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Guilherme Tinoco e Felipe Salto

Mário Covas mostrou que responsabilidade fiscal dá votos quando se converte em bons serviços

Ex-governador paulista, morto há 20 anos, deixou saldo de modernização da máquina pública

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Guilherme Tinoco

Mestre em economia pela USP

Felipe Salto

Diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado e professor do IDP

[RESUMO] Economistas defendem o legado positivo do ajuste fiscal promovido por Mário Covas (PSDB), cuja morte completa duas décadas, à frente do governo de São Paulo. Medidas como privatização de estatais e concessões de infraestrutura deram musculatura para o estado oferecer serviços de maior qualidade e lançaram as bases de uma tradição de responsabilidade fiscal, afirmam.

Há alguns anos, o tema das contas públicas ocupa um lugar de destaque no debate nacional. Com a elevação da dívida pública, economistas passaram a discutir mais intensamente os caminhos da política fiscal, ao mesmo tempo que se debruçam sobre a análise de práticas de sucesso —ou de fracasso— nessa área. Fórmulas para controlar o gasto e o endividamento público, por exemplo, estão sempre nas discussões.

Nesse debate, bastante concentrado na esfera federal, muitas vezes algumas experiências exitosas de governos subnacionais não alcançam a relevância merecida. Este é o caso do estado de São Paulo.

Há pouco mais de 25 anos, o estado, em situação praticamente falimentar, iniciou uma mudança em sua gestão fiscal que rende frutos até hoje. Os benefícios gerados se tornam ainda mais evidentes quando a situação de São Paulo é comparada com a de seus pares, isto é, com os estados mais ricos da Federação.

Para entender como isso tudo começou, voltamos ao início de 1995, quando Mário Covas, recém-eleito governador pelo PSDB, tomou posse em meio a uma situação financeira caótica. O déficit de 1994 correspondia a mais de 20% da receita orçamentária.

Naquele momento, não havia dinheiro em caixa para o pagamento dos salários do mês. Também não havia combustível para os carros oficiais, como as viaturas policiais, pois a Petrobras havia cortado o fornecimento do insumo por inadimplência. O banco estadual, o Banespa —que era utilizado para financiar o déficit público—, tinha sofrido intervenção federal na véspera da posse, no dia 30 de dezembro.

Na realidade, a situação financeira de todos os estados brasileiros era muito ruim havia tempos. Desde o início dos anos 1980 até aquele momento, era marcada por um desequilíbrio crônico e sucessivas crises, de maneira que frequentemente a União era obrigada a intervir.

Em São Paulo, a gravidade era potencializada pelo fato de o estado ser o detentor de elevada dívida, correspondendo a quase metade da dívida total dos estados na época. As gestões anteriores não haviam colaborado, muitas vezes acelerando gastos às custas do aumento de dívida. Está presente na memória dos paulistas o desastre das gestões Quércia e Fleury, ambos do PMDB, simbolizado pela famosa frase atribuída ao governador Quércia: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor [Fleury]”.

Empossada, a nova gestão tinha o desafio de equilibrar as contas, revertendo os elevados déficits primários observados nos anos anteriores. Sob a batuta do secretário de Fazenda Yoshiaki Nakano, fez isso com bastante eficiência.

Mário Covas sentado em sofá com quadros ao fundo
Mário Covas em seu apartamento, em São Paulo - Paulo Giandalia - 21.out.98/Folhapress

Em primeiro lugar, em razão do controle das despesas. Houve um esforço de contenção inicial, especialmente em custeio, por meio da renegociação de contratos e da obtenção de menores preços na compra de bens e serviços. A introdução do pregão eletrônico produziu uma verdadeira revolução na transparência e no gasto. Os fornecedores do governo foram chamados, um a um, para rever contratos abusivos, e os cortes foram expressivos, tamanho o sobrepreço existente.

Houve também um ajuste na despesa com pessoal, com efeito para os anos seguintes, por meio de programas de demissão voluntária e da privatização de algumas empresas estatais. A redução no número dos funcionários alcançou quase 200 mil postos somente no primeiro mandato do governo, o que correspondia a 21% do quadro total de ativos. Considerando que a despesa com pessoal corresponde à maior parcela do gasto dos estados, é possível ter uma ideia da dimensão do ajuste.

A outra explicação para o sucesso do ajuste está no aumento expressivo da arrecadação por meio da adoção de novas tecnologias, da maior fiscalização, além do crescimento da economia e do controle da inflação (o chamado efeito Tanzi, como é conhecido na literatura de política fiscal). A receita primária líquida, em 1998, já tinha aumentado 40% em relação a 1994, em termos reais.

