, 34, apoiador crítico

Embora defendessem o SUS, afirmando que seria uma conquista do povo brasileiro, e rejeitassem a sua privatização, os entrevistados tinham dificuldade em demandar políticas alternativas para a crise econômica para além das políticas já existentes, como o auxílio de R$ 600.

Por fim, Bolsonaro também obteve sucesso em compartilhar a culpa pelo aumento no número de contágios e mortos com governadores e prefeitos. Como a pesquisa foi realizada em São Paulo, a maioria dos entrevistados critica o que denomina de um “fechamento meia-boca” na cidade, assim como a gestão da pandemia realizada pelo governador João Doria (PSDB), afirmando que este está fazendo “politicagem” com a doença.

Acho que o João Doria é um cara oportunista [...] e nem estou defendendo o Bolsonaro, acho que ele está aproveitando para fazer um papel de bonzinho para se candidatar a presidente.

Homem, 41, arrependido

Instabilidade do governo federal

No que tange à atuação do governo federal, os apoiadores fiéis afirmam que Bolsonaro quer genuinamente melhorar o país, mas sofre bloqueios constantes por parte da imprensa, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, é recorrente a frase “não deixam o homem trabalhar”.

Entre seus eleitores mais críticos, porém, a ideia de que o presidente estaria sendo boicotado perde força, já que esses argumentam que ele teria perdido o foco e se desviado de questões essenciais:

Eu cheguei a acreditar que ia melhorar mais na segurança, na educação, mas acho que ele deixou de realizar muitas coisas que ele propôs, parece que ele está priorizando outros assuntos. Qualquer pessoa que conteste o governo dele, ele arruma um jeito de remover.

Mulher, 26, arrependida

Além disso, muitos relacionam a instabilidade do governo à falta de decoro do presidente. Se entre apoiadores fiéis sua violência retórica é interpretada como sinal de autenticidade, para seus críticos é fonte de um caos desnecessário e danoso ao país:

Eu acho que ele tem um pouquinho de culpa de todo esse caos, sim, tem muita coisa que poderia ser evitada, ele gosta de causar polêmica, bater de frente, mas ele tem que pensar, porque não é mais ele, é uma nação.

Mulher, 59, apoiadora crítica

Porém, a maior fonte de instabilidade apontada por quase todos os entrevistados é a atuação dos filhos de Bolsonaro, percebidos como irresponsáveis e possivelmente corruptos. Nesse sentido, a possibilidade de Bolsonaro ter agido para impedir investigações que possam prejudicar a sua família é vista com maus olhos até mesmo por eleitores fiéis:

Se realmente encontrarem algum problema dele com os filhos, eles vão pagar. Agora, se encontrarem um problema dele em relação a isso ele não vai renunciar, ele vai sofrer impeachment porque daí ele está cometendo um crime.

Homem, 35, bolsonarista fiel

Também são vistas com maus olhos suas negociações com o centrão para se manter na Presidência, percebidas pela maioria como uma traição aos princípios que o conduziram ao poder:

Se ele realmente fizer isso é o início do fim dele, porque de fato ele está dando um tiro no pé.

Homem, 35, bolsonarista fiel

Impeachment e eleições de 2022

Um dos elementos que melhor definem o bolsonarismo popular moderado é a profunda decepção com o sistema político como um todo, considerado corrupto, fisiológico e elitizado. Neste sentido, mesmos os entrevistados mais frustrados com o governo federal não conseguem vislumbrar alternativas políticas viáveis para 2022 e dizem que talvez votem novamente em Bolsonaro.

Nem mesmo o nome de Sergio Moro aparecia com ênfase. Para muitos entrevistados, Moro cumpriu um papel importantíssimo na Lava Jato, mas se transformou em alguém oportunista, carreirista e traidor, deixando a magistratura para integrar o governo e abandonando-o depois.

Para finalizar, avaliamos a alternativa petista, dado que vários entrevistados afirmaram ter votado no partido em pleitos passados. No entanto, o discurso antipetista, baseado, sobretudo, na lógica da corrupção, ainda aparece com muita força. Apenas três, do grupo dos arrependidos, disseram que votariam no PT, mas apenas como último recurso:

Eu votava até no PT para tirar Bolsonaro.

Mulher, 26, arrependida

Contudo, ainda que os eleitores arrependidos sejam a favor da saída de Bolsonaro do poder, um possível impeachment é visto com desconfiança por vários deles. O processo ocorrido com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi avaliado como traumático para o país, e outro impeachment poderia trazer mais instabilidade no contexto da pandemia. Além disso, vários não possuem confiança suficiente no vice-presidente, Hamilton Mourão:

Seria bom, mas vai colocar quem lá? Ele está se juntando a eles, e aí o meu medo de virar um Lula. Será que o Mourão tem essa capacidade? Será que vai ter uma outra eleição?

Homem, 41, arrependido

Tendo isso em vista, acreditamos que um dos maiores desafios para o campo democrático será se apresentar como uma alternativa viável para contemplar aqueles que se sentem politicamente órfãos. Dialogar com esse setor da população pode ser difícil, mas, certamente, não é impossível.

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