Com isso, os resultados primários passaram de um déficit anual médio da ordem de R$ 6 bilhões, entre 1991 e 1994, para um superávit anual médio de R$ 1 bilhão, entre 1995 e 1998 (a preços de 1998), com saldo positivo em todos os anos.

Nos anos seguintes, os dados fiscais continuaram melhorando. Em 2001 e 2002, os resultados primários já estavam acima de R$ 3 bilhões, ao passo que o estado recuperava sua capacidade de investimento.

Em termos fiscais, também há que se mencionar o abrangente acordo de renegociação da dívida entre os estados e a União, de 1997. Para o estado de São Paulo, a renegociação envolveu uma dívida em torno de R$ 50 bilhões em valores da época, cerca de metade do valor renegociado com todos os estados, e possibilitou a redução do pagamento de juros nos anos seguintes.

Dentre as contrapartidas do acordo, destaca-se o programa de privatizações, que permitiu a venda de diversas empresas, como o próprio Banespa, a Fepasa, o Ceagesp e ativos do setor elétrico.

Representantes do Banco Santander batem o martelo no leilão de privatização do banco Banespa na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro - Evelson de Freitas - 20.nov.2000/Folhapress

Ao mesmo tempo que melhorava os resultados fiscais, o estado se tornava mais enxuto. E isso não se deu apenas por conta das privatizações. Duas soluções inovadores merecem destaque: as OSS (organizações sociais de saúde) e as concessões rodoviárias.

O primeiro caso refere-se ao novo modelo de gestão e assistência à saúde, introduzido em 1998 pela reforma do aparelho do Estado, de Bresser-Pereira, que autorizava o governo estadual a contratar entidades privadas sem fins lucrativos e de excelência para gerir hospitais públicos.

Essa nova modalidade acabou sendo fundamental para aumentar a oferta de serviços de saúde ao longo dos anos, tornando-se um instrumento importante de gestão pública, ainda que com alguns problemas a serem corrigidos e aprimoramentos a serem feitos.

No caso das concessões, a questão que se colocava era como melhorar a qualidade das rodovias em meio às restrições fiscais. A solução encontrada consistiu na atração do setor privado, que ficaria responsável pelos investimentos, em uma modelagem que também instituía o pedágio por parte dos usuários.

O resultado foi o maior programa de concessões rodoviárias do país, que entrega as melhores e mais modernas rodovias da Federação. Ao longo do tempo, o estado concedeu 9.800 quilômetros, atualmente divididos entre 20 concessionárias, com mais de R$ 120 bilhões em obras e manutenção no acumulado, além da queda no número de mortes em acidentes rodoviários.

Para realizar todas essas transformações ao longo de sua gestão, a liderança do governador Mário Covas foi essencial. Muitos vão se lembrar de um episódio emblemático, quando, em maio de 2000, o governador, no auge de sua doença, enfrentou pessoalmente manifestantes que bloqueavam havia dias a entrada principal do prédio da Secretaria da Educação, no centro da capital, abrindo espaço a cotoveladas.

De fato, nunca é fácil realizar reformas e ajustes fiscais. Privatizar empresas, instituir programas de demissão e controlar despesas costumam ser impopulares, no início, e poucos têm coragem de fazer.

Covas, no entanto, mostrou que responsabilidade fiscal dá votos quando convertida em governos mais enxutos e eficientes e serviços concretos prestados à população. Algo emblemático que ele dizia a esse respeito é que o povo sempre vota bem, desde que tenha acesso a todas as informações.

Não foram raros os episódios de cortes orçamentários promovidos por seu governo, mas os benefícios foram colhidos depois. Prefeituras, estados e o governo federal, quando saneados, ganham musculatura para prover serviços com maior qualidade e eficiência. Isso é valorizado pela população.

O fato é que os resultados não aparecem no curto prazo, e muitos desistem no meio do caminho. Mas, quando o trabalho é bem feito, eles acabam aparecendo. No caso da gestão Covas, entre acertos e erros, o saldo foi extremamente positivo. Modernizou a máquina e lançou as bases para a tradição de responsabilidade fiscal no estado que dura até hoje.

Infelizmente, ele não pôde conferir de perto. No vigésimo aniversário da sua morte, contudo, é importante relembrar o seu legado e as transformações que realizou em São Paulo. Que sirva de inspiração para o futuro do país, sobretudo em tempos como os atuais.

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